Crítica
Ouvimos: FBC, “O amor, o perdão e a tecnologia irão nos levar para outro planeta”

- O amor, o perdão e a tecnologia irão nos levar para outro planeta é o quinto disco do rapper e cantor mineiro FBC. O álbum teve produção assinada pela dupla Pedro Senna e Ugo Ludovico.
- O disco veio de um mergulho na dance music, e foi surgindo antes do sucesso Baile, disco de 2021 dividido por ele e Vhoor, e que explorava o Miami bass. Em 2020, quando fez uma viagem pela Europa, começou a pensar no disco. “Fiquei atento nas playlists de dance music e automaticamente a inspiração veio. Com a ajuda de Pedro Senna e Ugo Ludovico, todos esses elementos que tive acesso foram sendo transmitidos para o meu som”, conta no release.
- O álbum tem participações dos rappers Don L, NiLL e Abbot, além de trazer um coral composto por Aline Magalhães, Sàvio Faschét, Iolanda Souza, Sarah Reis e Fernanda Valadares. Químico amor e Madrugada maldita já ganharam clipes.
Faltava uma viagem musical-espacial dessa estirpe na música pop brasileira. Não apenas pelo storytelling interestelar que une as faixas desse O amor, o perdão e a tecnologia…, mas pelo somatório de referências e climas do álbum, pelo estilo mensagem-na-garrafa das vinhetas e de algumas letras do disco, e pela homenagem nada disfarçada de FBC ao pop da dupla Lincoln Olivetti-Robson Jorge que surge em algumas faixas.
Concebido originalmente como um disco influenciado por variações em torno da dance music, o quinto disco de FBC estabelece uma linha dançante do tempo que começa numa noite perdida no antigo Programa Carlos Imperial, e vai até a house music dos anos 1980/1990 – sem deixar de mandar recados para a nova onda do trap, para o hip hop e (bastante) para a psicodelia, que permeia tudo.
Indo lá atrás, não tem como não pensar em Tim Maia ao ouvir a pregação dançante de O que te faz ir pra outro planeta?. Canções como Estante de livros (repleta de rimas com referências literárias) e Madrugada maldita honram o estilo bate-papo estabelecido em músicas de Hyldon, Cassiano e Jorge Ben. Químico amor, com refrão lembrando Physical, sucesso de Olivia Newton-John, poderia estar num single produzido por Mister Sam em 1981. Mas fica claro que o quinto disco de FBC só poderia ter sido feito por alguém que não passou imune pelo pop dançante feito dos anos 1980 para cá, cabendo aí o tom solar de Não me ligue nunca mais, o trap de Aham, o pós-disco anos 2000 de Desculpa e Dilema das redes.
Em termos de letras, O amor, o perdão e a tecnologia… é basicamente um disco conceitual sem muitos limites, tratando basicamente de relacionamentos, bodes, cancelamentos e problemas ligados ao uso social da tecnologia. Muita gente vai se reconhecer (ou reconhecer outras pessoas) nos dilemas de quem aproveita a madrugada para queimar o próprio filme na internet, de quem abusa do amor como se fosse uma substância perigosa (ou ama perder os limites nos estupefacientes), sai da linha no ensimesmamento, ou precisa assumir os próprios erros. Para dar uma ideia mais clara do discurso de FBC, duas vinhetas funcionam como balizadores (ou quase como orações) no disco, O limite comum e O nosso grande papel.
Gravadora: Do Padrim
Nota: 9
Foto: Reprodução da capa do disco
Crítica
Ouvimos: FBC – “Assaltos & batidas”

RESENHA: Em Assaltos & batidas, FBC revisita o boombap com peso político e samples clássicos, criando um retrato urbano e combativo do rap mineiro.
