Crítica
Ouvimos: International Music, “Endless rüttenscheid”

- Endless rüttenscheid é o terceiro álbum do International Music, trio de Essen, na Alemanha, fundado em 2015 por Peter Rubel (voz, guitarra, teclados), Pedro Goncalves Crescenti (voz, baixo) e Joel Roters (bateria).
- “Há músicas em que Peter e eu ensaiamos com um verso e um refrão, mas também há músicas que são criadas palavra por palavra e como um grupo de três. Depois sentamos no sofá e pensamos na letra. Não temos uma grande receita, mas é claro que muito vem da colaboração”, disse Pedro aqui sobre como o material do grupo é criado.
- Adivinha qual é uma das principais influências do International Music? “Uma banda que também ouvíamos muito era Os Mutantes, uma banda brasileira. Ficamos fascinados com a alegria deles em tocar e também com a facilidade com que eles gravaram coisas tão legais, às vezes estranhas. Para eles o sentimento está absolutamente acima de tudo”, contou Pedro.
Tem uma coisa meio irônica no som do International Music, que já lançou um álbum de mais de uma hora com audíveis elementos psicodélicos (Die besten jaire, de 2018) e agora volta com um disco mais simplificado, mas nem por isso menos viajante. A foto da capa lembra aquelas séries de “capas de discos mais bizarras do mundo”, que geralmente trazem integrantes ou excessivamente na estica ou totalmente largados – no caso, são dois sérios e um sorridente, o que já confere uma simpatia especial a esse Endless rüttenscheid.
No disco novo, o IM soa como uma revisão 2024 do som sessentista dos Kinks, do Who, ou do Pink Floyd da era Syd Barrett – só que tudo misturado com um design sonoro meio stoner, que surge no peso de algumas faixas, e no andamento pesado e meio marcial de faixas como Fehler e Kraut. Guter ort soa como se o ex-líder do Floyd descobrisse a eletrônica e os sons dançantes como moldura para contação de histórias (no caso, uma história que fala em faíscas brilhantes, areia de planetas rochosos, purê de maçã e amores que se vão, em meio a efeitos sonoros e fortes linhas de baixo). Mont St Michel, acústica e soando como uma canção marítima, insere um clima de nostalgia no álbum. Se você ouvir o disco e achar algo parecido com Júpiter Maçã, tá certo – resta saber se os alemães escutaram mesmo o som do gaúcho. Mas já se sabe que são fãs de Mutantes, o que já diz muito.
Um tom meditativo, oscilando entre os anos 1960 e o pós-punk, surge na bela Karma karma. Kieselwege trabalha na confluência entre psicodelia, folk e rock progressivo, funcionando como uma minissuíte. A faixa-título e Lass is ziehn são peças de lisergia sombria, lembrando The Doors e Velvet Underground – sendo que a segunda vai ganhando uma cara bem diferente no decorrer da faixa, com peso próximo do começo do metal, e ruídos de guitarra no encerramento. O pré-punk International heat vem como uma música rápida cujo ritmo se desconstroi aos poucos. Im sommer bin ich dein könig é quase um britpop de alemão. E o lado pós-punk da banda aparece misturado com tons sixties em Liebesformular. Uma grande surpresa.
Nota: 8
Gravadora: Timeless Music
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Crítica
Ouvimos: Hotline TNT – “Raspberry moon”

RESENHA: Em Raspberry moon, o Hotline TNT acerta ao misturar noise, power pop esquisito e guitarras noventistas com letras simples e clima quase emo.
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Rotular a banda novaiorquina Hotline TNT como shoegaze é dar bem pouca areia para o caminhão deles. O grupo liderado por Will Anderson está mais para aquela época em que se sabia que rock, via de regra, tinha que ser ruidoso – seja lá em que gênero ele se adequasse. Raspberry moon, terceiro disco do grupo, guia o timão para os tempos de Hüsker Dü, Sugar, Velocity Girl, Dinosaur Jr e põe os rangidos e as paredes de guitarra para funcionar a favor da melodia.
Raspberry moon traz Will num clima diferente: em vez de compor e tocar sozinho, como aconteceu nos discos anteriores, ele pôs a galera que o acompanha nos shows para criar o disco ao lado dele. Boa parte do repertório soa mais próximo, de fato, do que pode ser entendido como um “disco de banda”, com dinamismo mais acentuado, e variando entre ruído e melodia. Was I wrong?, na abertura, é noise rock educado e alimentado como uma dieta de rock dos anos 1960. The scene é quase um haikai ruidoso e voltado pata a musicalidade pesada dos anos 1990. A ligeiramente funkeada Julia’s war tem cara de hit e chega a lembrar aquelas bandas mais palataveis que usavam a fórmula do grunge (Third Eye Blind, etc).
- Ouvimos: Dinosaur Jr – Farm (15th anniversary edition)
- Ouvimos: Velocity Girl – UltraCopacetic (Copacetic remixed and expanded)
- The living end: lembranças do Hüsker Dü ao vivo, em CD lançado em 1994
- Entrevista: Greg Norton (Hüsker Dü, Porcupine) exclusivo para o Pop Fantasma
Isto posto, dá pra dizer que o Hotline TNT se aproximou bastante do power pop no disco novo – aliás num papo com a newsletter Last Donut Of The Night, Will disse que, quando mais novo, ouvia bandas como Weezer e Red Hot Chili Peppers. Mas é um power pop esquisito, no qual cabem loucuras vaporwave (Transition lens), um clima que remete tanto a Joy Division quanto ao soft rock (Break right e Candles) e um pós-grunge como talvez ele devesse ser hoje em dia (Letter to heaven).
Aclimatações jangle-pop tomam conta de Dance the night away, e ruídos acústicos rangem nos violões ardidos de Lawnmover – enquanto uma nuvem sonora mais próxima do shoegaze que costuma ser associado à banda aparece na última faixa, Where U been?. Já as letras valorizam a simplicidade, ou o desejo de ser entendido (e sentido) em poucas frases. Há mensagens de adeus em Was I wrong? e Letter to heaven, um curioso conto de escalada em Julia’s war, e inseguranças amorosas em várias faixas, num clima praticamente emo – como o “se você realmente me amasse / faria uma cena de ciúmes / visibilidade / e todos veriam” da amarga The scene.
Talvez esse prazer por mostrar o lado mais imaturo da vida corte um pouco da boa experiência de ouvir o Hotline TNT. Mas Raspberry moon faz bem aos ouvidos quase todo o tempo.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Third Man Records
Lançamento 20 de junho de 2025.
Crítica
Ouvimos: Getdown Services – “Primordial slot machine”

