Cultura Pop
Guilherme Lamounier: cult e de volta em vinil

A receptividade ao segundo LP do compositor carioca Guilherme Lamounier (1950-2018), quando saiu em agosto de 1973, foi discreta. O álbum foi um dos raros discos nacionais que a gravadora Continental lançou pelo selo Atco (ligado à gravadora americana Atlantic), aproveitando o contrato que a empresa tinha com a Warner, que lhe permitia lançar LPs de bandas como Led Zeppelin, Yes e Emerson, Lake & Palmer no Brasil. Ainda assim, o disco epônimo, que foi relançado recentemente em vinil pelo selo português Mad About Records, teve tempo de se tornar uma obra bastante cultuada nos últimos quinze anos.
As poucas cópias do vinil colocadas à disposição no dia 21 de junho já se esgotaram na gravadora, embora alguns revendedores ainda tenham para vender. Para quem não conseguir comprar, o Mad About oferece o álbum digital no Bandcamp, à venda por 9 euros. Todo o trabalho foi feito pelo selo junto à Warner de Portugal.
“Comprei esse disco do Lamounier na minha primeira visita a São Paulo, acho que em 2003. Um amigo com quem andava a fazer compras de vinil chamou-me a atenção e me sugeriu”, conta Joaquim Paulo, dono do selo, que nunca tinha escutado falar em Lamounier. E acabou levando o LP assim que muita gente ouvia falar do álbum, por intermédio de downloads.
NAS PLATAFORMAS
Além do disco no Bandcamp, a Warner, só que a brasileira, animou-se para colocar Guilherme Lamounier (ou Guilherme Lamounier 1973, como ele se tornou conhecido entre fãs) nas plataformas. Alguns admiradores do disco criticam o som do disco no Spotify, preferindo a versão publicada no Bandcamp. O álbum chegou a ser remasterizado para um lançamento em CD há alguns anos, mas não chegou às lojas porque, consultado na época, Guilherme não concordou com o contrato de relançamento.
Viúva de Guilherme, Marcia Weber diz que ainda não há planos para novos lançamentos, embora o cantor tenha deixado um mundo de singles e EPs em gravadoras como Continental, Som Livre e Philips. O terceiro LP de Guilherme, igualmente com o nome dele no título, saiu em CD há alguns anos pelo selo Discobertas. O primeiro, lançado em 1970 pela Odeon (um doce para quem adivinhar o título) está nas plataformas digitais sem a capa original.
PSICODÉLICO
Guilherme Lamounier é apontado como “psych rock” em sites de vendas, mas lisérgica de verdade só mesmo a última faixa do disco, Cabeça feita, um hard rock com participação de Lanny Gordin na guitarra. O disco é repleto de baladas, das mais delicadas (Patrícia, Telhados do mundo, Capitão de papel) às mais intensas (Passam anos, passam Anas, uma balada blues cujo clima sonoro lembra, duas décadas antes, os discos do Black Crowes).
O disco era a segunda tentativa de Guilherme de dar certo, após um início fracassado como protegido de Carlos Imperial. O cantor chegou a ser vaiadíssimo num festival em 1970, mas porque Imperial, por trás dele, apareceu vestido de índio, com uma fantasia do Cacique de Ramos. As vaias não eram para Guilherme, mas o cantor ficou extremamente traumatizado e desapareceu por alguns anos, até retornar com o novo disco.
O repertório do LP de 1973 foi todo composto por Guilherme e Tibério Gaspar, ex-letrista de Antonio Adolfo. Antonio saíra do Brasil e Tibério, que conhecia Guilherme desde que ele era um adolescente de Copacabana, ficara espantado com as novas melodias do amigo. O repertório dos dois saía influenciado pelos novos nomes do bittersweet: James Taylor, Carole King, Carly Simon, além do clima Woodstock de Crosby, Stills, Nash & Young. Uma tendência que não havia aqui.
DEMOROU
Tibério e Guilherme começaram a compor em 1971 e logo conseguiram chamar a atenção de André Midani, da Philips, que se interessou pelo disco. Houve problemas com a censura “Passam anos era para ser Entre anos, entre Anas, porque Ana era um nome recorrente na minha obra. A censura cortou porque achou que era uma referência ao coito anal”, contou Tibério, morto em 2017. Cabeça feita, mesmo com versos como “a cabeça feita não marca bobeira”, passou.
