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Cultura Pop

Love Man: o disco não lançado de Marvin Gaye

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Love Man: o disco não lançado de Marvin Gaye

A situação estava bastante complicada para Marvin Gaye no finalzinho dos anos 1970. O cantor havia alienado parte do seu público com um disco que vendeu bem pouco, Here my dear (1978), e que tratava basicamente de seu divórcio. Got to give up, o último hit de Gaye até aquele momento, saíra em 1977 e mostrava um acento disco que se repetiu em alguns momentos de Here my dear, mas que não representou uma grande mudança de rota na sua carreira.

A solução para Marvin Gaye parecia voltar aos tempos em que soltava a voz em músicas como Let’s get it on e, mais do que tudo, representava sexo nas paradas. Ia ser um desafio: a carreira de Gaye ficara demasiadamente associada ao desregramento (em drogas, problemas pessoais, violência doméstica, lavação de roupa suja) e a músicas com letras que refletiam essa frustração.

Alguns jornalistas até hoje associam essa fase do cantor com um reflexo tardio da geração voz-e-violão dos anos 1970 (David Crosby, Joni Mitchell, Bob Dylan), formada por artistas que transformavam vícios e questões existenciais em músicas. Problemas ali não faltavam: Gaye enfrentava uma dívida enorme com o Imposto de Renda americano, estava sendo processado por músicos e por promotores de show após ter cancelado uma turnê e permanecia viciado em cocaína.

EGO TRIP

Daí Gaye soltou (em setembro de 1979) uma canção dançante chamada Ego tripping out e anunciou que seu próximo disco se chamaria… Love man. A capa chegou a ficar pronta e custou bastante caro à Motown (o que já daria margem para a gravadora falar muito no ouvido do cantor quando o projeto não fosse lançado).

Love Man: o disco não lançado de Marvin Gaye

Logo que Gaye anunciou o nome do disco, por sinal, ouviu que já havia um disco póstumo de Otis Redding, lançado em 1969, chamado Love man. Aparentemente, não se abalou. “Ele era um love man e eu sou outro. Vamos manter o título”, contou.

Tinha outro problema que deixava Gaye dando voltinhas na sala naquele tempo: justamente por ter tirado o foco da música e estar mais preocupado com seus problemas pessoais, o cantor estava sumido do mercado jovem. Rick James, uma nova promessa da Motown, havia tido um encontro breve com ele e, além de dizer que era seu fã, o chamou de “tio Marvin”.

Para abrir caminhos e tentar reaproximá-lo pelo menos da gravadora, o conjunto de canções que faria parte de de Love man acabou sendo apresentado aos executivos da empresa antes do lançamento, ainda em 1979. Marvin recebeu os caciques da Motown com a cara coberta de creme para a pele (alegou depois ao jornalista David Ritz que era “porque tinha um show importante com Diana Ross e quero que ela fique apaixonada por mim”) e tocou as músicas novas. O material era dançante, mas bem mais deprê e amargo do que o normal de Gaye. Não parecia que ia dar certo, mas naquele momento era o que Gaye, afundado em problemas, tinha para apresentar.

DESISTIU

O conceito de Love man acabou sendo deixado de lado conforme Marvin Gaye foi adentrando os anos 1980 e percebeu que não iria conseguir brincar de Prince ou de Rick James na nova década. O cantor manteve várias bases, mas mudou letras e nomes de canções, transformando o que seria um LP confuso (de disco music com letras amargas) num álbum conceitual dançante que girava em torno de temas apocalípticos (!!).

Dance ‘n be happy, basicamente uma música sobre o fim do casamento (tumultuado e repleto de abusos da parte dele) com a segunda esposa, Janis, virou Love party e ficou mais alegrinha. Life is now in session teve o título alternado para Life is for learning. Funk me perdeu boa parte do erotismo da letra original. Ego tripping out, mesmo tendo a ver com o conceito, ficou de fora.

