Crítica
Ouvimos: Idles, “Tangk”

- Tangk é o quinto disco da banda britânica Idles, formada por Joe Talbot (voz), Mark Bowen (guitarra, programações, backing vocals), Lee Kiernan (guitarra base, backing vocals), Adam Devonshire (baixo, backing vocals) e Jon Beavis (bateria, backing vocals).
- O disco teve três produtores: o próprio guitarrista Mark Bowen, o DJ e produtor Kenny Beats e o produtor-chave do Radiohead, Nigel Godrich. No caso de Nigel, a banda chegou a pensar que não conseguiria compor nada que deixasse o produtor satisfeito, mas encararam. “Aprendemos que nada é tão difícil de alcançar se você trabalhar muito”, contou Bowen.
- O nome Tangk é definido pela banda como “um símbolo de viver no amor”, mas de fato, é uma onomatopeia para o som das guitarras dos Idles.
Nos anos 1990, quando a fartura de bandas novas chegava a desnortear, não havia streaming (desnecessário explicar isso para quem viveu a época, evidente). Se você fosse um reles mortal, conseguia comprar no máximo uns dois, três CDs por mês. Como efeito direto disso, tornava-se viciado(a) em discos de bandas que, em vários casos, nem eram tão geniais. Mas tinham pelo menos cinco faixas muito boas num disco, o que dava vontade até mesmo de ouvir (e perdoar) as faixas menos boas do álbum.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
O conceito de “disco ruim” ou “disco mais ou menos” era bem diferente numa época em que havia menos acesso a lançamentos. Mas ele me faz lembrar imediatamente de bandas como os Idles: o tipo de banda cujos álbuns nem sempre reúnem músicas tão legais assim, e cujo aproveitamento, na era do CD, seria bem mais evidente. O grupo britânico funciona até mais como ideia do que como música, propriamente: guitarras com timbre entre o brutal e o robótico, ritmo entre a brutalidade hardcore e a frieza do pós-punk, vocais gritalhões, letras variando do protesto à pura molecagem, com boas sacadas. O efeito “já ouvi isso antes” traz boas referências: muita coisa aponta para Wire, Public Image Ltd, Rage Against The Machine, Can e bandas de pós-hardcore.
Tangk, o novo disco, aumenta vários pontos na história dos Idles: a diversificação que já havia nos bons Ultra mono (2020) e Crawler (2021) tem mais espaço, e a banda apresenta seu disco mais bem resolvido em termos de composição e produção. É um dos discos mais melódicos da banda, e o álbum que mais herdou sonoridades da transição entre o glam e o punk.
Não por acaso, o álbum abre com piano, efeitos de guitarra e clima dream pop, em IDEA 01. E encerra com mais efeitos, além de sons tirados num saxofone, em Monolith. Recordações de Roxy Music e dos discos solo de Brian Eno vêm à mente – e, a propósito, Electric warrior, clássico do T Rex, tinha uma música chamada Monolith e encerrava com o sax viajante de Rip off.
Principalmente, Tangk é o disco no qual o clima revoltado dos anteriores ganha certa direção, dada pela new wave, pelo pop francês e pela surf music (no hit Dancer, destaque de single e de clipe) e pela verdadeira dança da guerra que são músicas como Gift horse, POP POP POP, Gratitude e a punk Hall & Oates (com riff chupado dos Kinks). Já Roy vem em clima tribal e tranquilo. O que pode fazer os fãs da antiga estranharem o novo disco é o tom meio Coldplay do dream pop de piano A gospel.
A cara dos Idles, uma banda com muita personalidade, vem modificada em Tangk, que até agora traz a melhor resolução entre expectativa e realidade da história do grupo. Bandas que desafiam a si próprias, muitas vezes desafiam os próprios fãs. Mas já era um desafio que estava surgindo em discos anteriores.
Nota: 8
Gravadora: Partisan
Foto: Reprodução da capa do álbum
Crítica
Ouvimos: Chloe Slater, “Love me, please”

- Love me, please, é o segundo EP da cantora inglesa Chloe Slater. O primeiro EP, You can’t put a price on fun, saiu ano passado (e foi resenhado pela gente aqui).
- “Acho que muitas pessoas acham que sou controversa ou algo assim, mas meu ponto de vista é que todos merecem ser amados, ter direitos e existir no mundo. Acho que essa é uma crença bem básica de direitos humanos, mas muitas pessoas discordam”, disse recentemente à New Musical Express, quando foi capa da publicação.