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Rapper, cantor e produtor mineiro, FBC tem uma discografia variada, que vai do mergulho no funk em Baile (feito com Vhoor, 2019) à house music e ao boogie, explorados no magistral O amor, o perdão e a tecnologia irão nos levar para outro planeta (2023, resenhamos aqui). Sem esquecer o rap de ouvidos abertos de S.C.A. (2018) – disco cuja capa parodia a arte de INRI, estreia do grupo mineiro de black metal Sarcófago (1987).
O novo Assaltos & batidas tem papel parecido com o de MPC (Música Popular Carioca), álbum de funk do produtor Papatinho. É um álbum colaborativo, que vai na história do rap brasileiro ao abordar um design musical diretamente relacionado ao som ouvido pelos fãs do estilo no fim dos anos 1980 e começo dos 1990. Segue o ritmo do boombap (bumbo-e-caixa) em praticamente todas as faixas, abrindo com o jazz-hip hop de Cabana terminal, que logo ganha beats e refrão em coral. Prossegue com as linhas vocais fortes de Quem sabe onde está Jimmy Hoffa?, com o “la-ra-ra” zoeiro de Qual o som da sua arma?, com o clima anima-plateias de A voz da revolução, a vibe sombria de Roubo a banco, e por aí vai.
O som de Assaltos & batidas relaciona-se bastante com o começo de Pavilhão 9 e Racionais MCs – não por acaso, há samples do clássico Sobrevivendo no inferno (1997), destes últimos. Leva também um pouco do idioma de grupos como N.W.A. para o rap mineiro, e juntando isso tudo, torna-se um manual sonoro de vida nas ruas e de revolução. O Jimmy Hoffa de Quem sabe… dá calote em traficantes e sua família é que sofre. A voz de revolução, entre samples de jazz, batidas e refrãos de guerra, irradia a luta contra o capitalismo e a ditadura militar.
Você pra mim é lucro traz a foice e o martelo para o rap, com sample da Internacional comunista, e versos como “a jornada seis por um é mortal / mais que qualquer outro distúrbio mental”. E um dos trechos mais significativos do filme Rede de intrigas, de Sidney Lumet, surge na bizarra (no bom sentido) A cosmologia corporativista do senhor Arthur Jansen, que encerra o álbum. Além disso, um pouco do começo do Planet Hemp também aparece em faixas como Estamos te vendo – que lembra os vocais sacanas de BNegão e fala sobre o proceder na vida cruel em tempos modernos.
(sem falar na capa em HQ que mistura símbolos da guerrilha: o Minimanual do Guerrilheiro Urbano de Carlos Marighella, As veias abertas da América Latina, de Eduardo Galeano, e o BluRay de Rede de intrigas, com o cenário do Howard Beale Show – quem viu o filme, sabe – na capa).
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Xeque Mate Estúdios
Lançamento: 6 de junho de 2025
Crítica
Ouvimos: Papatinho – “MPC (Música Popular Carioca)”

RESENHA: Papatinho lança MPC (Música Popular Carioca), disco histórico de funk, reunindo Anitta, Stevie B, MC Carol, BK e outros em clima de baile e homenagem.
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O nome “música popular carioca” era usado numa época em que o pop e a MPB feitos no Rio de Janeiro (pelas mãos de Pedro Luís, Marcelo Yuka, Farofa Carioca) começaram a ganhar mais espaço na mídia, lá pelos anos 1990. Na verdade foi uma nomenclatura de tiro curto, que unia vários artistas parceiros, próximos na geografia, mas cujas carreiras tomaram rumos bem diferentes com o tempo.
No caso do novo álbum do DJ e produtor Papatinho, Música popular carioca é um nome documental – um pouco por mexer com profundidade na história do funk e do freestyle, um pouco também pela coincidência da sigla MPC (Music Production Center), popular máquina de criação de batidas que ajudou a erigir o funk e o hip hop. Para contar, musicalmente, o dia a dia do funk e estilos associados, Papatinho convidou “todo mundo”: Anitta, Naldo Benny, Fernanda Abreu, MC Cabelinho, L7nnon, MC Carol de Niterói, Major RD, BK, Tz da Coronel e vários outros – numa união de funk, rap, trap e música pop que trouxe também o norte-americano Stevie B, rei do freestyle, para soltar a voz em Come back, em inglês.
