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Crítica

Ouvimos: Chloe Slater, “Love me, please” (EP)

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Ouvimos: Chloe Slater, "Love me, please"
  • Love me, please, é o segundo EP da cantora inglesa Chloe Slater. O primeiro EP, You can’t put a price on fun, saiu ano passado (e foi resenhado pela gente aqui).
  • “Acho que muitas pessoas acham que sou controversa ou algo assim, mas meu ponto de vista é que todos merecem ser amados, ter direitos e existir no mundo. Acho que essa é uma crença bem básica de direitos humanos, mas muitas pessoas discordam”, disse recentemente à New Musical Express, quando foi capa da publicação.
  • Recentemente, Chloe chamou a atenção a ponto de pular dos pequenos shows em Manchester (onde ela nasceu) para o status de ato de abertura do Kings Of Leon em uma arena em Colônia, e para tocar no palco BBC Introducing de Glastonbury (foi sua primeira experiência em um festival, aliás).

O momento é de Chloe Slater, e nada parece capaz de deter isso. Já perfilada em duas extensas reportagens do New Musical Express — a mais recente, inclusive, como matéria de capa —, a artista volta com Love me, please, um EP mais direto e afiado do que You can’t put a price on fun, sua estreia no ano passado.

A música de Chloe transita por um rock acessível e imediato, especialmente para as novas gerações. Ecos de Paramore e Wet Leg surgem aqui e ali, mas, desta vez, até um primo mais comercial do Sonic Youth dá as caras. É o caso de Sucker, um pós-punk debochado de vocais quase falados, onde ela mira neofascistas e adoradores de Trump e similares: “Não serei uma otária pelo sonho americano/não mentirei para fazer você ficar/e se eu conseguir, então não vou endireitar meus dentes (…)/como é saber que seus milhões podem alimentar uma tonelada?”.

Como o próprio título sugere, Love me, please também cutuca a indústria da fama e a maneira como alguns artistas são lançados. Em Tiny screens, um cruzamento entre Blondie, Paramore e uma estética ruidosa, Chloe descarta o mundo de algoritmos, celebridades vazias e estrelas fabricadas. Já Fig tree molda a servidão ao patriarcado na indústria da música, sobre uma base que flutua entre o pós-punk e o pós-grunge.

We’re not the same injeta micropontos de metal no indie rock enquanto a letra ironiza artistas sem cultura e sem informação: “Ah, então você gosta de Tarantino?/Eu nunca assisti a esse filme/Como é que se chama mesmo?/A garota com o sangramento nasal na parede do seu quarto”. No desfecho do EP, o quase dream pop de Imposter aborda a insegurança da síndrome do impostor — aquele medo silencioso que muitos escondem. Love me, please consolida Chloe Slater como uma voz afiada e impossível de ignorar.

Nota: 9
Gravadora: Stoler Juice/AWAL
Lançamento: 4 de fevereiro de 2025

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Crítica

Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

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Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

Tudo que é mais difícil de explicar, é mais complicado de entender – mesmo que as intenções sejam as melhores possíveis e haja um verniz cultural-intelectual robusto por trás. Isso vale até para desfiles de escolas de samba, quando a agremiação mais armada de referências bacanas e pesquisas exaustivas não vence, e ninguém entende o que aconteceu.

Carnaval, injustiças e polêmicas à parte, o novo Mayhem foi prometido desde o início como um retorno à fase “grêmio recreativo” de Lady Gaga. E sim, ele entrega o que promete: Gaga revisita sua era inicial, piscando para os fãs das antigas, trazendo clima de sortilégio no refrão do single Abracadabra (que remete ao começo do icônico hit Bad romance), e mergulhando de cabeça em synthpop, house music, boogie, ítalo-disco, pós-disco, rock, punk (por que não?) e outros estilos. Todas essas coisas juntas formam a Lady Gaga de 2025.

Algo vinha se perdendo ou sendo deixado de lado na carreira de Lady Gaga há algum tempo, e algo que sempre foi essencial nela: a capacidade de usar sua música e sua persona para comentar o próprio pop. David Bowie fazia isso o tempo todo – e ele, que praticamente paira como um santo padroeiro sobre Mayhem, é uma influência evidente em Vanish into you, uma das faixas que melhor representam o disco. Aqui, Gaga entrega dance music com alma roqueira, um baixo irresistível e um batidão que evoca tanto a fase noventista de Bowie quanto o synthpop dos anos 1980.

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O que foi deixado de lado em discos anteriores é…Bom, é quase tão difícil de explicar quanto as razões que levaram Gaga a criar um álbum considerado “difícil” como Artpop (2013), enquanto simultaneamente mergulhava no jazz com Tony Bennett e preparava-se para abraçar o soft rock no formidável Joanne (2016), um disco autorreferente que talvez tenha deixado os fãs da primeira fase perdidos. Em outro tempo, Madonna parecia autorizada a mudar como quisesse, mas quando Gaga fazia o mesmo, deixava no ar notas de desencontro e confusionismo. O pop mudou, as décadas passaram, o público convergiu – e todas as certezas evaporaram.

É nesse cenário que Mayhem equilibra as coisas, entregando um pop dançante, consciente e orgulhoso de sua essência, mas ao mesmo tempo sombrio e marginal. Há momentos de caos organizado, como em Disease e Perfect celebrity – esta última começa soando como Nine Inch Nails, mas, se você mexer daqui e dali, pode até enxergar um nu-metal na estrutura. Killah traz uma eletrônica suja, um refrão meio soul, meio rock que caberia num disco do Aerosmith, enquanto Zombieboy aposta no pós-disco punk, evocando terror e êxtase na pista.

