Crítica
Ouvimos: “The age of pleasure”, de Janelle Monáe

- Apesar dos vinte anos de carreira, The age of pleasure é o quarto álbum de Janelle Monáe, cantora nascida em 1º de dezembro de 1985 em Kansas City. Nos dez primeiros anos, ela lançou demos e EPs, e seus álbuns costumam ter um espaço de tempo considerável entre um e outro.
- Janelle, ao trabalhar nas músicas, pensou como uma DJ: tocou as faixas para seus amigos em festas e foi vendo o que funcionava nas pistas. “Se eles não gostassem das músicas, elas não entrariam no disco”, conta, dizendo também que o disco é “uma trilha sonora para as belas pessoas negras e pardas em toda a diáspora”.
- “Espero que o disco encoraje as pessoas a encontrar prazeres simples. Para mim, às vezes é ler um livro antes das 6 da manhã, às vezes é dar uma festa e poder vir seco e sair molhado, beijar alguém que você acabou de conhecer, sabe?”, disse à Vogue.
- Uma das inspirações do espírito de The age of pleasure foram os eventos do Everyday People, grupo criador de festas que celebram a cultura negra e africana. Na vida pessoal, Janelle se assumiu como não-binária e declarou que esteve em relacionamentos poliamorosos.
Algumas coisas mudaram. Muitas coisas, pra dizer a verdade. The age of pleasure, o quarto disco de Janelle Monáe, é curto: são 14 músicas em pouco mais de trinta minutos, e algumas faixas são bem diminutas – álbuns anteriores costumavam passar de uma hora. O visual afrofuturista dos discos anteriores (bem como os smokings que ela costumava usar) foram sumindo com o tempo. A cantora continua sendo “um bebê de Prince com Erykah Badu nascido em Marte” (boa definição de Carmen Phillips no site Autostraddle), mas o clima é outro.
A grandeza de informações de discos como a estreia The ArchAndroid (2010) foi substituída por um discurso direto, sensual, mais perto de uma festa sensorial do que de um tratado musical afrofuturista, com faixas interligadas e “som contínuo”, quase como nos antigos discos da K Tel. Algo mais próximo da diversão e da identificação imediata com esse ou aquele som, e longe de qualquer complicação no design musical ou nas letras. O lado histórico e futurista está lá, mas sob outra ótica, com referências à cultura negra em meio a letras festeiras como a de Float e Champagne shit.
Janelle continua procurando inovar num estilo musical, o r&b, que se aproxima de uma verdadeira biblioteca musical. Só que deixou de lado todo e qualquer traço de nerdice artística (no melhor dos sentidos) de seus álbuns anteriores e abraçou o relaxamento da mescla de soul com reggae, em faixas boas de pista como Float, cuja letra fala sobre a própria mudança de perspectiva da cantora (“eu costumava entrar na sala de cabeça baixa/eu não ando, agora eu flutuo/flutuo”). E até a própria Lipstick lover, cujo clipe dá o clima “reality de pegação” da coisa toda, e em cuja melodia há referência incidental a Stevie Wonder (o refrão foi sampleado do hit For your love e ele é citado como um dos autores).
A voz de Janelle continua soando como a de uma cantora antiga redescoberta na era da música digital, até mesmo em músicas mais moderninhas como Phenomenal (que tem um dos melhores refrãos do disco), a sexy Haute, (que cita Moonage daydream, de David Bowie) e no reggaezinho Paid in pleasure. Ou em A dry red, um r&b de violão, cheio de riqueza musical, com letra romântica e sacana, fechando o disco em clima de fim de festa, com micropontos de psicodelia no final. Só que como a festa foi ótima, o final é bom e vem em hora adequada.
