Crítica
Ouvimos: Neil Young e Crazy Horse, “Fuckin’ up”

Já falamos disso aqui recentemente: tornar-se algo parecido com Neil Young é provavelmente o sonho de qualquer pessoa ligada à produção de arte – seja na escrita, na música ou o que o valha. Neil já conta seis décadas de uma carreira marcada basicamente pela independência, ainda que seu trabalho sempre tenha sido lançado por gravadoras grandes e ele esteja mais próximo do mainstream do que da parte mais luxuosa do underground. Faz o que quer, lança o que quer e quase sempre encontra repercussão e público interessado. Mesmo quando decide colocar nas plataformas (e nas lojas) discos em que revê seu repertório passado, ou dá vazão a antigas ideias que não deram lá muito certo.
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Quase sempre essas viagens ao fundo do ego de Neil surpreendem – especialmente porque, de início, só a premissa de cada projeto já pode causar medo em antigos fãs. A bola da vez é Fuckin up, disco ao vivo gravado no ano passado com sua banda Crazy Horse, numa festa privada no Canadá. Com qualidade de gravação de LP pirata, ou de show gravado só por diversão, Fuckin up traz uma regravação de quase todo o disco Ragged glory, o “álbum grunge” de Neil (1990), só que com microfonias e sujeira a rodo, nomes das faixas mudados (!) e mixagem absolutamente caótica. Soa quase sempre como se o universo dos discos piratas legalizados (lembra dos CDs importados da Itália que infestaram as lojas de discos nos anos 1990?) fosse levado para as regras da arte.
Com parede de som garantida por três guitarristas (Neil, Micah Nelson e Nils Lofgren), além do acompanhamento de Ralph Molina (bateria) e Billy Talbot (baixo), Fuckin up cai fora de qualquer tipo de nostalgia, e via Ragged glory, redescobre laços bem estranhos no trabalho de Neil. Sonic Youth é o primeiro grupo a vir a mente para efeitos de comparação, em releituras pessoais como City life (originalmente Country home), mas a fase Monster do R.E.M. ganha correspondência em Broken circle (a nova Over and over) e To follow one’s own dream (a nova Days that used to be). Já Heart of steel (a nova Fuckin’ up) ameaça soar como um Velvet Underground mais classudo, como já era no original, mas com mais intensidade.
Ragged glory já era sujo e foi interpretado como uma resposta de Neil ao rock alternativo dos anos 1990, que começava a colocar a cabeça para fora. No final, A chance on love inclui mais cinco minutos de barulho em Love and only love, com os vocais de Neil prensados em meio ao muro de guitarras.
Nota: 10
Gravadora: Reprise.
Crítica
Ouvimos: Tyler The Creator – “Don’t tap the glass”

RESENHA: Tyler The Creator lança Don’t tap the glass, disco curto e dançante que mistura indie pop, rap, house e soul com clima retrô e foco total no corpo.
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Chromakopia, o bowieófilo disco anterior de Tyler The Creator, saiu em outubro do ano passado – e eis aqui Tyler com um álbum novo, o curtíssimo Don’t tap the glass, menos de um ano depois. Com uma discografia já grandinha, Tyler sempre espaçou seus álbuns em dois anos, mas dessa vez, parece que a ideia era malhar enquanto o ferro estava quente.
Ainda mais que Don’t tap the glass é basicamente um disco de indie pop, dando contornos ultratexturizados a estilos como hip hop, Miami-bass e house music – e o próprio Tyler disse que se trata de um disco “feito para dançar”, e nada mais do que isso. O entendimento de Don’t tap the glass vai pelo corpo e pelos pés, não exatamente pela revolta, pelo conceito ou pela provocação – ainda que seja um disco de rap, estilo musical que tem isso tudo aí na gênese.
E aí que se há um “fantasma” assombrando Don’t tap the glass é o rap zoeiro dos anos 1980, mais do que a sensação de perigo que o estilo provocaria após os anos 1990 – além dos verdadeiros manuais de dança que eram os discos de soul dos anos 1970. Big poe, na abertura, traz Tyler mandando os estatutos da gafieira de Don’t tap the glass (“número um, movimento corporal / não fique parado”), e embarcando num boombap ruidoso.
Faixas como Sugar on my tongue estão mais próximas do funk original e do pós-disco do que se imaginaria – e a safada Sucka free é um r&b que passa até por um boogie. Mommanem, cheia de efeitos de percussão e vocais, parece um tema para acompanhar corridas. Stop playing with me é pura ostentação e sacanagem, e vai numa onda já naturalmente mais associável a Tyler, só que com mudanças – afinal, é um som que tocaria numa festa.
Tyler invade a área da dance music nostálgica em Ring ring ring, e une soul latino e batidão gangsta em duas faixas coladas, Don’t tap that glass e Tweakin‘. Climas meio nostálgicos e meio lo-fi tomam a frente em Don’t you worry baby (cuja batida parece um carro apressado e com volume alto passando em sua rua) e I’ll take care of you.
Levando em conta a discografia de Tyler e seu histórico que-se-foda, Don’t tap that glass é um diferencial, e talvez soe como um presente para os fãs fieis – aliás um presente bem melhor do que demorar mais dois anos para lançar o sucessor de um disco de sucesso.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Columbia/Sony
Lançamento: 21 de julho de 2025.
Crítica
Ouvimos: Fishbone – “Stockholm syndrome”

