Crítica
Ouvimos: Suuns, “The breaks”

- The breaks é o sexto álbum da banda canadense Suuns. O grupo é formado por Ben Shemie (voz e guitarra), Joe Yarmush (baixo e guitarra) e Liam O’Neill (bateria). É o segundo álbum que a banda lança pelo selo Joyful Noise, voltado simultaneamente para música e política revolucionária.
- “The breaks encontra Shemie, O’Neill e Yarmush experimentando alegremente loops, sintetizadores, samples e instrumentos MIDI como um Tangerine Dream pós-milenar mexendo com batidas triphop downtempo. O álbum não captura uma banda procurando se mover em uma direção específica: Suuns simplesmente visa avançar”, diz o texto de lançamento divulgado pela Joyful Noise.
- Esse lado eletrônico, de MIDIs e samples, é explicado por Liam no mesmo texto. “Antes tínhamos uma espécie de regra de que não teríamos nenhum instrumento no disco que não estivéssemos realmente tocando. As gravações que fizemos sempre foram como um documento. Não havia overdubs. E agora… não nos importamos com isso! Agora fazemos o que quer que soe bem”, diz.
O Suuns é uma banda tão “artística” e ruidosa que às vezes chega a lembrar o Radiohead – só que os canadenses aparentemente não têm a mesma vontade de pegar um repertório fora dos padrões e transformá-lo numa obra de arte pinkfloydiana, que milhões de pessoas vão querer ver e ouvir.
O negócio de Ben Shemle, Liam O’Neill e Joseph Yarmush é abraçar a estranheza, as experimentações que não cabem em nenhuma gavetinha. E assim a discografia deles vem caminhando desde o pesadelo eletrônico e distorcido da estreia Zeroes QC (2010), mais voltado para o legado de bandas como Faust do que para qualquer outra coisa.
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The breaks, o novo disco, é desértico e “espacial” a ponto de dar gatilhos. Em vários pontos das oito faixas do álbum, é possível encarar a solidão, a tristeza e a sensação de que você está em alguma missão solitária enquanto encara a paisagem infinita, o espaço sideral, as estrelas no céu azul… Tudo isso em forma de música, em faixas como Fish on a string (levada adiante com programação de percussão simples, vocais com reverb e rajadas de synths), a lenta e neo-psicodélica Vanishing point e o ritmo cardíaco e eletrônico de Overture, que depois ganha tons pesados e contemplativos, com distorções, teclados e batida intensa.
Ben Shemie, que abusa de autotune nos vocais, canta como se olhasse para o céu infinito, ou para o vazio, em canções tão contemplativas quanto lisérgicas, como Wave e Doreen. Enquanto isso, um pouco do passado do Suuns ressurge em Road signs and meanings, sete minutos de batida não-dançante que se desenvolve com guitarras, teclados, efeitos e percussões.
Nota: 8
Gravadora: Joyful Noise
Crítica
Ouvimos: Cate Le Bon – “Michelangelo dying”

RESENHA: Em Michelangelo dying, Cate Le Bon transforma o fim de um amor em arte surrealista: folk, dor, beleza e arranjos que sangram com elegância.
Nota: 9
Gravadora: Mexican Summer
Lançamento: 26 de setembro de 2026.
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Se você jogar qualquer texto no ChatGPT e pedir para a IA dar “aquele trato” na sua produção, mas sem dar orientação nenhuma para ela, arrisca-se a dar de cara com a palavra imersivo em seu texto – ou icônico/icônica, quem sabe. Bom, no caso da cantora, compositora e produtora galesa Cate Le Bon, as duas palavras nem fazem feio: ela é realmente um ícone do art rock de seu país, e seus álbuns geralmente jogam o/a ouvinte num ambiente uterino, mas onde nada é exatamente o que parece ser.
Discos de Cate como Pompeii (2022) podem ser tranquilamente comparados à fase Berlim de David Bowie, ou a boa parte dos álbuns de Kate Bush, ou aos discos de outro orgulho artístico galês, John Cale. São discos cuja música dói de tão surrealista, e que contam histórias não apenas com as letras, mas também com as melodias, arranjos e interpretações – às vezes o fluxo de consciência das letras dependem da moldura de arranjo e melodia para ser devidamente entendido. Se você levar tudo isso aí para o mundo dos clipes, ou das capas de álbuns, ou das mumunhas de produção dos álbuns, tudo parece estar ali com uma mensagem a ser desvendada – bem diferente dos easter eggs e mistérios baratos do universo pop.
O fato é que Michelangelo dying, novo disco da cantora, tem mensagens bem diretas, que Cate tratou de desvendar em entrevistas: o fim de um relacionamento de longa data; vários pequenos problemas de saúde que foram se avolumando após o relacionamento acabar; a mudança de volta para Cardiff, em seu país natal. O disco também fala, de certa forma, a respeito dele próprio: Cate já tinha outro disco encaminhado e preferia não tratar desse tipo de assunto publicamente, mas acabou decidindo fazer o que chamou de “fotografar uma ferida, mas cutucá-la ao mesmo tempo”.
As letras de músicas como Jerome, Love unrehearsed e Mothers of riches, que abrem o disco, parecem flagrar Cate começando a abordar a perda – com direito a um verso tocante na segunda música: “ela dorme como uma pedra / por que você a toca mais?”. Pieces of my heart vai tocando mais fundo, em versos como “pedaços do meu coração apagados / e nada vai mudar isso”. Heaven is no feeling, por sua vez une tristeza e destruição (“o dia, a noite, tudo acaba / você fuma nosso amor como se nunca tivesse conhecido a violência”).
Musicalmente, Cate criou em Michelangelo dying um som só dela, que parece obedecer a seus critérios de produtora. Tudo baseado em guitarras, teclados, efeitos, vocais doces e doloridos, tons entre o folk e o cristalino, que surgem em Love unrehearsed, a meditativa About time, a robótica Body as a river, o folk psicodélico de Heaven is no feeling. Faixas como Is it worth it (Happy birthday) lembram os discos que Brian Eno lançou nos anos 1970, e há alguma filiação com a obra de Patti Smith, nos versos cortantes e no clima de algumas faixas. E o já citado John Cale surge em Michelangelo dying e participa de Ride, som mágico e hipnótico no qual as coisas parecem chegar perto do equilíbrio (“está tudo bem / são apenas sentimentos indo embora”).
No final, a gélida e meditativa I know what is nice parece requerer um esforço enorme de Cate – seja para olhar o que sobrou, ou quem sabe para falar de tudo (“estou deixando alguém que eu amo / não consigo respirar por alguém que eu amo”, diz a letra). Uma canção de desapaixonamento cujo ritmo vai ficando mais lento e cardíaco, até encerrar.
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Crítica
Ouvimos: Tati Quebra-Barraco – “Da CDD para o mundo”