Gravadora: Wondaland/Bad Boy/Atlantic
Nota: 9
Crítica
Ouvimos: Gaby Amarantos – “Rock doido”

RESENHA: Disco-filme com 22 faixas em 36 minutos, Rock doido mostra Gaby Amarantos unindo tecnobrega, pop e festa em uma obra inventiva e multimídia.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Deck
Lançamento: 29 de agosto de 2025
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Rock doido, o disco novo de Gaby Amarantos, tem um formato que lembra o de discos de bandas casca-grossa como D.R.I.: são 22 faixas curtíssimas em 36 minutos (!). Não é apenas um disco: tem ainda Rock doido, o filme, que traz todas as músicas do álbum filmadas com Gaby, convidados e sua turma, tudo em plano sequência, com o pessoal se movimentando em vários cenários subsequentes.
O disco funciona na medida que você esteja disponível para aprender uma nova forma de ouvir música: Rock doido é totalmente montado como se fosse uma festa, um DJ set, ou um passeio curto pelas festas de aparelhagem do Pará. Junto com a recente volta da Gang do Eletro (resenhada pela gente aqui), é quase um relato de como várias tendências musicais se uniram em momentos diferentes para gerar o tecnobrega e estilos afins.
Não é um disco feito para “tocar no rádio” e está mais para um suposto antecipador de tendências que, provavelmente, vão dar canal no rádio ou na TV em algum momento – a graça de Rock doido é justamente o lado multimídia dele, de ser um álbum que vira filme (está no YouTube na íntegra e pode, quem sabe, ser exibido na TV). A mistura de referências também chega à capa, que lembra tanto Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, quanto Dangerous, de Michael Jackson.
- Ouvimos: Lambada da Serpente – Lambada da Serpente (EP)
Com tanta rotatividade, eleger uma música preferida fica até complicado – inclusive porque os beats e refrãos vão se seguindo bem rápido. Essa noite eu vou pro rock introduz a/o ouvinte no clima festeiro. Short beira cu, Te amo fudido (com Viviane Batidão), Tumbalatum (terror fake com a já citada Gang do Eletro), Dá-lhe sal e Viciada em seduzir apresentam expressões locais e o clima da noite paraense a quem ouve o disco bem distante do Pará. Bonito feio é uma das faixas que separam um pouco o “tecno” do brega no álbum.
No final, tem Deixa, um samba-reggae que parece meio deslocado no álbum – é a música menos “rock doido” da fornada, mas talvez seja a tal “música de rádio” do disco. Sem crise: Rock doido é um disco-filme que confirma Gaby Amarantos como uma das artistas mais inventivas do pop brasileiro.
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Crítica
Ouvimos: Big Special – “National average”

RESENHA: Dance-punk ácido e sarcástico, National average faz o Big Special rir da miséria com ironia, fúria e riffs venenosos.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 10
Gravadora: SO Recordings / Silva Screen Records Ltd
Lançamento: 4 de julho de 2025
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Chega a escorrer veneno de National average, segundo álbum do Big Special, dupla britânica cujo clima basicamente é o da dança punk – às vezes soando como um EMF (lembra deles?) que entrou em órbita, ou como um desdobramento da receita doidona do selo Food, na virada dos anos 1980 para os 1990. Em vibe funky, Joe Hicklin e Callum Moloney falam dos problemas mais bizarros vividos pela população britânica nos dias de hoje.
Na real, nada que seja estranho até mesmo aqui no Brasil. A faixa God save the pony, tributo pago a Talking Heads e à turma de Madchester, inclui no mesmo saco hambúrgueres superfaturados, gentrificação, gente instagramável (“mal ganho o salário mínimo / e sou um clichê do rock and roll / e, para ser honesto / não consigo acreditar em quanto tempo isso já durou”) e um estado de letargia total, como se todo mundo já estivesse acostumado com isso – à Rolling Stone, a banda disse que se trata de um “boa noite e boa sorte para o peso que todos carregamos. Somos os cavalos cansados arrastando uma carga pessoal e, muitas vezes, o peso de outra pessoa”.
