Crítica
Ouvimos: 2nd Grade, “Scheduled explosions”
![Ouvimos: 2nd Grade, “Scheduled explosions”](https://popfantasma.com.br/wp-content/uploads/2024/12/ouvimos-2nd-grade-scheduled-explosions.jpg)
- Scheduled explosions é o terceiro álbum do 2nd Grade, uma banda indie da Filadélfia criada originalmente como um projeto solo do cantor e guitarrista Peter Gill, mas que hoje tem uma formação com Catherine Dwyer (vocais), David Settle (baixo) e Francis Lyons (bateria).
- O disco novo foi produzido por Gill e por Lucas Knapp, que fez também a engenharia de gravação.
- De modo geral, o grupo é tido como uma banda de power pop – e muita gente compara o som deles com o do Guided By Voices.
- Boa parte do repertório da banda é formado por canções bem curtas. Num papo com o site Secret Meeting em 2020, Gill falou sobre isso: “Você pode realmente ir direto ao ponto de uma música e garantir que ela saia antes que o ouvinte enjoe dela, e isso vai, com sorte, fazê-lo voltar e ouvir novamente”.
Tem sempre algo bem louco acontecendo no novo álbum do 2nd Grade, uma banda que já abre esse Schedule explosions com um power pop bem estranho chamado Live from missile command, misturando guerras de videogame a guerras reais, com uma letra inconclusiva (“a principal ameaça é a violência de rádio/o que está acontecendo, capitão?”, e pano rápido). E que em todas as 23 faixas de seu novo disco faz uma mistura de referências que se assemelha mais a uma câmera na mão, misturando Beatles, Yellow submarine, The Troggs, Monkees, Otis Redding, Easy rider, filmes underground em geral, Elvis Costello e o que mais surgir.
Eu disse 23 faixas? Bom, Scheduled explosions tem esse número de músicas em 38 minutos e uns quebrados – há canções de menos de um minuto, evidentemente, e muitas músicas que se assemelham a rascunhos ou excertos de canções. O material é basicamente power pop influenciadíssimo por Monkees e Big Star, mas há momentos em que nomes como Beach Boys, Ramones e Beatles fase Revolver são evocados. Tudo criação da cabeça do líder do grupo, Peter Gill, um sujeito com cérebro extremamente ativo e cujas emoções, como compositor, apontam para aqueles momentos em que tudo parece estar desmoronando, mas a desgraça pelo menos rende uma música, ou umas piadas.
No disco, Triple bypass in B-flat é shoegaze + power pop, aludindo às fases iniciais do Teenage Fanclub. Fashion disease atinge o nervo do folk rock oitentista, e do rock mais melódico da mesma época. Ice cream social acid test (olha esse título!) é Big Star + Raspberries no ácido. Evil things tem o romantismo de uma canção do The Motors (aqueles de Airport, lembra?), mas a letra fala de um demônio bem estranho que “sabia de alguma forma meu nome e meu número de previdência social”, e aí coisas bem malignas acontecem.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
Cada música de Schedule explosions é uma parte pequena de um mundo bem esquisito, que ainda inclui versos lapidares como “o rapaz stereo encontra o mundo mono” (em Airlift, canção tristonha e desesperada sobre o mundo do trabalho de 9 às 5) e “a história é escrita por vencedores/os perdedores escrevem power pop/e é tudo sobre você” (no punk All about you, que comprime Buzzcocks e Ramones em 67 segundos).
Esse lado de estranhamento atinge momentos bem mais variados no disco, que tem momentos bem lo-fi, parecendo gravações de shows ou fitas mal-conservadas, em músicas como Joan on ice e 68 comeback. E que chega bem perto da sonoridade de bandas como Jesus and Mary Chain nas distorções e explosões de American rhythm.
Mais: entre os cacos colados por Peter Gill no disco, há ainda a explosão power pop psicodélica de Like Otis Redding, o jingle maluco de Crybaby semiconductor e a balada 50’s King of Marvin Gardens, cujo nome faz referência a um filme de 1972 de Bob Rafelson (por sinal o diretor de Head, filme lisérgico dos Monkees), com Jack Nicholson no elenco. Uma estranha loucura pop, difícil de parar de ouvir.
Nota: 8
Gravadora: Double Double Whammy
Crítica
Ouvimos: Ringo Starr, “Look up”
![Ouvimos: Ringo Starr, “Look up”](https://popfantasma.com.br/wp-content/uploads/2025/01/ouvimos-ringo-starr-look-up.jpg)
Uma ideia genial e que parece a coisa mais óbvia do mundo: um disco country de Ringo Starr. Nos Beatles, o baterista sempre foi o músico mais ligado ao estilo: foi ele que fez o vocal da releitura de Act naturally, sucesso do countryman Buck Owens, na trilha de Help!, e sua contribuição autoral para o Álbum branco (1968), Don’t pass me by, é bem nessa onda. Aliás, não custa lembrar que Starr já havia gravado um álbum dedicado ao country, e foi justamente seu segundo disco solo, Beaucoups of blues (1970). Faz tempo.