Love Man: o disco não lançado de Marvin Gaye

O álbum passou a se chamar In our lifetime e ganhou uma capa psicodélica e completamente inadequada para aqueles tempos. Mas que mostrou bem o que Marvin queria com o disco: colocar em letras e melodias uma espécie de batalha do bem contra o mal (aparecem dois Marvins duelando numa espécie de jogo futurista). Pra piorar, quando o álbum saiu, em 15 de janeiro de 1981, Marvin odiou o resultado: a Motown já estava de saco cheio das demoras do cantor e mandou, segundo ele, fazer vários acréscimos no disco. Isso aconteceu depois que um de seus músicos pegou os masters do álbum e enviou à gravadora sem seu consentimento.

SÓ EM CD

O material que estaria em Love man só chegou a público quando a Universal, através de um selo de curta duração chamado Hip-O Select, repôs In out lifetime em CD (em 2008) trazendo tudo o que Gaye havia preparado para o álbum como bônus. Nesse relançamento, o nome também ganhou um ponto de interrogação no final. Marvin dizia que sua ironia “havia sido silenciada” pela gravadora quando ela lançou o disco sem a tal interrogação.

In our lifetime foi o penúltimo disco de Gaye (assassinado, como você deve saber, pelo próprio pai em 1984). O cantor saiu fora da Motown após seu lançamento, jurando nunca mais fazer nada por lá. Migrou para a CBS, onde gravou Midnight love (o disco de Sexual healing, de 1982). Com a morte de Gaye, o contrato de três discos do cantor acabou incluindo dois lançamentos póstumos pelo selo. Um deles, Dream of a lifetime (1985), reapresentava o Marvin sacana dos anos 1970 com músicas como Savage in the sack e Masochistic beauty. O curioso é notar que ambas poderiam ser cantadas por alguém como Prince, desde que rearranjadas.

Com infos de Divided soul, The life of Marvin Gaye, de David Ritz

 

Ricardo Schott é jornalista, radialista, editor e principal colaborador do POP FANTASMA.

Cultura Pop

Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

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Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

Tá aí o que muita gente queria: Bruce Springsteen vai lançar uma caixa com sete álbuns “perdidos”, nunca lançados oficialmente. O box vai se chamar Tracks II: The lost albums (é a continuidade de Tracks, caixa de 4 CDs lançada em 1998) e nasceu de uma limpeza que Bruce fez nos seus arquivos durante a pandemia. Pelo que se sabe até agora, o material inclui sobras das sessões de Born in the USA (1984) e gravações da fase eletrônica dele, no comecinho dos anos 1990 – inclusive um disco inteiro desse período, que nunca viu a luz do dia.

Essa notícia caiu nos sites na semana passada e trouxe de volta um detalhe que os fãs de Bruce já conhecem bem: ele tem muito material inédito guardado – e material bom. Em uma entrevista à Variety em 2017, ele mesmo comentou que sabia ter feito mais discos do que os que lançou, mas que havia motivos sérios para manter alguns deles nas gavetas.

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“Por que não lançamos esses discos? Não achei que fossem essenciais. Posso ter achado que eram bons, posso ter me divertido fazendo, e lançamos muitas dessas músicas em coleções de arquivo ao longo dos anos. Mas, durante toda a minha vida profissional, senti que liberava o que era essencial naquele momento. E, em troca, recebi uma definição muito precisa de quem eu era, o que eu queria fazer, sobre o que estava cantando”, disse na época (o link do papo tá aqui – é uma entrevista longa e bem legal).

Com o tempo, vários desses registros acabaram saindo em boxes e coletâneas. Um deles foi The ties that bind, um disco de pegada punk-power pop que seria lançado no Natal de 1979 – e que acabou virando uma espécie de esboço inicial do disco duplo The river, de 1980. Pelo menos saiu uma caixa em 2015 chamada The ties that bind: The River collection, com todo o material dessa época, inclusive o tal disco descartado (além de um material que formava quase um suposto disco de punk + power pop que teria sido abandonado).

Um texto publicado na newsletter do músico Giancarlo Rufatto recorda que Bruce infelizmente deixou de fora do novo box alguns álbuns que realmente mereciam ver a luz do dia. Um deles é um álbum solo (sem a E Street Band, enfim), com uma sonoridade country ’n soul, que foi gravado em 1981. Esse disco teria sido abandonado durante um período de depressão, que resultou em isolamento e na elaboração do disco cru Nebraska (1982), feito em casa com um gravador de quatro canais, só voz e violão.

