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Crítica

Ouvimos: Linda Thompson, “Proxy music”

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Ouvimos: Linda Thompson, "Proxy music"

Existiu uma cena pujante de folk britânico na virada dos anos 1960 para os 1970, liderada pelo Fairport Convention. Uma banda da qual surgiram outras bandas importantes, como Steelye Span e The Albion Band. Além de outras carreiras musicais fortes, como a de Sandy Denny (a voz feminina de The battle of evermore, do Led Zeppelin) e a do então casal Richard e Linda Thompson.

Na verdade, entre ambos, só Richard fez parte do grupo oficialmente. Mas Linda era uma espécie de “parente” da banda, já que fez vocais como convidada em Rosie, disco deles de 1973, e dois anos antes havia se juntado a um supergrupo de curta duração formado por ex-integrantes do Fairport, o Bunch. A partir de 1974, Richard e Linda Thompson lançaram em dupla uma série excelente de álbuns, começando pelo excelente I want to see the bright lights tonight, já pendendo para a união de folk, rock, gospel e soul.

Entre turnês, lançamentos, brigas e bodes pessoais (Linda, influenciada pelo marido, chegou a abraçar o sufismo e largar a música por uns tempos, o que foi motivo de arrependimento para ela por vários anos), o casal ficou junto até 1982, ano do “disco de separação” Shoot out the lights – uma referência ao apagar das “luzes brilhantes” do primeiro álbum. O disco era cheio de sentimentos rançosos e músicas de fim de linha. A turnê foi complicada a ponto do casal ficar sem se falar fora dos palcos.

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Com a separação dos dois, quem mais teve problemas para se manter no mercado foi Linda. Em 1985, ela retornou com One clear moment, seu primeiro disco solo. Mas uma enfermidade nos músculos da garganta chamada disfonia espasmódica passou a impedi-la de falar e cantar normalmente, o que a afastou dos estúdios e shows. Injeções de botox na garganta foram lhe devolvendo a voz por uns tempos, o que resultou na retomada de sua carreira solo e no lançamento de uma série de álbuns – nos quais aparecia, pela primeira vez, compondo suas próprias músicas.

Mesmo com os problemas na voz, Linda continuou gravando – reuniu inclusive o ex-marido, os filhos Teddy e Kami e o neto Zak Robbs no álbum Family (2014), creditado a Thompsons. Agora, ela retorna de maneira bem original, com o álbum Proxy music. A capa faz uma sátira da arte da estreia do Roxy Music, de 1972 – e o conteúdo traz belos temas de country e folk compostos pela pela própria Linda. A novidade é que ela preferiu desta vez não cantar. Em vez disso, convidou vários cantores para soltarem as vozes nas canções – uma turma que inclui, além dos filhos, nomes como Martha e Rufus Wainwright, o duo escocês The Proclaimers, além do cantor norte-americano de alt folk John Grant.

Proxy traz Linda mostrando-se como é de verdade aos 77 anos, e não apenas na capa. Entre temas de folk, country e até polca, ela surge lidando com temas como amor, solidão, envelhecimento e descobertas pessoais. O repertório impressiona pela beleza, em faixas como Those damn roches, I used to be so pretty, Mudlark (no mesmo tom celta de Going to California, do Led Zeppelin) e o jazz Darling this will never do. Um disco cheio de musicalidade e verdade.

Nota: 9
Gravadora: StorySound Records

 

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Ouvimos: Clara Bicho, “Cores da TV” (EP)

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Ouvimos: Clara Bicho, "Cores da TV" (EP)

“Artista visual, musicista e jornalista pela UFMG”, como se define em seu instagram, Clara Bicho oferece mais do que apenas música em seu aguardado primeiro EP, Cores da TV – o disco é um universo esperando para ser desvendado. As melodias tem ar indie pop, as letras têm clima de diário, os cenários mostram Clara interagindo com todos os lugares dos quais ela fala nas letras.

A paleta indie pop do disco traz influências de disco music na faixa-título Cores da TV (parceria com Sophia Chablau), que traz sonoridade remetendo a grupos como Girl Ray, enquanto Meu quarto é mais experimental, soando como um passeio introspectivo pelos guardados de Clara Bicho e pelas recordações de uma vida (“faz um tempo ue eu tento me organizar / mas disso tudo aqui eu não quero me livrar”).

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Quase sempre, o som de Cores da TV parece “derreter”, como numa psicodelia pop, herdada tanto de Mutantes quanto de Flaming Lips. Rola isso na bossa indie Música do peixe, que depois se transforma numsamba-rock, e também no pop adulto oitentista (city pop, digamos) de A rua. Luzes da cidade, quase na mesma vibe, é um pop de quarto que remete ao boogie dos anos 1980, cujo vocal tem sujeira de gravação feita em casa.