- Ouvimos: Immoral Kids – Tantrika
Outras canções falam também da merdificação geral que todo mundo vai levando adiante na vida, como The mess (que soa como um Tom Waits alt-metal) e Hug a bastard – esta, um reggae preguiçoso transformado em indie rock, com cara de Beastie Boys, Beck e até de Gorillaz, iniciado com os versos “encontrar deus? / cara, não consigo achar minhas chaves”. Nada se comparado a Shop music, synth pop stoner que equivale a um soco na boca do estômago de quem acredita em virtudes no mundo fonográfico, em versos como “vamos vender suas merdas / (…) e depois de vender suas merdas, vamos vender outras merdas” e “não consigo identificar o monstro quando ele está bem vestido / é o seguinte: dinheiro fala, mas não canta”.
Esse clima de desesperança e ironia é a cara de National average, disco que também fala sobre merdas passadas de geração a geração em família (o blues zoeiro Pigs puddin), de choque com o mercado fonográfico “profissional” (Professionals, uma mescla de The Who e Viagra Boys, se é que é possível), e de como todo e qualquer emprego ou chefe é uma merda (Yesboss, rap-punk sem o menor cacoete de rapper, com voz praticamente falada).
O disco novo do Big Special chega a ser um projeto multimídia – no sentido de que você tem que prestar atenção nas letras, ler as entrevistas, saber qual é a da banda e acompanhar o que eles andam falando para ter uma fruição total do disco. Em letra e música, tudo em National average soa como uma sequência de porradas bem dadas. O Big Special revisita-parodia o blues a la Eric Clapton em Domestic bliss, uma espécie de canção sophisti-punk que revira ao contrário o mito de Sísifo para falar sobre depressão e máscaras do dia a dia. Tem ainda Judas song, dance-punk sobre traição e rancor, com guitarras pesadas e um clima “eletrônico” que faz lembrar o Ultravox – mas com bastante sujeira.
Em resumo: National average é daqueles discos que fazem você rir, pensar e se envenenar ao mesmo tempo — e ainda sair dançando no final.
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Crítica
Ouvimos: Helado Negro – “The last sound on Earth” (EP)

RESENHA: Inspirado no filme Wavelength (1967), Helado Negro cria em The last sound on Earth um EP existencial, espacial e cheio de ecos de solidão e esperança.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Big Dada
Lançamento: 7 de novembro de 2025
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Realizado em 1967 por um cineasta então ainda inexperiente (o canadense Michael Snow), o documentário Wavelength – disponível no YouTube – mostra várias experimentações com sons, imagens, situações e emoções. Foi esse filme que inspirou o músico norte-americano Roberto Carlos Lange, mais conhecido como Helado Negro, no conceito de seu novo EP, The last sound on Earth. Basicamente um disco que trabalha numa questão que muita gente jamais gostaria de imaginar: qual seria o último som ouvido imediatamente antes da morte?.
Na real, o EP de Helado Negro é mais uma experiência existencial do que apenas espiritual, falando também sobre solidão (More, cujo clipe traz emoções sendo representadas por um coração de origami) e política (Protector). Em todo caso, a música de The last sound é uma experiência transcendental, na qual cabem sons espaciais e futuristas, vocais quase fantasmagóricos e, em muitos casos, um clima meio “o Prince que veio do espaço”, como na dance music de More e na gélida e animada Don’t give up now.
- Ouvimos: Stealing Sheep – GLO (Girl Life Online)
Em Sender receiver, tema psicodélico e eletrônico com frases e palavras soltas que formam uma mensagem sobre tecnologia, desigualdade e solidão (no estilo de Arnaldo Antunes e do Can: “crescendo sozinho / amigos fantasmas / eleve a esperança / diminutiva preocupação consigo mesmo”), surpresa: Helado canta de forma impostada, quase lembrando seu xará brasileiro Roberto Carlos. A “onda sonora” do doc que inspirou Helado ganha comentários musicais no jungle Protector (com clima lo-fi e derretido, como uma fita que se desfaz) e no instrumental Zenith, cuja espacialidade é dada pelos teclados.
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