Look up é o tipo de disco que, se você for fã de Ringo e dos Beatles, vai demorar até achar algo minimamente criticável. O autor de praticamente todas as faixas, o veterano T Bone Burnett, foi guitarrista de Bob Dylan nos anos 1970, e é uma fera que caminha há décadas entre folk, country e rock clássico. Ringo está com a voz em forma, toca bateria em todas as faixas, e fez de Look up um trabalho bem mais cheio de personalidade que seu último EP, Crooked boy, no qual topou até bancar o indie-rocker em alguns momentos. As músicas são boas: a abertura com Breathless é linda, a faixa-título insere micropontos quase invisíveis de psicodelia na história, Time on my hands acena para o lado clássico do country, e traz o velho estilão de Ringo na bateria.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
O clima de todo o disco é basicamente esse mesmo. Mesmo assim, passando a animação, vem uma impressão esquisita: Ringo, um cara que nunca foi exatamente um grande cantor, soa em Look up mais como um baladeiro, um cantor romântico, do que como um contador de histórias do country. Isso talvez faça de Look up uma celebração do rock e da música pop influenciados pelo country, e não exatamente um disco do estilo. Se você for fanático (a) por country music e já chegar disposto a implicar com o álbum, pode acabar arrumando motivos pra isso – ainda mais quando o repertório fica meio irregular, graças a músicas como Come back e Can you hear me call.
E daí? E daí que, entre altos e baixos, o cara mais indicado para brincar de countryman nos dias de hoje é Ringo mesmo. Look up, vale informar, é balizado por alguns country rocks bacanas, como I live for your love, uma canção em que Ringo, ao lado de Molly Tuttle, diz que “não vive no futuro nem no passado” – e curiosamente é uma música que caberia bem num dos primeiros discos dos Beatles. Thankful, com Allison Krauss, emociona: Ringo, 84 anos, sobrevivente de tudo que você possa imaginar dos anos 1960/1970 (da ameaça de falência ao alcoolismo) fala sobre o amor e amizade como elementos de salvação.
No corredor roqueiro de Look up, cabem também o hino You want some e a melhor faixa do álbum, Rosetta – uma espécie de country lúgubre, marcado por violões fortes e por uma guitarra que costura toda a música e ganha protagonismo merecido. Uma curiosidade é a bela e venturosa String theory, outra canção que dá pena por não ter sido composta lá por 1968 e não ter estado na lista de candidatas a White album ou Abbey Road. Talvez John Lennon e Paul McCartney, naquela altura, achassem a letra infantil demais (para Ringo, “tudo vibra”, das melhores coisas às piores tragédias), mas é uma canção tão legal quanto Now and then, o single recente deles.
Nota: 8
Gravadora: Lost Highway
Lançamento: 10 de janeiro de 2025.
Crítica
Ouvimos: Goat Girl, “Below the waste”
![Ouvimos: Goat Girl, “Below the waste”](https://popfantasma.com.br/wp-content/uploads/2025/01/ouvimos-goat-girl-below-the-waste.jpg)
- Below the waste é o terceiro álbum da banda londrina Goat Girl, formada hoje por Lottie Pendlebury (ou Clottie Cream, vocal e guitarra), Rose Jones (ou Rose Bones, bateria) e Holly Mullineaux (ou Holly Hole, baixo). O disco foi produzido pela banda ao lado de John Spud Murphy (Lankum, Black Midi).
- É o primeiro álbum gravado como trio, já que a guitarrista Ellie Rose Davies descobriu um diagnóstico de câncer e decidiu afastar-se da banda. Com a saída de Ellie, as três passaram a ter funções menos fixas na banda. “E como éramos menos integrantes, meio que abriu mais portas para trocarmos instrumentos. Essencialmente, havia mais espaço dentro da música para preencher, então tivemos que ser bem criativos com a forma como iríamos descobrir isso”, contou Lottie à DIY.
- Entre os temas do disco, há a luta de Rose para se livrar do abuso de substâncias (a faixa TCNC fala de um mantra criado pela mãe da musicista, “take care, not crack”). Não foi o único problema enfrentado por elas. “Ellie estava doente; eu basicamente passei por abuso doméstico por um longo tempo e tive que sair de Londres para fugir disso”, contou Holly.
O Goat Girl não é exatamente o arquétipo de banda de rock explosiva. O trio (que já foi um quarteto), em seus discos anteriores, parecia estar mais interessado na exploração de climas diferentes do que em soar exatamente pesado – numa espécie de visão feminina, misteriosa e elaborada do que é fazer rock experimental e (em vários momentos) “mágico”.