Bruce até parece fazer referência a esse álbum perdido na entrevista da Variety. “Esse disco é influenciado pela música pop da Califórnia dos anos 70”, contou. “Glen Campbell, Jimmy Webb, Burt Bacharach, esse tipo de som. Não sei se as pessoas vão ouvir essas influências, mas era isso que eu tinha em mente. Isso me deu uma base pra criar, uma inspiração pra escrever. E também é um disco de cantor e compositor. Ele se conecta aos meus discos solo em termos de composição, mais Tunnel of love e Devils and dust, mas não é como eles. São apenas personagens diferentes vivendo suas vidas.”

Outro material bastante esperado pelos fãs – e que também não está na caixa – é o Electric Nebraska, a tentativa de Bruce de gravar com a E Street Band as músicas que acabaram no Nebraska. Nem ele, nem o empresário Jon Landau, nem os co-produtores Steven Van Zandt e Chuck Plotkin gostaram do resultado, e as gravações foram trancadas a sete chaves. Nem em bootlegs esse material apareceu até hoje. Pra você ter ideia, Glory days, que só sairia no Born in the USA (1984), chegou a ser ensaiada e gravada junto.

Quase todo mundo próximo a Bruce acredita que ele nunca vai lançar oficialmente essas gravações elétricas do Nebraska. Max Weinberg, baterista da E Street Band desde 1974 (com algumas pausas), confirmou a existência desse material em 2010, numa entrevista à Rolling Stone, e disse que adoraria ver tudo lançado.

“A E Street Band realmente gravou todo o Nebraska, e foi matador. Era tudo muito pesado. Por melhor que fosse, não era o que Bruce queria lançar. Existe um álbum completo do Nebraska, todas essas músicas estão prontas em algum lugar”, revelou. Bruce pode até guardar discos inteiros na gaveta, mas esse é um daqueles casos em que o silêncio guarda várias histórias – que podem render surpresas bem legais.

E ese aí é o lyric video de Rain in the river, uma das faixas programadas para Tracks II (a faixa sai num disco montado durante a elaboração do box, Perfect world).

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Cultura Pop

Urgente!: Supergrass, Spielberg e um atalho recusado

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Coisas que você descobre por acaso: numa conversa de WhatsApp com o amigo DJ Renato Lima, fiquei sabendo que, nos anos 1990, Steven Spielberg teve uma ideia bem louca. Ele queria reviver o espírito dos Monkees – não com uma nova versão da banda, como uma turma havia tentado sem sucesso nos anos 1980, mas com uma nova série de TV inspirada neles. E os escolhidos para isso? O Supergrass.

O trio britânico, que fez sucesso a reboque do britpop, estava em alta em 1995, quando lançou seu primeiro álbum, I should coco. Hits como Alright grudavam na mente, os vídeos eram cheios de energia, e Gaz Coombes, o vocalista, tinha cara de quem poderia muito bem ser um monkee da sua geração. Spielberg ouviu a banda por intermédio dos filhos, gostou e fez o convite.

Os ingleses foram até a Universal Studios para uma reunião com o diretor – com direito a recepção no rancho dele e papo sobre fase bem antigas da série televisiva Além da imaginação. O papo sobre a série, diz Coombes, foi proposital, porque a banda sacou logo onde aquilo poderia dar. “Talvez eu estivesse tentando antecipar a abordagem cafona que seria sugerida, tipo a banda morando junta como os Monkees”, contou Coombes à Louder, que publicou um texto sobre o assunto.

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A proposta era tentadora. Mas eles disseram não. “Foi lisonjeiro e muito legal, mas ficou óbvio para nós que não queríamos pegar esse atalho”, explicou o vocalista, afirmando ter pensado que aquilo poderia significar o fim do grupo. “Você pode acabar morrendo em um quarto de hotel ou algo assim, ou então a produção quer apenas um de nós para a próxima temporada. Foi muito engraçado, respeitosamente muito engraçado”.

O tempo passou. E agora, em 2025, I should coco completa 30 anos (mas já?). O Supergrass, que se separou no fim dos anos 2000, voltou para tocar o disco na íntegra e alguns hits em festivais como Glastonbury e Ilha de Wight.

Aqui, o trio no Glastonbury de 2022.

