Crítica
Ouvimos: Jenny Lewis, “Joy’All”

- Joy’All, quarto disco solo de Jenny Lewis, saiu em 9 de junho de 2023 pela Blue Note Records. É seu segundo disco na gravadora. Foi produzido por Dave Cobb, de Nashville, que já trabalhou até com Lady Gaga (e contribuiu para a trilha da versão de A star is born na qual ela atua).
- A Vulture classificou Joy’All como o “álbum de Nashville” de Jenny – ela tem uma casa lá desde 2017. Mas o disco começou a ser feito em Los Angeles, pouco antes da pandemia, quando a cantora participou de uma espécie de clínica virtual de composição ministrada por um amigo e colaborador, Beck.
- O título do disco foi escolhido por trazer felicidade. “Acho que quando você coloca algo realmente alegre no título, tem um efeito diferente. Se eu tivesse chamado Chain of tears, seria outra coisa. Espero que as pessoas experimentem alguma alegria”, contou.
Venturosa se, talvez, observada de longe. E depressiva, com certeza, se observada de perto. É assim a vida em lugares brilhantes e/ou ensolarados, como Las Vegas, Los Angeles ou Rio de Janeiro: feliz para quem nasceu mais perto da fortuna, estranha e cheia de situações mal explicadas para quem até sabe o que é uma infância feliz, mas está acostumado a dar de cara com uma vidraça no fim do arco-íris. E triste para quem nasceu longe de qualquer privilégio.
Ex-atriz infantil, filha de mãe que tinha problemas sérios com drogas, mais próxima do lado amargo da existência do que do sucesso fácil, Jenny Lewis (que é de Las Vegas) costuma colocar em sua música o lado “estranho” da historinha acima. Já encarou a vida como estar eternamente deixando coisas pra trás – relacionamentos, lugares com lembranças doloridas, antigos trabalhos, “eus” antigos. Como acontecia em músicas do grupo que lançou sua carreira, o Rilo Kiley, uma banda que fazia rock triste de boa qualidade.
Já solo, Jenny sempre soou como um passo além disso, rock entre o indie country e o quase lo-fi, com letras que já enxergavam relacionamentos, traumas, problemas pessoais e águas passadas com um pouco mais de ironia. Como rola em seu quarto disco solo, Joy’All, um álbum feito pouco antes da pandemia, um tratado sobre relacionamentos bizarros, mágoas do passado, ciclos da vida e, mais do que qualquer outro disco dela, uma homenagem ao pop-rock norte-americano dos anos 1960/1970, com tendências a soar parecido com o Fleetwood Mac de Rumours em Psychos e Balcony, ou com The Mamas & The Papas na intro de Chain of tears.
Em meio a isso, a percussão-e-baixo da faixa-título, quase um encontro entre Joni Mitchell, Breeders e Marvelettes, e o bolerinho folk dylaniano Puppy and a truck, além de pelo menos dois folk-pop que cairiam bem no rádio, Giddy up (essa com ar brm r&b) e Apples and oranges. Faltou falar das letras, que encaram temas como relacionamentos pra lá de líquidos (“quão ruim você realmente quer isso?/quão duramente isso vai fazer você chorar?”, em Psychos), liberdade e amadurecimento aos 44 anos (“Eu não tenho filhos/eu não tenho raízes/eu sou uma órfã”, em Puppy and a truck) e amores que dão mais problemas do que felicidades (“se eu não perder a cabeça/vou acertar desta vez”, versos de Cherry baby).
Gravadora: Blue Note Records
Nota: 8
Foto: Reprodução do YouTube
Crítica
Ouvimos: Skunk Anansie – “The painful truth”

RESENHA: Skunk Anansie encara o caos, o etarismo e a dor em The painful truth, disco intenso que mistura punk, grunge, no wave e neo soul.
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“Uma artista é uma artista / e ela não para de ser uma artista / porque ela é velha, sabe? / ela não arregaça as mangas / pega seu porta-retratos e vai embora / larga a caneta e coloca o chapéu / por causa da menopausa (…) / uma artista é uma artista / até que a morte nos faça partir”.
Poucas letras atuais falam mais profundamente a respeito de questões vitais no dia a dia do showbusiness (etarismo, machismo, expectativas da crítica, do mercado e do público) do que An artist is an artist, punk-rap que abre The painful truth, disco novo do Skunk Anansie, destacando os vocais ágeis e carismáticos da vocalista Skin. Trata-se de uma banda britânica dos anos 1990, com som mais associável ao pós-grunge e ao metal alternativo, que sempre foi meio desgarrada em relação a seus pares britânicos – volta e meia era incluída num saco de gatos chamado britrock, em oposição à turma mais viável comercialmente do britpop.
Leia também:
- No nosso podcast, Oasis da pré-história ao começo da oasismania.
- Blur entre 1993 e 1997 na volta do nosso podcast.
- Ouvimos: Blur – Live at Wembley Stadium.
- O som de 1994: descubra agora!
Lançado após tempos difíceis nas internas do grupo (o baterista Mark Richardson recupera-se de um câncer. e o baixista Richard “Cass” Lewis está em quimioterapia), The painful truth, sétimo álbum do Skunk Anansie, traz a banda encarando na maior parte do tempo questões de vida ou morte. O repertório fala de autocontrole (This is not your life), dores pessoais (Shame, dos versos dolorosos “eu recebi o amor da minha mãe / eu recebi a dor do meu pai / eu recebi a culpa do meu irmão”), caos pessoal (Lost and found), altos e baixos (My greatest moment) e desespero (Meltdown, dos versos “agora que tudo se resume / a quem você reza e quão alto”).
Musicalmente, é um disco que reúne partículas de no wave, grunge e até neo soul, dependendo do momento. This is now your life soa como um Depeche Mode afrotecnopunk, Shame invade a pequena área do nu metal, Cheers insere peso no punk pop e até toques de dub invadem Shoulda been you – uma mistura com a qual os fãs do grupo já estão acostumados. O rock eletrônico sombrio dá conta de Animal e até mesmo algo próximo dos climas robóticos do krautrock surge misturado em alguns momentos do álbum.
Ainda que não seja um álbum brilhante como Stoosh (o segundo, de 1995), A painful truth é um atestado de sobrevivência. E um disco que, mesmo falando alto, é cercado de silêncios nos arranjos e nos vocais.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: FLG
Lançamento: 23 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: akaStefani e Elvi – “Acabou a humanidade”

