Crítica
Ouvimos: Jacob Alon – “In limerence”

RESENHA: Jacob Alon revive folk psicodélico e glam à la Bolan/Bowie; In limerence mistura delicadeza, fantasia e feridas queer num disco belo e íntimo.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Island
Lançamento: 30 de maio de 2025
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Se Jacob Alon fosse brasileiro em vez de escocês, a big dick energy local (sem falar na necessidade de catalogação do mercado) não o perdoaria por usar saias, roupas de corte feminino, maquiagem e, às vezes, asas de anjo – como se ele fosse um personagem que saltou de um livro de mitologia para a vida real. O clima é de viagem a um passado distante, já que Jacob é um artista queer alinhado com a transição sessentista do folk hippie para o glam rock.
In limerence, primeiro álbum de Jacob (um cara de 24 anos criado na cidade de Dunfermline, que foi capital do Reino da Escócia entre os séculos 11 e 15), traz de volta as bruxas e pirilampos que rondavam Marc Bolan na época em que o T. Rex se chamava Tyrannosaurus Rex e era uma dupla acústica. Traz também as incertezas e paixões que serviam de assunto para David Bowie em seu disco epônimo de 1969.
- Ouvimos: Blood Orange – Essex honey
Musicalmente, Jacob é um cara de canções bem compostas e lindamente cantadas, evocando Tim e Jeff Buckley, além de Simon e Garfunkel (e os próprios Bowie e Bolan). Essa mistura rola em faixas como Don’t fall asleep, Of amber e Eijah – esta, uma canção triste, com cara de despedida, clima de música tradicional rearranjada, e violão tocado com força e atitude. Ou em Confession, folk misterioso e triste, com ruídos que dão uma cláusula de música noturna e introspectiva, e uma lágrima na voz. Há algo de Joni Mitchell no vocal do folk celta I couldn’t feel her, e uma vibe bruxuleante em Liquid gold 25 – canção psicodélica e fantasmagórica, como que feita para acompanhar um ritual.
O termo “limerence”, que volta e meia é traduzido no Brasil por limerência mesmo, fala de desejos intensos, obsessões pessoais. Não é um nome muito usual em músicas, ou títulos de discos, e aqui serve como um senha de entendimento, e de foco – que abre espaço para fadas, fantasmas e paixões na dedilhada Fairy in a bottle, e para o diálogo intenso e naturalista de Sertralina (“procure os sinais de um salgueiro dançando com o vento / então, rasgue o tronco até que seus dentes arranquem seiva e casca, sangue escorrendo”).
Já a violência homofóbica paira sobre canções como August moon e Confession – esta, Jacob costuma dedicar nos shows a ele mesmo quando criança. E algo de fantasmagórico, como um passado que parece nunca ter existido de verdade, paira sobre o vinhetão Home tapes – instrumental lo-fi feito sobre antigas gravações familiares e caseiras, cortado por um vento sinistro e por mudanças na faixa. No geral, um som que cria outros universos na mente.
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Crítica
Ouvimos: Luvcat – “Vicious delicious”

RESENHA: Luvcat estreia com Vicious delicious, disco de pop nostálgico e lânguido, entre Hollywood vintage, art-pop e sombras pós-punk, com poucos tropeços.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: AWAL
Lançamento: 31 de outubro de 2025
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Luvcat é a segunda encarnação – e o segundo ato de carreira – da britânica Sophie Morgan Howarth, nascida em Liverpool em 1996, e que tem três EPs de folk alternativo lançados como Sophie Morgan. Rola um subtexto pós-punk/britpop na história dela: ainda com seu nome anterior, ela abriu uma turnê dos Waterboys e foi ajudada pelo baixista do The Verve, Simon Jones. Luvcat, seu novo nome artístico, é uma referência ao sucesso do The Cure, The lovecats.
Vale citar que folk e pós-punk são estilos que até aparecem em Vicious delicious, estreia de Luvcat, mas são secundários ou terciários num manifesto pop que, basicamente, é tão nostálgico da velha Hollywood quanto os discos de Lana Del Rey, e tão “lânguido” quanto Lana e Billie Eilish – e cuja estética mexe com as mesmas estranhices pop de vários lançamentos de hoje.
- Ouvimos: Angélica Duarte – Toska
É um álbum pop, feito com um alvo à frente, mas com princípios básicos que o tornam às vezes mais próximo do art-pop, como na sexy e latina Lipstick, no soft rock Alien (música sobre inadequação, drogas e introspecção, com versos como “sempre fui uma de nós / garotinha verde em seu próprio mundo”), a experimentação reggae-pós-punk-gore de Matador (“eu queria amor / mas você quis sangue”). E na onda sofisticada de Dinner @ Brasserie Zedel, com heranças da música francesa, e He’s my man, alt-folk com recordações de Jacques Brel, Scott Walker e David Bowie do começo.
Tem um lado sombrio no disco, como no folk mórbido de Laurie, música de amor tristonho com metais, violão e cordas. Ou na vertigem de The Kazimier Garden, e ono clima meio Siouxsie + David Bowie de Emma Dilemma. Faz parte da lista de sensações visitadas por Luvcat, no disco, embora haja também uma canção que poderia concorrer ao Eurovision (a faixa-título) e algo que faz lembrar o lado praiano e desértico do Roxy Music (Love & money).
Lá pelas tantas, dá para se perguntar até o que o dispensável hard rock country Blushing, que lembra Bon Jovi, está fazendo no disco, já que Vicious delicious, mesmo com uma certa confusão conceitual e musical, tem lados melhores para apresentar.
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Crítica
Ouvimos: Ira Glass – “Joy is no knocking nation” (EP)

