Crítica
Ouvimos: Floating Points, “Cascade”

- Cascade é o terceiro álbum de estúdio do Floating Points, pseudônimo usado pelo DJ e produtor britânico Sam Shepherd. Ele define o novo disco como um prosseguimento do trabalho em Crush (2019), o álbum anterior, que tinha também uma capa colorida.
- O álbum foi criado por Sam não em seu estúdio particular, mas usando um laptop e fones de ouvido. Recordações de Manchester, onde ele cresceu, estão no álbum. “E acho que isso tem a ver em parte com as lojas de discos da cidade. Quando criança, minha escola ficava na esquina do Northern Quarter, então, na hora do almoço, eu saía correndo dos portões da escola e pulava o almoço para ir ouvir discos. Tenho certeza de que eu era um pé no saco tirando discos das prateleiras o tempo todo”, recorda.
- Key103, uma das faixas do disco, inclusive, homenageia “uma estação de rádio underground de Manchester que eu ouvia religiosamente”.
Sam Shepherd, criador do Floating Points, é um cara eclético musicalmente – o que significa que ele tem uma vida dupla como músico de jazz (usando seu próprio nome) e como DJ e produtor de música eletrônica. E ainda compõe uma trilha sonora aqui, outra ali de vez em quando. Se Waves, disco novo de Jamie Xx, vira chiclete de ouvido por unir ganchos bacanas e memórias doces à eletrônica, Cascade já é algo mais complexo de ouvir.
O Floating Points retorna com um disco denso, extenso e que pode ser classificado como “disco de produtor”, com a mesma disposição para experimentar texturas sonoras que surge, por exemplo, no disco póstumo e epônimo da DJ e produtora Sophie. Agora, Sam, mesmo soando dançante a maior parte do tempo, mexe basicamente com imagens abstratas – ao passo que Sophie consegue levar quem ouve o disco aos lugares para os quais ela provavelmente queria levar todo mundo. O que faz de Cascade um disco para acompanhar viagens pessoais, na pista ou fora dela, num clima às vezes tão psicodélico quanto o dessa capa aí.
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Vocoder (Club mix), logo na abertura, une beats, efeitos, sons de voz humana transformados em máquina, e discretos drones sintetizados que vão hipnotizando o ouvinte, como naquele barulho que surge quando você liga uma TV de tubo. Key103 segue na mesma onda, e vai crescendo como módulo dançante, combinando teclados em profusão e sons que lembram videogames. Birth4000 hipnotiza e surge associada aos batidões intermitentes e sintetizados do hi-NRG – o mesmo acontecendo com a bela Fast forward, pouco depois. Del Oro é quase um lounge, agitado e discreto.
O disco começa a ganhar outros aspectos quando Ocotillo surge, mais decorativa e desértica que o restante do disco – aliás, tão desértica quanto as paisagens na Califórnia e do Texas em que a planta do título da faixa (conhecida também como “coral do deserto”) costuma brotar. Affecks Palace e Tilt shift vão num esquema tão acelerado que chega a dar vertigem, como numa trilha sonora para um dia de burnout.
É até curioso que justamente depois desse clima vertiginoso, Sam tenha escolhido fechar o disco com Ablaze, basicamente formada por sons de teclado que vão desaparecendo até o silêncio total. Uma faixa conceitualmente auto-explicativa (ablaze significa “em chamas”), mas que parece meio inútil no álbum, vale dizer. E que dá a impressão de que, em Cascade, sobra conceito, mas nem sempre a musicalidade acompanha. De qualquer forma, vale conferir.
Nota: 7
Gravadora: Ninja Tune
Crítica
Ouvimos: Peter Doherty – “Felt better alive”

