Crítica
Ouvimos: Caxtrinho, “Queda livre”

- Queda livre é o disco de estreia de Caxtrinho, ou Paulo Vitor Castro, músico de 25 anos, vindo de Belford Roxo, município da Baixada Fluminense (RJ). O álbum teve produção de Vovô Bebê e Eduardo Manso. O álbum integra as comemorações dos dez anos do selo fonográfico QTV.
- A capa traz uma pintura, em acrílico sobre tela, do artista plástico Arjan Martins. “A tormenta e a ressaca do mar remetem à profusão sonora inventada por tantos músicos reunidos neste trabalho, em que samba e rock psicodélico se amigam e se transam o tempo todo”, conta sobre a capa o release do disco, que também recorda a origem do cantor. “O samba vem de Caxtrinho e da sua herança cultural do candomblé, que se estende da bisavó baiana até o artista carioca que, naturalmente, cresceu entre o pandeiro e o tambor”.
- Da lista de músicos participantes de Queda livre, constam Negro Leo (voz), Ana Frango Elétrico (voz, piano), Thomas Harres (percussão) e Bruno Schiavo (voz).
Se você escutar o primeiro disco solo de Caxtrinho do começo ao fim, e ainda assim não conseguir entender o que é racismo em praticamente todas as suas manifestações…. Bom, ouça de novo. E de novo. Nas letras do álbum, o preconceito é um monstro nada discreto que surge em distâncias geográficas, nas (poucas) opções de diversão, nos problemas de transporte, na praia bem longe de casa, na cara feia de quem precisa lidar com você fora do lugar onde você mora. Na apropriação cultural nossa de cada dia.
Musicalmente, Queda livre é torto – e isso é um elogio. Daria para colocá-lo na gaveta dos retropicalismos, mas calma: tudo soa como se Luiz Melodia e Jards Macalé decidissem aderir à no wave, mas para responder aos discos de Lydia Lunch e James Chance, fizessem um disco brasileiro por opção, trevoso por raiz e psicodélico por vocação. Há um samba-blues de peso no álbum, Papagaio, um tema instrumental cubano-brasileiro, Vó Jura, e um samba curto, mais próximo do formal, que curiosamente se chama Samba errado. Mas no geral é um disco para ser ouvido como quem vê um filme cheio de cenas rápidas, cortes bruscos e sangue escorrendo.
O material é direto e reto como um soco, um recado para quem ainda não entendeu que a realidade pode ser bastante cruel, dependendo do primeiro cenário que você observa pela janela quando acorda. É o que rola no passeio nada feliz de Cria de Bel, na verdade de Branca de trança (“se subir o morro vai dar pressão/as pretas não vão entender legal, não”), na branquitude esfregada na cara de Brankkos (“tênis de marca/bochecha rosa/Santa Cecilia/férias no Leblon/blusa de banda/carne na mesa/match no Tinder”).
O final é para ouvir várias vezes: Rolé na B2, música aterradora, em que cuícas fantasmagóricas e efeitos dividem espaço com o relato de Caxtrinho sobre um estranho momento de respiro, cujo roteiro passa pela Avenida B2, em Duque de Caxias. Desastre na pista é um samba lisérgico para esses tempos de Ferraris usadas como se fossem armas (“chamava pista de meu bem/alto, corria bem/mas pista não é de ninguém”). Queda livre é um disco que tira o sono de quem não dorme o sono dos justos.
Nota: 10
Gravadora: QTV
Crítica
Ouvimos: Dana and Alden – “Speedo”

RESENHA: Speedo, estreia dos irmãos Dana e Alden McWayne, mistura jazz, psicodelia, política e grooves diversos em 18 faixas luminosas e surpreendentes.
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Demoramos um pouco para resenhar esse disco, lançado em junho. Vindos do Oregon, os irmãos Dana (sax) e Alden McWayne (bateria) fazem em Speedo, seu primeiro álbum, uma espécie de jazz mágico, que não cabe em quase nenhuma definição comum, porque as faixas trazem às vezes várias referências. Norm, a faixa de abertura, parece uma espécie de easy listening espiritualista, como as músicas de Todd Rundgren, e evolui para um jazz voador e bombástico, com beats eletrônicos e tímpanos dando o ritmo. Lisbon in rain ameaça um jazz-fusion na abertura, mas o que vem na sequência são sons que se alternam e brilham como luzes. Já a curta Wyckoff Deli Chicken over rice leva o idioma do jungle para o som da dupla.
Vibes psicodélicas e quase lo-fi, comuns em todo o álbum, vão surgindo aos poucos em faixas como Melange, o funk de garagem Don’t run, a bossa floydiana Fisherman’s dream, o jazz ruidoso e luminoso Charif’s Place, os temas de séries imaginárias Childhood crush e Super Beaver full moon love song, e o soul-reggae de faroeste Obsidian. Além disso, o material de Speedo une música, política e anti-imperialismo, com duas faixas, a já citada Norm e o jazz psicodélico e elegante Leila, feitas em homenagem a ativistas pró-Palestina (Norman Finkelstein e Leila Khaled, respectivamente).
Disco extenso – dezoito faixas, 50 minutos – e cheio de recantos musicais, Speedo invade também as áreas da guitarrada hispânica (Rick Pablo), do dream pop solar (Who do you even talk to me, Daydrinking in Springfield), do easy listening clássico e elegante (Kelp Forest Place) e do jazz-soul latino (Cacio e Pepe, cheia de detalhes psicodélicos e sons que rangem). A faixa-título, melódica, sinuosa e romântica, tem algo do som esparso do Khruangbin, só que reduzido a saxofone, baixo e bateria. No fim, o som voador e luminoso de Babe, you’re gonna miss that plane. Uma ótima surpresa.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Concord Jazz
Lançamento: 27 de junho de 2025
Crítica
Ouvimos: Jean Caffeine – “Generation Jean”