RESENHA: O Fishbone volta com Stockholm Syndrome, misturando punk, ska e soul em críticas afiadas a Trump, racismo e indústria, sem perder a fé no amor.
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Mais conhecidos como uma banda de ska + soul + rock, os americanos do Fishbone sempre estiveram mais para uma formação punk – o próprio nome, “espinha de peixe”, foi escolhido, segundo o próprio grupo, por representar fidelidade às convicções e “não se dobrar”.
Stockholm syndrome, primeiro álbum do grupo em mais de 20 anos, vai na mesma onda de união de ritmos e energia punk, só que com alguns condimentos a mais: o disco sai na segunda era Trump, o momento grave ganha comentários no álbum, e a banda aproveita para olhar sua própria história em várias faixas.
Não é à toa que Stockholm abre com Last call in America, soul + rock gravado com George Clinton, com letra girando em torno de assuntos como racismo, justiça social, equidade. E ainda tem Racist piece of shit, ska de protesto que chama Trump de “rei laranja louco” e pisa com classe no presidente norte-americano.
O ódio amplo, geral e irestrito espalhado pelo fascismo surge no hard rock sombrio de Secret police. A máquina de matar negros e pobres levada adiante por estado e polícia é o tema do reggae Why do we keep on dying. A transformação do ser humano em fantoche das big techs surge em Living on the upside down, cujo som oscila entre blues, rock e punk.
O Fishbone olha para si próprio e para sua trajetória no ska-punk Adolescent regressive behavior, música ágil de letra enorme que fala de inimigos que brigavam na rua, e que anos depois trabalham juntos – parece que até as crises dentro do grupo viraram canção. Os chutes que a indústria fonográfica dá nos artistas ganham espaço no soul rock Dog eat dog. Há bastante esperança no final, com o gospel Love is love, evocando John Lennon e Rolling Stones.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Consigliere
Lançamento: 27 de junho de 2025
Crítica
Ouvimos: Carlos Patricio (e Camaradas) – “Revertério”

RESENHA: No álbum Revertério, Carlos Patricio mistura MPB sulista, samba, folk e tecnopop num songbook afetivo e cheio de parcerias.
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Com uma carreira musical que já vem desde os anos 1980, o gaúcho Carlos Patricio decidiu fazer de seu terceiro álbum solo, Revertério, um lançamento colaborativo. O material começou a ser gravado em 2021 (com sessões divididas entre São Paulo, Rio Grande do Sul e Uruguai) e as músicas são divididas com vários parceiros, vindos dos encontros ao vivo que Carlos vem promovendo desde 2016.
Valendo por um songbook com amigos, Revertério traz algo que a MPB do Sul tem como base desde os anos 1970: a poesia contemplativa e cortante, e a capacidade de aglutinar vários climas e influências simultaneamente. A faixa-título, com produção de Sebastian Jantos, um samba com violão e guitarra, traz algo da MPB paulista, ao lado das palmas do samba baiano. Kids e teens é um tecnopop adulto, com Mario Falcão dividindo vocais e operando uma programação que dà um ar de videogame antigo à faixa. Rota de navegação, com Pablo Lanzoni, é uma balada folk noturna e contemplativa, que deve tanto a Dire Straits quanto às vibes sombrias do Radiohead.
Os sambas não chegam a predominar em Revertério, mas quando surgem chamam a atenção – com direito a um Samba do Chico que na verdade é uma marcha, gravada com Johann Alex de Souza. O pescador de ideias abre com sons distorcidos e revela-se uma milonga de oito minutos. Sons latinos e acústicos surgem em Piazada, uma canção sobre os movimentos da vida, na cigana No mar da tua existência, e na hispânica Niña, com Michelle Cavalcanti no vocal.
No final, Carlos regrava É poesia, música de seu LP independente Vertente (1986). Um rock tocado no violão (por Quinca Vasconcellos), que guia o timão para a irreverência de Rita Lee e Raul Seixas.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Independente/Tratore
Lançamento: 24 de maio de 2024
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