- Recentemente, Chloe chamou a atenção a ponto de pular dos pequenos shows em Manchester (onde ela nasceu) para o status de ato de abertura do Kings Of Leon em uma arena em Colônia, e para tocar no palco BBC Introducing de Glastonbury (foi sua primeira experiência em um festival, aliás).
O momento é de Chloe Slater, e nada parece capaz de deter isso. Já perfilada em duas extensas reportagens do New Musical Express — a mais recente, inclusive, como matéria de capa —, a artista volta com Love me, please, um EP mais direto e afiado do que You can’t put a price on fun, sua estreia no ano passado.
A música de Chloe transita por um rock acessível e imediato, especialmente para as novas gerações. Ecos de Paramore e Wet Leg surgem aqui e ali, mas, desta vez, até um primo mais comercial do Sonic Youth dá as caras. É o caso de Sucker, um pós-punk debochado de vocais quase falados, onde ela mira neofascistas e adoradores de Trump e similares: “Não serei uma otária pelo sonho americano/não mentirei para fazer você ficar/e se eu conseguir, então não vou endireitar meus dentes (…)/como é saber que seus milhões podem alimentar uma tonelada?”.
Como o próprio título sugere, Love me, please também cutuca a indústria da fama e a maneira como alguns artistas são lançados. Em Tiny screens, um cruzamento entre Blondie, Paramore e uma estética ruidosa, Chloe descarta o mundo de algoritmos, celebridades vazias e estrelas fabricadas. Já Fig tree molda a servidão ao patriarcado na indústria da música, sobre uma base que flutua entre o pós-punk e o pós-grunge.
We’re not the same injeta micropontos de metal no indie rock enquanto a letra ironiza artistas sem cultura e sem informação: “Ah, então você gosta de Tarantino?/Eu nunca assisti a esse filme/Como é que se chama mesmo?/A garota com o sangramento nasal na parede do seu quarto”. No desfecho do EP, o quase dream pop de Imposter aborda a insegurança da síndrome do impostor — aquele medo silencioso que muitos escondem. Love me, please consolida Chloe Slater como uma voz afiada e impossível de ignorar.
Nota: 9
Gravadora: Stoler Juice/AWAL
Lançamento: 4 de fevereiro de 2025
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
Crítica
Ouvimos: Circa Waves, “Death & love, pt.1”

- Death & love, pt.1 é o sexto álbum da banda britânica Circa Waves. O grupo é formado por Kieran Shudall (voz e guitarra), Joe Falconer (guitarra solo, piano, backings), Sam Rourke (baixo, teclados, backing vocals) e Colin Jones (bateria).
- “Os problemas que eu tinha com meu coração mudaram completamente minha perspectiva de vida… abalou meu mundo e o mundo da minha família, é claro. Eu fui de pensar merda, vou morrer, para encontrar o que eu descreveria como uma nova chance de vida. Eu ainda não consigo superar o quão sortudo eu sou de ainda estar aqui”, disse Kieran ao site Boot Music.
Poderia ter sido o melhor disco do Circa Waves, mas a banda não colaborou lá muito. Marcado pelos problemas pessoais do vocalista Kieran Shudall – que fez uma operação cardíaca em 2023 e ficou entre a vida e a morte – Death & love pt. 1 é aquele típico disco legalzinho, que não compromete tanto, mas que poderia ter saído bem melhor. O Circa Waves volta “lembrando” uma série de grupos, mas sem conseguir usar uma cola própria para unir tantas referências e “recados” que pulam de uma faixa para a outra.
Vá lá que o disco abre com uma faixa boa: American dream abre em clima Pixies, com base seca de guitarra, e vai ganhando uma base mais próxima do indie rock dos anos 2000 – já a letra, feita provavelmente bem antes dos Estados Unidos embarcarem sem disfarce na escrotidão política, reflete a chegada de um jovem inglês a Nova York, com versos como “então eu caminho pelo Central Park/tentando encontrar meus pés, mas a rua ficou escura/e eu vi coisas que você nunca viu/oh, eu sou um garoto inglês com um sonho americano”, sem sombra de ironia. Like you did before traz Kieran botando em melodia os pensamentos da internação (“neste quarto escuro, estou subjugado/estou confuso, clamando por ajuda”) numa música que parece uma mescla de Harry Styles e Strokes – mas parece com canções pouco inspiradas de ambos, vale dizer.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
We made it caminha por um terreno perigoso: soa como uma mescla do indie rock norte-americano dos anos 2000 com a época em que bandas como Snow Patrol e Coldplay eram boas. Um certo tom dramático no estilo das bandas emo chega perto do grupo em Le Bateau, e um clima meio batido de rock de pista toma conta de Everything changed, cuja letra é relato bem fiel das mudanças na vida do vocalista (“eu sei que você queria que as coisas permanecessem as mesmas/bem, querida, tudo mudou, tudo mudou”). A bacaninha Hold it steady reza na cartilha do pop adulto oitentista.