Guilherme acabou se afastando – um comportamento errático que marcaria sua carreira, e que muitos creditam a problemas psicológicos. E a Philips desistiu do disco. Só em 1973, quando Tibério e ele nem compunham mais juntos, a Continental se interessou e contratou o cantor. Tibério reapareceu para ser fotografado com o amigo para a capa interna, meio chateado com o fato do lançamento ter ocorrido numa gravadora bem mais modesta que a Philips. “Esse som ia estourar aqui”, lamentou. O álbum foi gravado em São Paulo, mas com time de músicos quase todo do Rio – incluindo Luiz Claudio Ramos (violão) e Oberdan Magalhães (sopro).
SUCESSO DE RÁDIO EM PORTO ALEGRE
Guilherme gravou até 1975 na Continental – chegou a sair um EP em 1975 com a mesma capa do LP de 1973, trazendo uma mistura de faixas de compactos (como Me deixa viver como bicho na terra) com músicas do álbum. Mas o artista que se tornou popular rolou a partir de 1977, quando Enrosca estourou na trilha da novela Locomotivas. O álbum de 1973 encontrou pouco espaço em rádios e TV.
“Lembro de ouvir Guilherme na rádio Mundial, mas minhas memórias dele são mais dançantes. Mas lembro dos nomes das músicas Será que eu pus um grilo na sua cabeça? e Cabeça feita“, conta a radialista carioca Selma Boiron. O jornalista gaúcho Emilio Pacheco, no entanto, conta ter ouvido bastante GB em alto relevo e Mini-Neila em Porto Alegre, executadas pela histórica Rádio Continental, que pertencia ao Sistema Globo de Rádio, transmitia na frequência 1120 AM e fazia sucesso entre os jovens do Rio Grande do Sul. E que, por acaso, tinha um estilo de programação parecido com o da Mundial.
ESCOLHAS PRÓPRIAS
“As músicas brasileiras que tocavam na Continental raramente eram as ‘de trabalho’ indicadas pelas gravadoras com aquele carimbo da setinha. O diretor de programação Marcus Aurélio Wesendonk fazia suas próprias escolhas. Então, do Sérgio Sampaio, tocava Viajei de trem. Do Jorge Ben, entre outras, Errare humanum est. A versão de Medo de avião, do Belchior, que a Continental tocava em 1979 era a mais lenta, com parceria de Gilberto Gil”, recorda Emílio, que ouviu Mini-Neila em dezembro de 1973, num rádio-relógio no quarto de seus pais.
“O locutor sempre tinha algo a dizer no começo de cada música e, nesse caso, lembro bem que ele disse: ‘Joia brasileira’. Então eu já sabia que viria uma música brasileira. Era Mini- Neila. A Continental sempre dizia os autores das músicas brasileiras, então o locutor falou no final: ‘Guilherme Lamounier, dele e do Tibério Gaspar, Mini Neila‘. Eu me apaixonei pela música”, recorda ele, que considera o álbum um dos melhores discos de música brasileira de todos os tempos, mas não se sentiu muito atraído pela continuidade da obra do cantor.
Emilio não comprou o disco na época, mas lembra-se do álbum exposto nas vitrines das lojas de Porto Alegre. “O que tocava na Continental geralmente virava sucesso entre os jovens, mas não lembro de ter visto o LP em nenhuma lista de mais vendidos dos jornais locais. Meu irmão tinha o LP e o trouxe para tocarmos nas nossas ‘reuniões dançantes'”, conta. “De certa forma, me lembrava a fórmula do Elton John, em que canções acessíveis traziam letras sofisticadas. E Guilherme tinha ótima voz”.
FÃS RECENTES
O preço do álbum de Lamounier, de lá para cá, já variou bastante. Exemplares de 1973 já foram vistos à venda por mais de R$ 1.000. Já o site Discogs traz vendas do relançamento da Mad About por preços entre R$ 150 e R$ 200. “Eu só tive três cópias desse LP do Guilherme em 25 anos. Por aqui ele quase não apareceu. O preço dele seria algo em torno de R$ 2 mil, né?”, diz Eduardo Lemos, dono da loja de discos Melômano, de Maringá (PR). O EP de Guilherme com a mesma capa do LP, aliás, pode ser achado nas mãos de alguns vendedores pelo mesmo preço de R$ 2 mil.