Foro: Keira Vallejo/Wikipedia

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Crítica

Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

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Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

Tudo que é mais difícil de explicar, é mais complicado de entender – mesmo que as intenções sejam as melhores possíveis e haja um verniz cultural-intelectual robusto por trás. Isso vale até para desfiles de escolas de samba, quando a agremiação mais armada de referências bacanas e pesquisas exaustivas não vence, e ninguém entende o que aconteceu.

Carnaval, injustiças e polêmicas à parte, o novo Mayhem foi prometido desde o início como um retorno à fase “grêmio recreativo” de Lady Gaga. E sim, ele entrega o que promete: Gaga revisita sua era inicial, piscando para os fãs das antigas, trazendo clima de sortilégio no refrão do single Abracadabra (que remete ao começo do icônico hit Bad romance), e mergulhando de cabeça em synthpop, house music, boogie, ítalo-disco, pós-disco, rock, punk (por que não?) e outros estilos. Todas essas coisas juntas formam a Lady Gaga de 2025.

Algo vinha se perdendo ou sendo deixado de lado na carreira de Lady Gaga há algum tempo, e algo que sempre foi essencial nela: a capacidade de usar sua música e sua persona para comentar o próprio pop. David Bowie fazia isso o tempo todo – e ele, que praticamente paira como um santo padroeiro sobre Mayhem, é uma influência evidente em Vanish into you, uma das faixas que melhor representam o disco. Aqui, Gaga entrega dance music com alma roqueira, um baixo irresistível e um batidão que evoca tanto a fase noventista de Bowie quanto o synthpop dos anos 1980.

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Mais coisas foram sendo deixadas de lado na carreira dela que… Bom, sao coisas quase tão difíceis de explicar quanto as razões que levaram Gaga a criar um álbum considerado “difícil” como Artpop (2013), enquanto simultaneamente mergulhava no jazz com Tony Bennett e preparava-se para abraçar o soft rock no formidável Joanne (2016), um disco autorreferente que talvez tenha deixado os fãs da primeira fase perdidos. Em outro tempo, Madonna parecia autorizada a mudar como quisesse, mas quando Gaga fazia o mesmo, deixava no ar notas de desencontro e confusionismo. O pop mudou, as décadas passaram, o público mudou – e todas as certezas evaporaram.

É nesse cenário que Mayhem equilibra as coisas, entregando um pop dançante, consciente e orgulhoso de sua essência, mas ao mesmo tempo sombrio e marginal. Há momentos de caos organizado, como em Disease e Perfect celebrity – esta última começa soando como Nine Inch Nails, mas, se você mexer daqui e dali, pode até enxergar um nu-metal na estrutura. Killah traz uma eletrônica suja, um refrão meio soul, meio rock que caberia num disco do Aerosmith, enquanto Zombieboy aposta no pós-disco punk, evocando terror e êxtase na pista (por acaso, Gaga chegou a dizer que o disco tem influências de Radiohead, e confirmou o NiN como referência).

Na reta final, o álbum se aventura por outros terrenos: How bad do U want me e Don’t call tonight flertam com o pop dinamarquês dos anos 90 (e são, por sinal, as únicas faixas pouco inspiradas do disco); The beast tem cara de trilha sonora de comercial de cerveja; e Lovedrug mergulha na indefectível tendência soft rock que surge hoje em dia em dez entre dez discos pop. Essa faixa soa como um híbrido entre Fleetwood Mac e Roxette – como se Gaga  estivesse pensando também na programação das rádios adultas de 2035.

O desfecho de Mayhem chega como um presente para o ouvinte: Blade of grass é uma balada melancólica de violão e piano, que ecoa tanto a tristeza folk dos anos 70 quanto a melancolia do ABBA, crescendo em inquietação à medida que avança. E então, como quem perde um pouco o tom, o álbum termina com… Die with a smile, a já conhecida balada country-soul gravada em parceria com Bruno Mars, lançada há tempos como single. Dentro do contexto do disco, ela soa mais como um apêndice do que como um encerramento – uma nota de rodapé onde se esperava um ponto final. Nada que chegue a atrapalhar a certeza de que Lady Gaga conseguiu, mais do que retornar ao passado, unir quase todos os seus fãs em Mayhem.

Nota: 8,5
Gravadora: Interscope
Lançamento: 7 de março de 2025.

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