RESENHA: Após dez anos sem álbuns novos, Tati Quebra-Barraco volta com o EP Da CDD para o mundo, seis faixas de funk cru, sarcástico e poderoso.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Funk Split / OneRPM
Lançamento: 10 de outubro de 2025
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Tatiana Santos Lourenço, a popular Tati Quebra-Barraco, não é nem de longe o oposto complementar de Taylor Swift – a funkeira da Cidade de Deus não tem as mesmas expectativas, nem faz o mesmo som que ela, nem tem as mesmas origens, nem os mesmos privilégios. Analisando por uma perspectiva idealista, era para Tati estar atualmente gravando vários discos um atrás do outro, fazendo uma “The Eras tour” e mostrando pra geral sua musicalidade crua, pesada e direta, cheia de batidões e letras extremamente pontiagudas. Mas o mundo não é “ideal”.
- Ouvimos: MC Hariel – É noiz ki tá
Daí uma pena que, após dez anos sem lançar um álbum, saia apenas um EP de seis faixas – esse Da CDD para o mundo, feito ao lado do DJ Batata. As músicas são inéditas e trazem a tradicional mistura de zoeira, sexo, empoderamento e porrada nos beats, além de vocais gritados num esquema quase punk. Seu melhor momento e Surpreendida não dão a entender a sacanagem das letras (bom, a “surpresa” da segunda faixa é com o tamanho de uma certa parte do corpo de um peguete dela).
No meio, tem as explícitas Soca fundo, Amor de pica e Quer no chão ou quer na cama (com um ótimo sample de metais que parece tirado de Smooth, hit de Santana). Águas da Tati, que encerra o EP, é definida pelo release como sendo uma faixa apresenta na letra “uma faceta mais profunda da cantora”. Bom… na verdade é um ótimo eletroclash cuja letra tem mais sacanagem que o disco inteiro junto. Tudo muito bom. O único problema de Da CDD para o mundo é que, no fundo, ele mostra que o mundo – o mesmo do título do EP – não está preparado para a revolução feminista e redentora de Tati.
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Crítica
Ouvimos: Die Spitz – “Something to consume”

RESENHA: O Die Spitz une punk e metal em Something to consume, disco intenso e ruidoso, cheio de peso, emoção e surpresas sombrias.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Third Man Records
Lançamento: 12 de setembro de 2025
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Tem quem já se prepare para comparar o Die Spitz, grupo formado por quatro mulheres, com bandas como Amyl and The Sniffers, por causa do nível de ruído feito por elas. Só que tem bem mais aí: em Something to consume, as quatro se comportam como catedráticas do barulho, unindo vários estilos musicais em nomes dos decibéis.
Pop punk anthem (Sorry for the delay) até engana na abertura, trazendo algo de emo e de hardcore, mas envolto em sombras, e em climas emotivos e intensos. Daí para a frente, o som flerta descaradamente com o metal em Throw yourself to the sword, cai na intensidade doom em Sound to no one e ganha um aspecto tão sombrio em Go get dressed, que a música parece ranger.
- Ouvimos: Algernon Cadwallader – Trying not to have a thought
Em boa parte de Something to consume, o Die Spitz é um monstrengo punk + metal, unindo o melhor dos dois estilos, como no guitar rock American porn, na cavalar e sussurrada-gritada Rod 40 e na quebradeira de Riding with my girls. Punishers tem melodia muito bem feita e bonita, mas com peso e distorção na medida.
No final de Something to consume, as surpresas: a pegada punk + girl group de Down on it, e a perdição nas sombras noturnas de A strange moon/Selenophilia. Ouça hoje mesmo.
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