Em 2003, Guilherme Lamounier, o disco, fez 30 anos. Quem ouviu o álbum de lá para cá, aproveitou-se de uma onda típica do começo da web 2.0: os blogs de MP3, além das antigas comunidades do Orkut também dedicadas a divulgar arquivos de discos antigos – zipados e compartilhados em sites como Rapidshare e Sendspace. Impossível precisar quantos downloads do disco foram feitos dessa forma. Essa redescoberta animou até mesmo o Kid Abelha a gravar uma das faixas do disco, Será que eu pus um grilo na sua cabeça?, em 2005.
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O radialista e jornalista Bruno Capelas é um desses fãs que conheceram o disco já na era digital, tirado do vinil e transformado em MP3, e se assusta com o fato de uma obra dessas ter passado despercebida quando saiu.
“Desde as primeiras vezes que escutei esse disco, eu me surpreendi com duas coisas: a primeira é a capacidade do Guilherme Lamounier de escrever melodias pop-rock de uma sensibilidade rara. A segunda é porque raios esse disco passou despercebido”, afirma ele, que apresenta o Programa de indie, na Rádio Eldorado. “Não é só uma mera questão de refrães: é um disco com apuro estético – a flauta do Oberdan em GB e os coros de Neila, enquanto escrevo, não me deixam mentir. É sofisticado, mas ao mesmo tempo simples. E além de tudo, tem as letras do Tibério Gaspar, que é outro cara incrível e que precisa ser redescoberto, sempre”.
“É um disco que nem em sua época gerou muito barulho, então faz sentido que nem as gravadoras direito se lembrem dele. Mais legal é pensar que agora ele deixou de ser um artigo empoeirado em MP3 e YouTube, e que está disponível no streaming. É uma diferença pequena, mas que faz a diferença para a sobrevivência de uma obra nos dias de hoje. Doido pra colocar Mini Neila na minha playlist de powerpop. Agora só falta esperar chegar Enrosca, na versão original, pra inserir numa mixtape virtual pro crush”, brinca
TRABALHO
Um desses fãs da era digital foi bastante tocado pelo disco, a ponto de juntar forças com a viúva de Lamounier pelo resgate de sua obra. Alípio Argeu, músico baiano de 26 anos, montou a conta do Instagram Guilherme Lamounier Oficial, que dá imagem à vida e obra do cantor, com fotos raras, matérias de jornal e artes exclusivas. Recentemente resgatou um vídeo com uma vinheta instrumental feita pelo Guilherme em casa, em 2007, além de uma gravação dele cantando De frente pra realidade.
Alípio fez até mesmo o texto para o relançamento da Mad About, e vem procurando material de Guilherme em jornais e gravadoras. “O trabalho está andando. Conseguimos localizar amigos do Guilherme e fãs afim de contribuir de alguma forma com esse resgate”, afirma o pesquisador. “Os contatos estão acontecendo pelas redes sociais entre anônimos e famosos, como Fábio Stella, Rosa Marya Collin, entre outros”.

Guilherme e Marcia Weber, em 2007 (foto: divulgação)
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Cultura Pop
Urgente!: E não é que o Radiohead voltou mesmo?

Viralizações de Tik Tok são bem misteriosas e duvidosas. Diria, inclusive, que bem mais misteriosas do que as festas regadas a cocaína, prostitutas de Los Angeles e malas de dólares que embalavam os nada dourados tempos da payola (jabá) nos Estados Unidos. Mas o fato é que o Radiohead – que, você deve saber, acaba de anunciar a primeira turnê em sete anos – conseguiu há alguns dias seu primeiro sucesso no Billboard Hot 100 em mais de uma década por causa da plataforma de vídeos. Let down, faixa do mitológico disco Ok computer (1997), viralizou por lá, e chegou ao 91º lugar da parada
A canção, de uma tristeza abissal, já tinha “voltado” em 2022 ao aparecer no episódio final da primeira temporada da série The bear – mas como o Tik Tok é “a” plataforma hoje para um número bem grande de pessoas, esse foi o estouro definitivo. Como turnês de grandes proporções nunca são marcadas de uma hora pra outra, nada deve ter acontecido por acaso. E tá aí o grupo de Thom Yorke anunciando a nova tour, que até o momento só incluirá vinte shows em cinco cidades europeias (Madri, Bolonha, Londres, Copenhague e Berlim) em novembro e dezembro.
