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Crítica

Ouvimos: Dani Bessa, “Hiperdrama”

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Ouvimos: Dani Bessa, “Hiperdrama”
  • Hiperdrama é o primeiro álbum do cantor e compositor carioca Dani Bessa. O disco foca em “músicas que evocam um amor que existiu e já não está, ou, em delírio, nunca esteve” e “composições energéticas que misturam ficção científica e libertação pessoal e emocional” (diz o texto de lançamento).
  • O conceito do álbum vem de ideias ligadas à ficção científica – em especial o escritor Isaac Asimov. Na capa, Dani aparece na plateia do Teatro Odylo Costa Filho, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), onde ele é doutorando em Química. “Sou eu assistindo a meu próprio espetáculo, mas sem muita firula. Estou de terno, mas também estou de bermuda”, diz.
  • Dani recentemente foi indicação do nosso podcast Pop Fantasma Documento, no episódio sobre os Sparks.

O objetivo de Dani Bessa é, pelo que dá para ver das faixas de Hiperdrama (e de seu EP de estreia, Despedidas) é falar de amor praticamente ao contrário – tentar, enfim, arrumar novas maneiras de abordar um assunto que praticamente domina a produção de canções pop. Em alguns momentos, ele pode parecer que está abordando o assunto de forma apenas trivial (as coisas do dia a dia pelas quais todo mundo passa, encontros, desencontros, etc), mas nada disso, já que Hiperdrama é um álbum de indie pop romântico que lança mão de filtros bem pouco usuais para falar do assunto.

Se em Despedidas tinha uma música sobre voltar no tempo (Linha tênue) e um indie boogie que usava a imaginação para contar detalhes de um namoro que estava começando (Vou te contar), o novo disco observa o amor e os relacionamentos por vários ângulos diferentes – como se fosse o filme a que Dani assiste na capa. Nisso, entram as lembranças de Quando eu falei pra ela, o amor não realizado de Flor de cerejeira e Felícia, a ficção científica de Sonhos de robô, e a fé no futuro de Quinta-feira.

Musicalmente, Hiperdrama se apresenta como um disco de indie pop e indie rock, mas basicamente é um disco de pop adulto, que faz lembrar sons recentes (de Terno Rei às produções e trabalhos pessoais de Jack Antonoff). Mas que tem lá seus pés nos anos 1980 – a suingada Flutuar e a oitentista Mais uma vez, por exemplo, lembram até canções de Kiko Zambianchi e Vinicius Cantuária. Já Para que esqueçamos lança mão de sons eletrônicos vintage. Hiperdrama mostra uma visão bem madura de pop e rock brasileiros.

Nota: 8,5
Gravadora: Independente.

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Ouvimos: Miya Folick, “Erotica Veronica”

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Ouvimos: Miya Folick, “Erotica Veronica”

Com vocais análogos aos de Dolores O’Riordan (Cranberries) e Alanis Morrisette em vários momentos de seus dois primeiros álbuns, Miya Folick se destaca pela qualidade das composições e pela abordagem de uma angústia particular e existencial em suas letras. Erotica Veronica combina ansiedade, desejo queer, desejo cis e experiências do cotidiano, com uma sonoridade que transita entre o indie pop, o soft rock e guitarras que remetem aos anos 1990.

Erotica Veronica é o disco de Erotica, faixa com letra descrevendo uma azaração sáfica – e cujo clipe mostra uma terapia erótica bem peculiar, em que Miya engatinha, pega cruzes com a boca, come terra, lambuza-se com uma melancia e é torturada com um batedor de bolo (!). Nem a música nem o clipe são experiências sombrias ou perturbadoras. Também não são sensuais no mesmo sentido que Sex, o livro de Madonna repleto de fotos explícitas.

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O disco de Miya é sexy, direto e expansivo a seu modo. Como em La da da, brit pop leve, com explosão de guitarras no refrão, em que ela representa uma mulher casada com um homem, mas que deseja outras mulheres, e leva o desejo para a cama (“você gosta de ficar chapado à noite / eu gosto de dormir sonhando com fantasias sáficas, meu amor”). Ou na ressaca amorosa braba de Love wants me dead, um soft rock sombrio, que vai ganhando em peso e intensidade, e que basicamente é uma música para cantar gritando a plenos pulmões.

Sem falar no filme da intimidade passando na frente dos olhos em Alaska, com riff de sintetizador e batidas quase robóticas dando o tom do arranjo. E há também a batalha contra traumas pessoais em Hate me, um pós-punk intenso: “preciso de liberdade para sentir que tenho uma alma do caralho / levei tanto tempo para pedir o que preciso / porque estava com tanto medo de você me odiar”.

Musicalmente, Erotica Veronica acompanha o estilo moderno de Miya, refletido em seu visual atual: cabelos curtos, olhar contemplativo e uma expressão de rockstar introspectiva e angustiada. O álbum aposta em um R&B retrô, com riff de mellotron e solo de flauta em Felicity, na delicadeza melódica de This time around e em uma fusão de indie pop com influências de R.E.M. e The Smiths em Prism of light. Já Fist combina ruídos de guitarra, uma melodia boa que lembra o XTC e toxicidades amorosas na letra: “eu tenho preparado o jantar, esperando que você me perdoe / por não querer te engolir (…) / eu me dou um soco no rosto com meu próprio punho / então eu desabo em você”.