RESENHA: Jean Caffeine mistura punk, sixties, pós-punk e introspecção em Generation Jean, disco variado, intenso e cheio de humor.
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Nascida em 1960, a cantora e compositora Jean Caffeine participou ativamente da cena punk de San Francisco, tocou numa banda que abria shows do The Clash (o curiosíssimo Pulsallama, um conjunto de percussão de formação variável, chegando a 13 integrantes) e mudou-se anos depois para Austin, no Texas, onde desenvolveu carreira como compositora e, depois, cantora. Só que ela foi para um lado bem diferente do universo com o qual ela estava acostumada: passou a tocar em cafés e a misturar punk rock e sons mais introspectivos.
Generation Jean, seu novo álbum, é uma mescla dessas duas ondas, com referências sessentistas unidas a sons bem mais selvagens – sendo que as próprias viagens 60’s de Jean já são selvagens o suficiente. Love what is it?, na abertura, inicia com batida marcial, ganha ares de música francesa ou hispânica, e embica numa balada meio Beatles, meio Replacements, com ótimas guitarras. Big picture une Byrds e Beatles, com romantismo na melodia, e amor desarrumado na letra. I always cry on thursday, com clima sixties e batidinha eletrônica, parece uma zoação com Friday I’m in love, do The Cure – com Jean admitindo que a quinta-feira só torna o fim de semana mais distante. E ainda por cima ela gravou The kids are alright, do The Who – só que numa versão em que parece que a música era dos Pretenders.
Desenvolvendo um rock estiloso em todas as faixas do disco, Jean abraça o blues, o jazz e a música sombria em Mammogram – sim, ela fez uma música sobre mamografias e conta em detalhes como é o exame. Também volta a visitar o rock sessentista no power pop I don’t want to kill you anymore e I know you know I know, e visita o pós-punk em Circuitous routes. No final, tem You’re fine, dance-punk que lembra uma paródia suja da levada de Psycho killer, dos Talking Heads. Largue tudo e ouça agora.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: FLAK Records
Lançamento: 5 de setembro de 2025.
Crítica
Ouvimos: Lutalo – “The academy” (versão deluxe)

RESENHA: Primeiro álbum de Lutalo, The academy volta em edição deluxe, a tempo de ser descoberto por quem ainda não ouviu o som desse cantor norte-americano que fala de vivências pessoais nas suas músicas.
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Talvez você ainda não conheça Lutalo, então vamos lá: Lutalo Jones é um jovem (24 anos) músico, compositor e produtor do Minnesotta. Ele é primo de Adrianne Lenker (Big Thief), já abordou em suas músicas temas espinhosos como a situação dos negros e indígenas nos Estados Unidos, e volta e meia recorre à própria história para fazer suas canções. Lançado em 20 de setembro de 2024, seu álbum de estreia, The academy, mergulha em suas memórias de ex-aluno da escola que dá nome ao disco, em St Paul – uma instituição tão clássica que o escritor F Scott Fitzgerald estudou lá.
Lutalo, que enfrentou várias barras pesadas familiares ao longo da vida, estudou lá com bolsa de estudos, teve diversos problemas de adaptação e sofria para tirar boas notas. “Como não tirava as melhores notas, presumi que era simplesmente ruim em aprender. Refletindo, sinto que não sou – a estrutura de aprendizagem simplesmente não funcionava para mim. Passei a entender e respeitar isso e simplesmente aproveitar o que pude”, disse num papo com a Rolling Stone britânica. Faixas do disco como o soul blues climático Big brother e o shoegaze Oh well vão fundo nessas lembranças, falando de uma crise econômica (em 2008) que deixou sua família sem teto, e da separação de seus pais.
- Ouvimos: Ethel Cain – Willoughby Tucker, I’ll always love you
- Ouvimos: Jehnny Beth – You heartbreaker, you
- Ouvimos: Alex G – Headlights
Já Summit Hill, folk cheio de cortes no ritmo, além de “defeitos especiais” de gravação, abre colocando o/a ouvinte no tema, lembrando que Lutalo e um amigo, ambos outsiders em meio aos ricaços, costumavam andar pelas cercanias da escola observando as casas de alto luxo, sempre pensando no abismo social que os separava daquela turma. Oceans swallow him whole, um guitar rock que une sombra e luz, e tem evocações de bandas como Placebo, fala indiretamente sobre alguém que tentou atingir Nova York seguindo por um lugar menor, mas deparou com montes de injustiças sociais.
The academy volta agora em edição deluxe, com quatro faixas a mais, aumentando o escopo musical do álbum. Se você ouvir apenas o comecinho de The academy, com Summit Hill e Ganon, vai ver em Lutalo um revivalista do blues rock dos anos 1970, e um experimentalista do folk. O disco avança para o shoegaze, para sons assemelhados ao britpop (Broken twin), para o country-rock com clima beatle (3 tem andamento lembrando o hit Come together) e até para algo que fica entre Pixies e Slowdive – em About (Hall of egress) e na faixa bônus Cracked lip. Há também emanações mais sombrias no folk psicodélico Haha halo, e no quase-trip hop Lightning strike.
Como letrista, Lutalo nem sempre é direto – às vezes parece criar diálogos nas letras, como o encontro de gerações de The bed. Já Oh well relata as tragédias familiares lembrando que o céu parecia desmoronar, e que os maiores problemas vividos por sua mãe não saíram nos jornais, nem foram “mostrados e contados”. No geral, uma poesia que machuca.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Winspear
Lançamento: 19 de setembro de 2025
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