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O batera Phillip Selway reforçou que, por enquanto, são esses aí os shows marcados e pronto. “Mas quem sabe aonde tudo isso vai dar?”, diz o músico. Phillip revela também que a vontade de rever os fãs veio dos ensaios que a banda fez no ano passado – e que já haviam sido revelados em uma entrevista pelo baixista Colin Greenwood.
“Depois de uma pausa de sete anos, foi muito bom tocar as músicas novamente e nos reconectar com uma identidade musical que se arraigou profundamente em nós cinco. Também nos deu vontade de fazer alguns shows juntos, então esperamos que vocês possam comparecer a um dos próximos shows”, disse candidamente (esperamos é a palavra certa – a briga de faca pelos ingressos, que serão vendidos a partir do dia 12 para os fãs que se inscreverem no site radiohead.com entre sexta, dia 5, e domingo, dia 7, promete derramar litros de sangue).
Enfim, o que não falta por trás desse retorno aí são meandros, reentrâncias e cavidades. O Radiohead, por sua vez, investiu no lado “quando eu voltar não direi nada, mas haverá sinais”. Em 13 de março, dia do trigésimo aniversário do segundo disco da banda, The bends, o site Pitchfork noticiou que a banda havia montado uma empresa de responsabilidade limitada, chamada RHEUK25 LLP. – sinal de que provavelmente alguma novidade estava a caminho. Poucos dias depois, um leilão beneficente em Los Angeles sorteou quatro tíquetes para “um show do Radiohead a sua escolha”. Muita gente levou na brincadeira, mas algumas fontes confirmaram que o grupo tinha reservado datas em casa de shows da Europa.
Depois disso – você provavelmente viu – surgiram panfletos anunciando supostos shows do grupo em Londres, Copenhague, Berlim e Madri, ainda sem nada oficialmente confirmado, até que tudo virou “oficial”. Pouco antes disso, dia 13 de agosto, saiu um disco ao vivo do Radiohead, Hail to the thief – Live recordings 2003-2009 (resenhado pela gente aqui). Com isso, possivelmente, os fãs até esqueceram a antipatia que Thom Yorke causou em 2024, ao abandonar o palco na Austrália, quando foi perguntado por um fã sobre a guerra entre Israel e Palestina.
O site Stereogum não se fez de rogado e, quando a turnê ainda não estava oficialmente anunciada (mas havia sinais) chegou a perguntar num texto: “E aí, será que eles vão tocar Let down?”. No último show da banda, em 1º de agosto de 2018 (dado no Wells Fargo Center, Filadélfia), ela era a nona música, logo antes da hipnotizante Everything in its right place. Seja como for, já que bandas como Talking Heads e R.E.M. não parecem interessadas em retornos, a volta do Radiohead era o quentinho no coração que o mercado de shows, sempre interessado em turnês nostálgicas, andava precisando. Que vão ser vários showzaços e que muitas caixas de lenços serão usadas, ninguém duvida.
Texto: Ricardo Schott – Foto: Tom Sheehan/Divulgação
Cultura Pop
Urgente!: E agora sem o Ozzy?

Todo mundo que um dia se sentiu meio estranho e ouviu Ozzy Osbourne na hora certa, foi levado para um universo bem melhor, e para sempre. Tudo começou com uma banda, o Black Sabbath, que já era um verdadeiro errado que deu certo – um ET musical que fazia som pesado quando mal havia o termo “heavy metal” e que falava de terror na ressaca do sonho hippie. E prosseguiu com a lenda de um sujeito que gravou álbuns clássicos como Blizzard of Ozz (1980), Diary of a madman (1981) e No more tears (1991) – eram quase como filmes.
Ozzy pode ser definido como um cara de sorte – e também como um cara que abusou MUITO da sorte, mas pula essa parte. A depender daqueles progressivos anos 1970, não havia muito o que explicasse o futuro de Ozzy Osbourne na música. Em várias entrevistas, Ozzy já disse que não sabia tocar nenhum instrumento quando começou – na verdade nunca nem chegou a aprender a tocar nada. Tinha a seu favor uma baita voz (mesmo não ganhando reconhecimento algum da crítica por isso, Ozzy sempre foi um grande cantor), um baita carisma, ouvido musical e a disposição para encarnar o estranho e o inesperado no palco em todos os shows que fazia.