RESENHA: Em Primordial slot machine, o Getdown Services mistura pós-punk, soul e krautrock com humor ácido e melodias tortas, em faixas caóticas e cativantes.
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Dupla de Bristol, na Inglaterra, o Getdown Services parece um cruzamento de Prince, Beck e John Lydon – ou seja: balanço, estranhice e zoeira marcam o repertório da dupla formada por Josh Law e Ben Sadler.
Primordial slot machine, terceiro EP dos dois (eles têm ainda um álbum, Crisps, de 2023) abre com o pós-punk desértico de Provide me your name, música na qual rola uma conversa telefônica das mais esquisitas. E em seguida vem Chrysalis, soul-rock-pop com piano Rhodes, guitarra sinuosa e vocal falado – a letra basicamente fala sobre situações estressantes resolvidas de maneira imbecil (“vou formar uma crisálida perfeita / e enchê-la de mijo”, explicam/não explicam na letra).
- Ouvimos: The Wants – Bastard
- Ouvimos: Godofredo – Tutorial
- Ouvimos: Unknown Mortal Orchestra – Curse (EP)
Ben e Josh investem num eletrokrautrock ruidoso em James Bay’s hat e Eat quiche. Sleep. Repeat, duas músicas cujas letras parecem uma mistura da inocência falsa de David Byrne com o humor corrosivo de Mike Patton (“eu encontrei o maior amor do mundo / no menor meet and greet do mundo / dei uma crítica de duas estrelas de um filme que eu nem tinha visto”, afirmam na segunda). God bless é um rap que parece ter sido construído num sample – ou numa imitação – da levada de Rational culture, de Tim Maia.
A música mais “normal” do disco, Drifting away, vem no fim, e fala sobre vontade de desaparecer (“sou corajoso, mas não corajoso o suficiente para ficar / indo embora”) sob uma base de rock indie e sessentista, com vocal grave lembrando Lou Reed. Para ouvir quando a amargura desses dois não conseguir te contagiar.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Breakfast Records
Lançamento: 6 de junho de 2025.
Crítica
Ouvimos: Vovô Bebê – “Bad english”

RESENHA: Quarto disco de Vovô Bebê, Bad english mistura Bowie, Jovem Guarda, baião e soul em um pop experimental cheio de referências e surpresas.
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Quando começaram a surgir as notícias sobre Bad english, quarto álbum de Vovô Bebê – codinome do músico Pedro Dias Carneiro – nomes como David Bowie eram bastante citados em textos que adiantavam o disco. Bowie paira como uma espécie de santo padroeiro sobre Bad english, disco produzido por Chico Neves e dirigido artisticamente por Ana Frango Elétrico – e a capa parece referir-se a uma versão torta de Blackstar (2016), seu disco de despedida.
E justamente o Bowie que baixou no estúdio em que Vovô Bebê gravou foi a versão mais aventureira e experimental do britânico – a da fase Berlim e a dos discos que ele fez nos anos 1990, incompreensíveis para vários fãs antigos, e revistos anos depois por vários deles. Não é só isso: o despojamento dos discos de Gilberto Gil e Caetano Veloso feitos em Londres, e até o balanço dos Red Hot Chili Peppers, além do desdobre psicodélico da Jovem Guarda (Incríveis, Silvinha, Vanusa)… Tudo isso é citado em faixas como Intro/End of the moon, Forest baby (essa, em tom bossa + rock + soul + Bowie), a contemplativa e sinuosa Little sun, a espacial Night away e a beatle-tropicalista Offbook effort.
Bad english une Beck e disco music saturada em Star smoke ticket, põe algo de glam rock na mistura em Wrong ticket, e junta baião, afoxé, jazz e lisergia em Brazil commodity e Left for dead. O soul indie Daily basis slide guitars, voz tranquila e um balanço que remete tanto a Marcos Valle quanto a Titãs. Tem experimentalismo, e muito, em Bad english – mas ele surge como um elemento a mais nas canções e arranjos.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Estúdio304
Lançamento: 23 de abril de 2025.
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