Com som praticamente contínuo e duração curta (onze músicas em 25 minutos), MPC vai da inocência do funk melody à porradaria dos bailes de corredor, passando pelo Bonde dos estraga festa (com Carol e RD), pela auto-afirmação histórica de Passe a respeitar (com Fernanda Abreu, Naldo e BK, além do DJ Chernobyl), pela onda trap (Pixadão no baile, com L7nnon e Leall), pela lembrança de MC Marcinho, que morreu em 2023 (com Hipnotiza, que ainda tem a voz de Xamã). Tem também o grave absurdo de Solta o pancadão, com TZ da Coronel e MC Cidinho General. Uma história da música e da diversão no Rio, unindo nomes que, cada um no seu canto, fazem parte da mesma batida.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Universal Music Brasil
Lançamento: 30 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: Addison Rae – “Addison”

RESENHA: Addison Rae estreia com álbum autoral e ambicioso, misturando vertentes da música pop numa busca sincera por identidade artística.
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Norte-americana da Louisiana, 25 anos, Addison Rae é personalidade da mídia, e filha de personalidade da mídia – seu pai, Monty Lopez, é ator, empreendedor e chegou a ter uma conta no OnlyFans, logo deixada de lado. Ela começou no TikTok, já tinha vários seguidores antes de lançar o primeiro single, e é amiga e mentoranda de Charli XCX. No Brasil, talvez Addison fosse uma subcelebridade com algum peso, destinada a aparecer em A Fazenda ou no camarote do Big Brother Brasil.
Addison acabou mostrando mais força do que parecia ter: trabalhou bastante até se tornar uma candidata a popstar da música e em seu primeiro álbum, Addison, faz o possível e o impossível para se destacar da onda enorme de cantoras pop. Juntou-se a Elvira Anderfjärd e Luka Kloser, dupla de compositoras e produtoras escoladas no pop europeu (trabalham com o sueco Max Martin, o cara por trás de hits como Baby hit me one more time, de Britney Spears) e, junto delas, fez de Addison uma espécie de diário de cantora tentando decifrar o mundo pop – com vibes hyperpop, clima texturizado e sonoridades que tangenciam o pop de câmara.
- Ouvimos: Kali Uchis – Sincerely,
- Ouvimos: Bad Bunny – Debí tirar más fotos
- Ouvimos: FKA Twigs – EUSEXUA
- Ouvimos: Charli XCX – Brat
Rae não vê problemas em citar nomes como Lana Del Rey e Madonna no dream pop dançante de Money is everything (em que fala: “a garota que eu costumava ser ainda é a garota dentro de mim”), em propagandear sua própria inocência no eletrorock Fame is a gun, em se localizar entre o pop de Britney Spears e o art pop de Lady Gaga em High fashion. Não se constrange nem mesmo de apelar para o truque barato do amor-para-sempre em meio aos teclados voadores e dançantes de Summer forever (“essa não é minha primeira vez, mas, baby, espero que seja a última”).
Falando assim, nem parece nada demais. Mas Addison acrescenta à rotina do pop a disposição para lidar com climas vaporosos e bem delineados – como no design sonoro, com piano Rhodes, de Times like these, e no art pop de In the rain. Já Headphones on, que encerra o álbum, é basicamente uma música que se utiliza de métodos “artísticos” para criar uma vibe de “canção de rádio”. Um lado chamber pop surge numa vinheta simples, Life’s no fun through clear waters, que lembra artistas como Sampha e Moses Sumney.
No geral, Addison mostra Addison Rae tentando mostrar quem ela é de verdade, mas ainda buscando ver até onde as coisas vão – é uma artista fazendo o que pode para buscar sua autoridade pop, vamos dizer assim. Um início promissor.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Columbia
Lançamento: 6 de junho de 2025.
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