RESENHA: EP maníaco do Ira Glass, Joy is no knocking nation mistura pós-hardcore, math rock, fanfarra sombria e ataques free-jazz, criando uma avalanche ruidosa, tensa e coesa.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Fire Talk
Lançamento: 14 de novembro de 2025.
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Vindo de Chicago, o Ira Glass vive de causar estranhamento: é um quarteto escoladíssimo no pós-hardcore e no math rock, mas que às vezes, parece estar querendo repetir eternamente o final de 21 century schizoid man, do King Crimson, com aquele ataque free-jazz de guitarra, baixo, bateria e metais.
Joy is no knocking nation, segundo EP da banda, é basicamente um disco de rock experimental maníaco, soando como uma fanfarra sombria em faixas como It’s a whole “Who shot John” story – faixa, que curiosamente tem vocal em clima grunge e destruidor, chegando a lembrar Alice In Chains. Essa onda de fanfarra do mal chega no seu ápice em fd&c red 40, repleta de vocais guturais e gritos mais chegados do screamo, e no stoner tenso e quebradiço de New guy (Big softie). Nem precisa falar que nomes como James Chance, Wire e Swans pairam sobre todo o repertório do disco, e que o próprio Fugazi, com suas quebras rítmicas, também é citado aqui e ali.
Jill Roth, saxofonista da banda, é um dos responsáveis pela tal cara free-jazz que o Ira Glass tem – e que, felizmente, não surge forçada nem mesmo quando é inserida em momentos mais pesados do disco. Fritz all over you é o mais progressivo e suave que o grupo parece querer soar, mas sempre numa onda sombria. No fim, That’s it/That? That’s all you can say?, entre gritos e vocais demoníacos, soa como uma música tocada ao contrário, uma roda de ruídos presa numa corrente igualmente ruidosa. Uma porrada bem elaborada, mesmo quando parece que tudo saiu do controle.
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Crítica
Ouvimos: Jerk – “As night falls”

RESENHA: Jerk mistura soul, smooth jazz, city pop e MPB instrumental em um álbum curto e hipnótico, cheio de fusão psicodélica, clima noturno e achados sonoros.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: DeepMatter Records
Lançamento: 14 de novembro de 2025
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Com um nome artístico bem autodepreciativo, Jerk (ou Joshua Kinney, seu nome verdadeiro) pode soar como um daqueles sujeitos que falam da alegria e da tristeza do perdedor – pelo menos quando a gente lê o nome dele por aí. Nada a ver: As night falls, seu novo álbum, é basicamente uma mescla de soul, smooth jazz, jazz fusion, drum’n bossa, city pop, sons psicodélicos e MPB instrumental transante na onda de Lincoln Olivetti e Robson Jorge. Nas oito curtas faixas do disco (que dura 20 minutos), ele toca de tudo: guitarra, baixo, flautas, saxofone, sintetizador, piano Rhodes – a bateria fica com a amiga e colaboradora Martina Wade.
As night falls é a primeira parte de um projeto dividido em dois discos (ele fala que são dois EPs, mas o disco figura como álbum nas plataformas). Aliás, ele também diz aqui que cada lançamento representa “dia” e “noite”, e que se lançasse as 16 faixas de uma só vez, o disco poderia nem ser tão ouvido, já que é “difícil captar a atenção das pessoas hoje em dia”.
Seja como for, As night falls captura a atenção imediatamente, especialmente de caçadores de raridades nos sebos. A faixa-título abre com violão e flauta, chegando a lembrar Dori Caymmi – até que ganha programação eletrõnica e som comandado pelo piano elétrico e pelos beats enérgicos. Dance beneath the dripping moon e o soul latino Stealthy, she moves! soam como sobras jazzísticas de Robson e Lincoln. Incoming, A divine wrath e Set adrift são jazz fusion psicodélico e vaporoso.
Wading, com percussão relaxante e clima quase espacial, tem tom musical de mergulho – segundo o próprio Jerk, que quase pôs na faixa o nome de “underwater” (subaquático), e decidiu dar à faixa uma cara diferente e experimental, usando pedais de guitarra em todos os instrumentos. Emergence and reckoning tem beat brasileiro, som derretido (com guitarra parecendo que vem de uma fita antiga) e metais. Uma viagem sonora daquelas.
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