No final, o som luminoso e repleto de recordações de Árvores do fundo do quintal, gravada ao lado da banda catarinense Exclusive Os Cabides (“as árvores do fundo do quintal / mandam lembranças / de quando a gente era criança”). Uma música, e um EP, em que passado e afeto são tão importantes quanto o futuro, e formam uma visão nova de música pop.

Nota: 9
Gravadora: Bolo de Rolo
Lançamento: 5 de maio de 2025.

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Ouvimos: Maré Tardia, “Sem diversão pra mim”

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Ouvimos: Maré Tardia, “Sem diversão pra mim”

Lançada em 2022, a estreia epônima do Maré Tardia era um disco bastante juvenil, mais ligado a uma combinação de indie rock e surf music. Mas já indicava o caminho que a banda seguiria com Sem diversão pra mim, seu segundo álbum. O Maré Tardia atual soa mais explosivo, apresenta composições bem mais afiadas e parece ancorado em diversas fusões estilísticas que se alternam: punk dos anos 1970, indie dos anos 2000, pós-punk (tanto o original quanto o revisitado a partir da virada do milênio) e, em especial, sonoridades que remetem a bandas como Libertines e Television Personalities.

Essa mistura aparece em faixas como Leviatã, Já sei bem, Junkie food (com um clima surfístico-misterioso que lembra o início do Dead Kennedys) e na faixa-título – cujos vocais evocam a fase punk do Ultravox e, não por acaso (note o nome do disco), também têm algo de Titãs. Tarde demais traz vários riffs, vocais gritados, uma pegada grunge e, surpreendentemente, encerra com um clima de maracatu punk, com percussões marcantes e guitarras inspiradas. Uma inesperada brasilidade também marca Nunca mais, última do álbum, com batida discreta de bossa nova e um improviso samba-rock no final.

Ian Curtis, que homenageia o saudoso vocalista do Joy Division, tem guitarras que lembram o U2 do início e grupos pouco lembrados do pós-punk, como Comsat Angels. Já a despojada Nadavai, lançada como single, é punk indie com batidas à la Dave Grohl e um vocal descolado que remete ao rock dos anos 2000 (Arctic Monkeys, Strokes). Sem diversão pra mim, o disco, carrega por acaso muito do romantismo que permeou o rock brasileiro de vinte anos atrás – aquela estética de falar de si e dos sentimentos como quem comenta o mundo, firmando posição diante de tudo. Ouça correndo.

Nota: 8,5
Gravadora: Deck
Lançamento: 30 de abril de 2025.

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Ouvimos: Y3ll, “Entre samples roubados & cerveja barata”

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Ouvimos: Y3ll, "Entre samples roubados & cerveja barata"

Direto do extremo leste de São Paulo – entre Guaianases e Cidade Tiradentes -, Daniel Oliveira, o popular Y3ll, soltou nas plataformas Entre samples roubados & cerveja barata, álbum de título certeiro e alma 100% urbana. Aqui, o rap vira quase city pop, mesmo nos momentos em que a estética japonesa não está diretamente presente. É trilha sonora de rolê pela cidade — real ou imaginária —, desses que começam na quebrada e terminam em algum lugar no controle remoto ou nas profundezas das plataformas de streaming.

A faixa Livre já dá o tom: sample do tema do programa do Datena no SBT misturado com Estou livre, de Tony Bizarro. Não se vão carrega peso e ironia: um rap encorpado por grooves de disco music e sonoridades de flashback, com Y3ll fazendo a pergunta que vale um milhão: “por que idiota falando bosta atrai multidão?”. Em Coral — que traz o título do disco num dos versos —, o clima muda: sambinha-rap suave, tranquiilo. Pela Leste, por outro lado, volta pro grave e dançante: batidão pesado, com sample até do programa do João Kléber.

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Os temas variam entre prazeres simples e duras realidades: sábado à noite, boletos, tretas, polícia, morte. Estão todos ali na sombria Dono do pedaço, com um riff de teclado de influência árabe, e no rap falado, lento e quase confessional de Não sei. Interlúdios dão o respiro: Comerciais simula um dial girando entre anúncios, Interlúdio traz papos paralelos, e Viva a vida é um velório vem com ninguém menos que Zeca Pagodinho filosofando sobre os enterros felizes no bairro carioca de Irajá.

No fim das contas, Entre samples roubados & cerveja barata é um disco-vinheta. Um mosaico sonoro da quebrada, da vida, da cidade — daqueles que não contam só uma história, mas várias ao mesmo tempo.

Nota: 8,5
Gravadora: Independente/Tratore
Lançamento: 9 de maio de 2025.

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