Erotica Veronica fuça também no pop oitentista – que surge nos timbres de várias faixas, e em especial, na mescla de Cindy Lauper e Fleetwood Mac de Hypergiant. E, depois de tantos traumas expiados, e confissões, encerra com uma nota de esperança em Light through the limen, soft rock quase meditativo, oferecendo uma visão mais esperançosa e sublime, depois de anos observando o mundo de dentro de uma caverna. Miya Folick entrega um álbum que equilibra intensidade emocional e diversidade sonora, explorando desejos, angústias e transformações com autenticidade e precisão.

Nota: 9
Gravadora: Stop Talking/Nettwerk Music Group
Lançamento: 28 de fevereiro de 2025.

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Ouvimos: Circuit Des Yeux, “Halo on the inside”

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Ouvimos: Circuit Des Yeux, “Halo on the inside”

Duas experiências marcaram este sétimo álbum de estúdio do Circuit Des Yeux: uma viagem que Haley Fohr, mente por trás do grupo, fez à Grécia, e o mergulho na composição das músicas, todas feitas em um porão escuro, entre a noite e a madrugada – aparentemente ela quis uma paródia do tradicional “trabalho de nove às cinco”, e fez exatamente isso, só que das nove da noite às cinco da manhã.

Vale dizer que a tal viagem para a Grécia deixou Haley apaixonada pelo mito de Pan – aquele sujeito meio bode, meio homem, que tocava flauta e atraía pessoas, e cuja história é marcada por amor, música, trevas e medo. E esse astral cavernoso, sombrio e belo dá a letra em Halo on the inside, em letras e músicas. Megaloner, na abertura, é um batidão quase industrial, entre o pop e o aterrorizante, cujo clipe mostra pessoas fazendo movimentos repetitivos e chafurdando no tédio, enquanto Haley canta versos como “com o tempo, você me verá através de todas as coisas sonhadoras / eu posso ver o rosto em qualquer coisa quando a maré puxa pra mim”.

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Canopy of Eden tem batidão insinuando um baile funk, vibe sombria e vocal quase gregoriano – mas, contraditoriamente, é um som eletrônico que envolve e abraça o ouvinte. Daí para a frente, Halo on the inside alterna entre momentos mais trevosos e segmentos de beleza quase progressiva. Skeleton key, entre vibes celestiais e vocais gritados, chega a lembrar algo de Peter Gabriel, por causa das percussões e teclados meditativos – até que um clima entre o metal e o industrial vai encerrando a faixa. Anthem of me, que lembra um ambient aterrorizante, é basicamente um post-rock, com todo o clima cinematográfico que o estilo pede.

Seguindo o conceito de Halo, é interessante a única faixa mais “tranquila” do álbum se chame justamente Take the pain away, puramente som espacial, com teclados voando. Cosmic joke tem essa mesma onda interestelar – mas é como se o espaço fosse um lugar tão opressor quanto a Terra – além de vocais próximos do jazz. Truth é uma corrente percussiva que lembra uma missa pagã, ou uma Kate Bush do demo, com Haley dizendo versos como “a verdade é apenas a imaginação da mente”. Organ bed é tribal e tecnológica, com uma certa guerra sonora lá pelos três minutos. E Cathexis é uma espécie de pós-punk progressivo – ou de progressivo feito por quem escutou muito Killing Joke.

Sem nenhum minuto perdido no geral, Halo on the inside é um disco que prende o ouvinte num universo próprio – denso, ritualístico e inesperadamente envolvente.

Nota; 8,5
Gravadora: Matador Records
Lançamento: 14 de março de 2025.

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Ouvimos: She Drew The Gun, “Howl”

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Ouvimos: She Drew The Gun, “Howl”

Louisa Roach, a mulher por trás da banda She Drew The Gun, foi uma espécie de mistura de Nico e Siouxsie Sioux nos dois primeiros discos, e bandeou-se de vez para o eletrorock (que já aparecia nos álbuns anteriores) em Behave myself (2021). No quarto disco, Howl, apresenta uma seleção de músicas pouca coisa mais acessível que nos primeiros álbuns, levando seu rock inorgânico para uma sonoridade que beira a vibe country na marcial Mirrors e lembra os synthpops das paradas da Billboard nos anos 1980, em Washed in blue.

Não que isso seja ruim. O discurso anti-capitalismo e anti-machismo de Louisa continua o fino, e retorna até mais afiado em Howl, partindo para a briga em várias músicas, como Shine on e Rise. Musicalmente, algo diz que os próximos movimentos do She Drew The Gun serão no sentido de tornar sua música mais conhecida – Out, single novo que saiu já depois de Howl, e não está no álbum é mostra bem isso. Faixas como a música-título, Nothing lasts e a própria Washed in blue (e a própria Out) dão certa impressão de que, se não houver cuidado, o som de Louisa pode acabar ficando preso demais a padrões.

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De qualquer jeito, em Howl, o lado imaginativo do She Drew The Gun anda à toda em músicas como Became, funkeada e psicodélica, lembrando as experimentações de bandas como Jefferson Airplane, só que nos dias de hoje. Ou o r&b pós-punk de Shine on, que lembra uma mescla de Prince com o finalzinho da primeira fase do Echo and The Bunnymen. A segunda metade do álbum é bem mais acessivel que a primeira em vários momentos, mas ainda assim ousadias musicais surgem em faixas como a bossa dream pop What’s the matter, o ambient Conjuring e o synthpop místico Ritual.

Se o caminho do She Drew The Gun será o da ampliação de público ou o da radicalização estética, só os próximos passos dirão. Mas Howl reforça que Louisa Roach tem fôlego para seguir reinventando seu som – e reafirma que, entre altos e baixos, Revolution of mind (2018) segue sendo seu melhor álbum.

Nota: 7,5
Gravadora: Submarine Cat Records
Lançamento: 15 de novembro de 2024.

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