No entanto, é no final do disco que se encontra uma faixa que deveria servir de modelo para o Circa Waves: Bad guys always wins tem lá seus cruzamentos com o som do The Jam, com um tom bittersweet no fim. A letra mistura dores de corno e recomeços (“e às vezes é difícil quando você se sente excluído/e você acha que pode ser deixado para trás/apenas prenda a respiração e vá devagar/linha por linha”). Vale louvar a capacidade do Circa Waves de explorar coisas diferentes, mas é para aguardar a parte 2 desse disco (sim, tem uma parte 2) na esperança de inspirações melhores.
Nota: 6,5
Gravadora: Lower Third/PIAS
Lançamento: 31 de janeiro de 2025
Crítica
Ouvimos: FACS, “Wish defense”

- Wish defense é o sexto álbum da banda norte-americana FACS. Acabou sendo o último disco produzido por Steve Albini. O engenheiro de som Sanford Parker pegou o trabalho depois que ele morreu.
- Hoje na formação do grupo estão Brian Case (guitarra, voz, teclados), Noah Leger (bateria e percussão) e Jonathan Van Herik (baixo, violão e baixo de seis cordas). Jonathan, que era um integrante original do grupo, voltou após a saída da baixista Alianna Kalaba.
- “Todo esse álbum é sobre a ideia de um duplo, ou um doppelgänger. Como você se apresenta e quem você realmente é. Eu li Doppelgänger: A trip into the mirror world, de Naomi Klein, e fiquei fascinado por como o deslizamento para o mundo digital cria espaço suficiente entre fatos/realidade para que as pessoas parem de ser críticas, apesar das evidências em contrário, e apenas aceitem o que está na tela”, contou Case ao site Birthday Cake Breakfast.
Wish defense, sexto álbum do FACS, trio ruidoso de Chicago, foi feito para gerar tensão — aquele tipo de som que mantém os instintos aguçados, à espera de uma explosão que pode ou não acontecer. Para começar, o disco foi produzido por um mestre nessa arte: Steve Albini, que “gravou” a banda durante dois dias em seu estúdio. O resultado acabou sendo o último álbum produzido por ele (morto em maio do ano passado). E, ouvido em perspectiva, soa como um testamento das habilidades de Albini na captação de bandas ao vivo. As guitarras e os pratos da bateria, por vezes, parecem até suar frio.
Poeticamente, todas as faixas exploram a ideia do duplo — “como você se apresenta e quem você realmente é”, diz o guitarrista e vocalista Brian Case. Musicalmente, Wish defense dialoga com referências como Killing Joke, Public Image Ltd e Wire. As experimentações rítmicas lembram as obsessões de John Lydon na época de Metal box (1979, segundo disco do Public Image), enquanto os vocais blasés e ríspidos ecoam tanto Lydon quanto Jaz Coleman (KJ). Já o clima cáustico dos arranjos remete à primeira fase do Wire.
O baixo pulsante e as guitarras estridentes de Talking haunted chamam atenção logo de cara. Ordinary voices surpreende com um clima samba-hard, onde bateria e chocalho se entrelaçam. O math rock aparece nas quebradiças Wish defense e Desire path — esta última com um quê de Fugazi. O trio chega perto de um samba-jazz do demônio em A room e equilibra peso e beleza na ótima Sometimes only, que gira em torno de um riff circular e uma batida hipnótica. No final, um tom mais “normal” de pós-punk surge em You future, sustentado por um riff de guitarra que constrói a melodia. Um disco feito de sombras e choques.
Nota: 8,5
Gravadora: Trouble In Mind
Lançamento: 7 de fevereiro de 2025
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
-
Cultura Pop4 anos ago
Lendas urbanas históricas 8: Setealém
-
Cultura Pop4 anos ago
Lendas urbanas históricas 2: Teletubbies
-
Notícias7 anos ago
Saiba como foi a Feira da Foda, em Portugal
-
Cinema7 anos ago
Will Reeve: o filho de Christopher Reeve é o super-herói de muita gente
-
Videos7 anos ago
Um médico tá ensinando como rejuvenescer dez anos
-
Cultura Pop8 anos ago
Barra pesada: treze fatos sobre Sid Vicious
-
Cultura Pop6 anos ago
Aquela vez em que Wagner Montes sofreu um acidente de triciclo e ganhou homenagem
-
Cultura Pop7 anos ago
Fórum da Ele Ela: afinal aquilo era verdade ou mentira?