Na reta final, o álbum se aventura por outros terrenos: How bad do U want me e Don’t call tonight flertam com o pop dinamarquês dos anos 90 (e são, por sinal, as únicas faixas pouco inspiradas do disco); The beast tem cara de trilha sonora de comercial de cerveja; e Lovedrug mergulha na indefectível tendência soft rock que surge hoje em dia em dez entre dez discos pop. Essa faixa soa como um híbrido entre Fleetwood Mac e Roxette – como se Gaga  estivesse pensando também na programação das rádios adultas de 2036.

O desfecho de Mayhem chega como um presente para o ouvinte: Blade of grass é uma balada melancólica de violão e piano, que ecoa tanto a tristeza folk dos anos 70 quanto a melancolia do ABBA, crescendo em inquietação à medida que avança. E então, como quem perde um pouco o tom, o álbum termina com… Die with a smile, a já conhecida balada country-soul gravada em parceria com Bruno Mars, lançada há tempos como single. Dentro do contexto do disco, ela soa mais como um apêndice do que como um encerramento – uma nota de rodapé onde se esperava um ponto final. Nada que chegue a atrapalhar a certeza de que Lady Gaga conseguiu, mais do que retornar ao passado, unir quase todos os seus fãs em Mayhem.

Nota: 8,5
Gravadora: Interscope
Lançamento: 7 de março de 2025.

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Crítica

Ouvimos: Alessia Cara, “Love & hyperbole”

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Ouvimos: Alessia Cara, "Love & hyperbole"

Nada atrapalha mais o amor do que a hipérbole – aquele exagero que distorce a realidade, a vontade de que as coisas sejam maiores do que realmente são. No quarto álbum, que por acaso se chama Love & hyperbole, Alessia Cara troca o excesso pela autenticidade, entregando um indie pop refinado, onde letras e melodias se encontram com honestidade. Um disco que se envolve mais com o amor à música e à realidade do que com qualquer tipo de exagero.

Com um som que passeia pelo pop dos anos 1970, pós-disco, R&B e nuances jazzísticas, Alessia explora temas como ansiedade, solidão e pensamentos intrusivos. Em Go outside!, ela transforma essas inquietações em um groove moderno de alma retrô, evocando Jackson 5 e Stevie Wonder. Dead man é um desabafo sobre ghosting e relacionamentos fracassados, mesclando R&B-jazz com um toque de Amy Winehouse, piano marcante e um interlúdio lounge inesperado. Já (Isn’t it) obvious reflete sobre inseguranças amorosas com um pop suave e guitarras envolventes – o tipo de canção que poderia embalar uma propaganda de TV, diga-se.

Entre as surpresas do álbum, Alessia transforma algo parecido com as cordas de Viva la vida, do Coldplay, em um disco-rock vibrante (Nighttime thing), encara à sua maneira a onda retrô do pop setentista gostosinho (Feels right) e, no geral, molda Love & hyperbole como um álbum pós-pós-disco moderno, com a cara de 2025. O auge dessa escolha aparece em Slow motion, um pop elegante que remete tanto ao lado mais suave de Thriller (1983), de Michael Jackson, quanto à melancolia sofisticada de Careless whispers, de George Michael. Se nunca ouviu Alessia, este álbum é o convite perfeito.

Nota: 9
Gravadora: Def Jam/UMG
Lançamento: 14 de fevereiro de 2025

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Crítica

Ouvimos: Biig Piig, “11:11”

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Ouvimos: Biig Piig, "11:11"

Talvez 11:11 não seja a estreia mais aguardada do ano, mas representa um passo decisivo para Jess Smyth, a mente por trás do Biig Piig. Desde que lançou o projeto, em 2016, ela vinha se contentando com singles, EPs e uma mixtape — Bubblegum (2023) — enquanto testava diferentes sonoridades, de forma independente, e depois sob o contrato com a RCA (assinado em 2017).

Seus primeiros lançamentos passaram por paisagens sonoras que iam do hip hop ao pop de quarto, passando por beats eletrônicos frenéticos. Em 11:11, ela reaparece mergulhada na cultura clubber — uma influência real, como a própria artista já admitiu em entrevistas e como fica evidente em alguns momentos do disco. Ainda assim, Jess hesita entre seguir a linha dos revisionistas do pop dançante, como Jessie Ware, ou conduzir 11:11 por um caminho mais introspectivo, à la Billie Eilish.

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Tentando equilibrar as duas vertentes, ela mescla baixo à la Kim Deal e indie pop em faixas como 4 AM, Ponytail e Cynical (que soa quase como uma paródia de Physical, clássico de Olivia Newton-John). Já Favourite girl e Decimal (com versos em espanhol) trazem uma pegada sinuosa de dance music quase oitentista. Em Silhouette, ela arrisca uma fusão de soft rock e indie pop, enquanto I keep losing sleep e Stay home adicionam uma pitada de psicodelia à mistura.

Há espaço também para experimentações bacanas, como a pós-disco distorcida de 9-5 — uma faixa criativa sobre dependência emocional, onde o título faz referência ao expediente tradicional de trabalho e a letra sugere que a dedicação ao parceiro é tão intensa que ele vira um “meu 9 às 5”. No desfecho do álbum, One way ticket aposta num R&B indie de violão e efeitos etéreos, enquanto Brighter day flerta com britpop e trip hop.

Nesta última, Jess canta com um timbre finíssimo na introdução, como se tivesse inalado gás hélio — epa, moda entre doidões. Enfim, 11:11, estreia do Biig Piig, é um disco marcado por essa dualidade entre o pop extrovertido e uma sonoridade mais intimista. Mas é a vocação para a introspecção que, quase sempre, acaba levando a melhor.

Nota: 7,5
Gravadora: RCA
Lançamento: 7 de fevereiro de 2025.

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