Below the waste, um disco longo (quase 50 minutos) e o terceiro delas, investe na criação de músicas sobre monstros nada imaginários. Surgem temas como ecologia, desperdício, superficialidades, abuso de drogas (os problemas da baterista Rosy Bones surgem em faixas como Words fell out), a mão do destino (a letra de Play it out tem frases ótimas sobre isso), Perhaps (de versos como “não há mais barreiras de estação/cadeados e correntes se abriram/não há mais câmeras nos observando/portas bem fechadas se abriram”). A arte da capa lembra a dos discos do Black Widow, uma banda que fazia rock satanista na época em que o Black Sabbath começou – mas não se tornou conhecida.
No novo disco, o som delas se tornou mais assustador, e principalmente, se tornou uma massa ameaçadora que afasta quem espera discos “diretos”. A mensagem de Below the waste é entregada em meio a vinhetas “de terror” como Reprise e Prelude, a canções calmas e perigosas como Words fellout e o noise-rock de bolso Ride around, e ao tom acústico e quase sussurrado de Tonight. Take it away é som quase gótico, ameaçando uma balada, com um coral que vai ganhando vozes, inclusive masculinas.
Jump sludge ameaça um blues, mas o que vem é um indie rock de masmorra, com sons tensos de guitarra e piano. E faixas como Wasting e Perhaps conseguem soar como a mistura certa de Pixies, Black Sabbath,Velvet Underground e o Nirvana do disco Bleach (1989) – no caso de Perhaps, sons aparecem como correntes sendo arrastadas.
Lançado em junho de 2024, Below the waste é o tipo de disco que afasta roquistas empedernidos. Não é à toa: as faixas do álbum conversam com sensações bem diferentes do habitual. E em alguns momentos, vale dizer, ele exige um pouco mais do ouvinte do que geralmente acontece em outros álbuns recentes.
Nota: 8,5
Gravadora: Rough Trade.
Lançamento: 7 de junho de 2024.
Crítica
Ouvimos: Mynk, “Pleaser” (EP)
![Ouvimos: Mynk, “Pleaser” (EP)](https://popfantasma.com.br/wp-content/uploads/2025/01/ouvimos-mynk-pleaser-ep.jpg)
- Pleaser é o EP de estreia da banda londrina Mynk, formada por Bex Morrison (vocal, baixo), Lewis Clark (guitarra, backing vocal) e Ricky Cato (bateria). A produção foi feita por Faris Badwan (The Horrors, Cats Eyes).
- Boundaries, primeiro single do disco, é sobre “os limites que estabelecemos para funcionar em diferentes situações/relacionamentos; o cruzamento do sacrifício e do hábito se encontra em algum lugar no meio para manter uma conexão. É sobre o questionamento interno relacionável de ‘eu faço/não faço?’ e onde isso leva você, e como você pode se perder nisso”, diz a banda.
O Mynk é uma daquelas bandas que você depara em playlists de novidades e acaba grudando no ouvido. Esse grupo londrino bastante influenciado pelo universo de David Lynch (olha!) mistura no EP Pleaser pós-punk, distorção e batidas diferentes, a ponto de Boundaries soar meio Sonic Youth, meio bossa nova – graças aos vocais da cantora Bex Morrison e ao clima relaxado do ritmo da canção, e também ao tom de “pop noir melancólico” que a banda insere em suas músicas.
Na sequência, o grupo trilha Renewal num corredor oitentista – com um refrão misterioso e que traz uma surpresa a mais na faixa. Shells é um dream pop funkeado e espacial, com um riff de guitarra que lembra New Order e um refrão que ajuda a revirar a faixa (por sinal, a tendência do grupo é investir em refrãos marcantes e que soam diferentes do resto das melodias). The itch encerra o disco num clima que faz lembrar tanto a new rave dos anos 2000 quanto bandas como Talking Heads e Gang Of Four. Disco curto (quatorze minutos) e quase completo.
Nota: 8
Gravadora: Independente
Lançamento: 27 de setembro de 2024
-
Cultura Pop4 anos ago
Lendas urbanas históricas 8: Setealém
-
Cultura Pop4 anos ago
Lendas urbanas históricas 2: Teletubbies
-
Notícias7 anos ago
Saiba como foi a Feira da Foda, em Portugal
-
Cinema7 anos ago
Will Reeve: o filho de Christopher Reeve é o super-herói de muita gente
-
Videos7 anos ago
Um médico tá ensinando como rejuvenescer dez anos
-
Cultura Pop8 anos ago
Barra pesada: treze fatos sobre Sid Vicious
-
Cultura Pop6 anos ago
Aquela vez em que Wagner Montes sofreu um acidente de triciclo e ganhou homenagem
-
Cultura Pop7 anos ago
Fórum da Ele Ela: afinal aquilo era verdade ou mentira?