RESENHA: akaStefani e Elvi misturam funk, krautrock, screamo e eletrônica em um disco caótico e divertido sobre o fim do mundo e o absurdo do cotidiano.
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O pessoal ligado à banda Duo Chipa não consegue ficar sem produzir coisas. akaStefani é Audria Lucas, integrante e produtora do grupo, e em Acabou a humanidade, ela se une a Elvi, produtor e músico de Santo André (SP), para fazer um som que, nos momentos mais calmos, parece uma mistura insana de funk, screamo, Faust e Kraftwerk. Já a ficha técnica entrega elementos de Ciccone Youth (projeto pop-anti-pop do Sonic Youth, que gravou um disco em 1988) e de Mutantes em meio aos ruídos, vocais e sons eletrônicos.
Faixas como Paga meu salário (“chefe arrombado / paga meu salário”) e Roda punk, repleta de barulhos e loops, têm ar de música infantil destruidora, enquanto Maquiagem, com voz distorcida e zoada, unem rock experimental e batidão de funk. A zoeira volta numa espécie de paródia da ítalo house, Cupido arrombado (“flechou o lugar errado!”) e na house music texturizada de Porque eu tento.
No final, loucura na versão videogame de Panis et circenses, com sample do original dos Mutantes (Pani no circo), e na brilhante Sortudos no fim do mundo, que lembra uma vinheta de rádio, ou uma cantiga de roda pervertida, com versos como “nós somos sortudos / vamos ver o fim do mundo / acabou a humanidade / virus, bomba e armamento / pandemia é só o começo do fim”. Você acaba rindo, nem que seja de nervoso.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 30 de maio de 2025
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Crítica
Ouvimos: Chime Oblivion – “Chime Oblivion”

RESENHA: Chime Oblivion estreia com supergrupo punk-experimental que mistura pós-punk, no wave, funk torto e maluquices à la Devo e Stooges.
Uma grande surpresa: o Chime Oblivion parece ter surgido do nada, soa como mais uma banda de moleques de 20 anos fanáticos por pós-punk e garage rock, mas é bem mais que isso. Trata-se de um supergrupo iniciado por dois veteranos, David Barbarossa (Adam & The Ants/Bow Wow Wow) e John Dwyer (Osees, The Oh Sees e outras nomenclaturas).
É também um grupo de três guitarras – Barbarossa, Dwyer e Weasel Walter, este dos barulhentos Flying Luttenbachers – que inclui ainda um sujeito tocando marimba (Tom Dolas, também do Osees), um saxofonista em clima free jazz punk (Brad Caulkins, da banda Bent Arcana) e vocais femininos charmosos e zoeiros em vibe punk (HL Nelly, do Naked Lights). Só gente acostumada com experimentações e maluquices de estúdio.
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No primeiro álbum, essa turma tem como principais emanações pós-punk na onda do Gang Of Four, punk a la Buzzcocks e no-wave. Entre vinhetas quase inaudíveis feitas com um sintetizador, evocam também X Ray Spex e Slits em Neighborhood dog, fazem pós-disco-rap-punk cru e ríspido (Kiss her or be her), pré-punk percussivo (The fiend, com um curioso batidão lembrando Nação Zumbi na abertura), funk torto (Heated horses), levam o idioma da no wave para os anos 1960 (The uninvited guest). Por aí.
Somando 15 faixas em menos de meia hora, o Chime Oblivion vai se tornando mais próximo de um pré-punk formal (formal?) conforme as faixas se sucedem – cabendo perversões via Devo e Stooges da batida de Bo Diddley em And again e The mythomaniac, punk garageiro e anfetamínico em Smoke ring e I’m not a mirror e sons tribais em Grass, Cold pulse e The catalogue – esta, depois, ganha cara dub. Uma música tão confortável que quase não parece ter sido feita para tirar o rock do conforto – mas foi, sim.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Deathgod Corp
Lançamento: 18 de abril de 2025.
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