RESENHA: Peter Doherty renasce no country rock em Felt better alive, disco de histórias rurais, faroeste psicodélico e gratidão pós-caos.
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Peter Doherty, o líder dos Libertines, é o sobrevivente mais jovem do rock. Enganou a morte por uma gota – e estamos falando de uma pessoa que costumava se divertir com ninguém menos que Amy Winehouse, e que no meio de uma rebordosa de drogas, simplesmente resolveu assaltar o apartamento de seu colega de banda Carl Barat.
Felt better alive, seu quinto disco solo, traz o som de alguém que se sente grato e feliz por ter conseguido escapar do pior – mas que se divertiu muito enquanto curtia os frutos proibidos da vida. Peter escolheu o country, estilo musical eternamente associado a contadores errantes de histórias, para balizar o disco – e o repertório associa-se também a seu atual estado de morador da área rural da Normandia, pai de três filhos (Billie Mae, a mais nova, é homenageada na doce e suingada Pot of gold, com emanações tanto de Bob Dylan quanto de Red Hot Chili Peppers), socialista, limpo e livre de vícios ilegais desde 2019.
- Fizemos resenha do disco mais recente dos Libertines, All quiet on the eastern esplanade.
Felt better alive é um disco, na real, de country rock, com cordas que dão um ar bonito e triste a faixas como Calvados, Out of tune balloon (na cola tanto de Bob Dylan quanto de Tom Waits) e a música-título (que tem uma baita cara de música de faroeste). A nata da malandragem ganha homenagem em Poca Mahoney’s, uma curiosa mistura de canção francesa com tema punk – que vira um curioso hardcore no fim.
Por sinal, sons do país onde Doherty está atualmente morando dão as caras também em Stade océan, quase um blend de Serge Gainsbourg e os álbuns solo de John Frusciante, e o faroeste não-estadunidense de Prêtre de la mer. E até David Bowie é convocado como referência em Fingee, som estiloso, acústico, blueseiro, com cara sonhadora e levemente psicodélica. Um disco de música e histórias, onde Peter arrisca-se a se tornar um menestrel punk-country, a seu estilo.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Strap
Lançamento: 16 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: TVOD – “Party time”

RESENHA: TVOD mistura punk e pós-punk em Party time, disco barulhento e introspectivo sobre solidão, abuso e amores fracassados.
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O título Party time pode parecer convite para uma festa insana, mas o terceiro disco da banda nova-iorquina TVOD (“television overdose”) vai além do porre coletivo. Punk e pós-punk de boas guitarras, com clima espacial e um synth apitando para avisar que a festa ali é para quem dança na pista, mas também viaja sozinho pelos cantos.
Os temas abordados nas letras também estão bem longe do clima “festeiro”: quase sempre, Party time fala de abusos, acidentes, amores cagados, morte, solidão – embora a faixa-título fale de uma festa bêbada e nudista que vai até altas horas. De modo geral, Party time é um disco introspectivo com coração barulhento – como se a Gang of Four encontrasse os Buzzcocks numa pista meio vazia, cheia de luzes piscando.
Uniform abre os trabalhos com um riff bêbado de sintetizador. Já Car wreck surfa em guitarras com wah-wah e clima voador, com algo de Syd Barrett. Pool house cruza The Cars e Pixies no meio do caminho entre o punk e o pop sombrio. Em Empty boy, o som cresce em camadas psicodélicas, enquanto Super spy chega a lembrar o U2 em começo de carreira – só que ganhando vocais falados na cola do Sonic Youth. A viagem continua com Mud, que parece o B-52’s em órbita. Wells fargo mistura o cima ríspido e nervoso do The Fall com viradas sessentistas, sons rangendo e clima de garagem. Alcohol desacelera num clima sombrio que remete à fase atual dos Pixies.
No mais, Take it all away traz guitarra econômica e eficaz. Bend ganha batida quase cigana no início, e conclui levando a argamassa sonora dos Pixies para o espaço. E no final, tem a faixa-título, com clima herdado de The Cars, um theremin possuído, guitarras ruidosas e vocais falados lembrando Talking Heads. Um disco coeso, sujo e sentimental.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Mothland
Lançamento: 9 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: Cristian Dujmović, “Atisbo” (EP)

RESENHA: Cristian Dujmović mistura pós-punk, bossa e MPB setentista no inventivo EP Atisbo.
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Cantor e compositor formado entre os sons da Argentina e da Espanha, Cristian Dujmović herdou muito da magia do rock argentino na construção de melodias e arranjos, voltando-se para um som ligado ao pós-punk e para algumas doses de experimentalismo musical.
Segundo lançamento após o álbum Desde acá (resenhado aqui), o EP Atisbo abre com as inseguranças e ansiedades de Shock, repleta de riffs simples e bem bolados, de climas entre o luminoso e o sombrio, e apresentando algo de bossa nova na melodia. A mesma vibe, por sinal, surge no jogo de acordes da sinuosa Sin cuerpo.
Já a bela Animal tem algo de rock gaúcho (Nenhum de Nós, Cidadão Quem), e simultaneamente, uma musicalidade que une anos 1990 e 1980. No final, a abolerada Destello ganha uma cara musical próxima da MPB setentista (Beto Guedes, Flávio Venturini), e Quemar tem tom ambient na abertura, emendando com um pós-punk vigoroso e levado adiante por baixo e bateria bem marcados.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Independente
Lançamento: 8 de maio de 2025.
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