Imortalizada em livros como a autobiografia Eu sou Ozzy, a história de Ozzy Osbourne é um daqueles momentos em que a realidade pode ser mais desafiadora que a ficção. Afinal, quem poderia imaginar que um garoto da classe trabalhadora britânica se tornaria o que se tornou? Talvez tenha sido até por causa das dificuldades, que também moveram vários futuros rockstars ingleses da época – ou pelo fato de que o rock e a música pop do fim dos anos 1960 ainda eram quase mato, universos a serem desbravados, com poucos parâmetros. Seja como for, se hoje há artistas de rock que se dedicam a discos e a projetos que parecem ter saído da cabeça de algum roteirista bastante criativo, Ozzy teve muita culpa nisso.
Fora as vezes que o vi no palco, estive frente a frente com Ozzy apenas uma vez, numa coletiva de imprensa do Black Sabbath – da qual Tony Iommi não participou, por estar se recuperando de uma cirurgia (havia tido um câncer). Seja lá o que Ozzy pensasse da vida ou de si próprio, me chamou a atenção o clima de quase aconchego da sala de entrevistas (acho que era no hotel Fasano): um lugar pequeno, com ele e Geezer Butler (baixista) bem próximos dos repórteres. Que por sinal não eram inúmeros.
Já havia feito entrevistas internacionais antes mas nunca imaginei estar tão perto de uma lenda do rock que eu ouvia desde os doze anos. Fiz uma pergunta, ele respondeu, e eu, que sempre fiquei nervoso em entrevistas (imagina numa coletiva com o Black Sabbath!) voltei pra casa como se tivesse ido cobrir um buraco que apareceu numa rua no Centro. Não que não tenha me dedicado à pauta, mas era o Ozzy e eu estava… numa tranquilidade inimaginável.
Ozzy também já me deu uma entrevista por e-mail, em 2008, em que reafirmou sua adoração por Max Cavalera, disse que não tinha ideia se a série The Osbournes havia levado seu nome a um novo público, e reclamou da MTV, “que virou uma versão adulta da Nickelodeon”. Também disse que nunca diria nunca a seus então ex-companheiros do Black Sabbath (“nos falamos por telefone e quando as agendas permitem, nos encontramos”).
Nesse papo, Ozzy só se irritou quando fiz uma pergunta que envolvia o Iron Maiden, que tinha passado recentemente pelo Brasil, ou estaria vindo – não lembro mais. “Bom, não sei te responder, pergunta pro Iron Maiden!”, disse, em letras garrafais (todas as respostas foram em caixa alta). Lembro que ri sozinho e fui bater a matéria.
Até hoje só acredito que isso tudo aí aconteceu (e não é nada perto do que uns colegas viveram com Ozzy e o Black Sabbath) porque vi as matérias impressas. Mas acho que antes de tudo, consegui humanizar na minha mente um cara que eu ouvia desde criança. Ozzy era de carne e osso, respondia perguntas, tinha lá seus momentos de irritação e, enfim, mesmo tendo o fim que todo mundo vai ter, viveu bem mais do que muita gente. E mudou vidas.
Texto: Ricardo Schott – Foto: Divulgação
Crítica
Ouvimos: Justin Bieber – “Swag”

RESENHA: Swag, novo disco-surpresa de Justin Bieber, mistura lo-fi, trap e synth pop com vibe indie e desleixo calculado. Musicalmente rico, mas com letras rasas.
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Justin Bieber opera hoje num universo de, vamos dizer assim, venda fácil e compreensão difícil. Ser um cantor branco de r&b significa basicamente que você vai ter que fazer shows, gravar discos e existir no show business, de modo geral, no limite da polêmica. Afinal, tanto r&b quanto rap são áreas de artistas negros, ligadas a um histórico que se estende ao soul, e a vivências pessoais – e o mundo mudou o suficiente para que o mercado quase entenda o peso de certas coisas.
Por quase entenda, leia-se que, na maioria dos casos, tudo pode ser resolvido por uns posts nas redes sociais e uma tour pelos lugares certos, com as pessoas corretas. Mas pra piorar um pouco, nos últimos tempos, Justin andava brotando mais no noticiário de fofoca do que nos cadernos de cultura. As notícias eram sobre cancelamentos de shows, brigas com a mulher Hailey, relacionamentos supostamente mais do que íntimos com o rapper P. Diddy e supostos abusos de substâncias.
E, bom, o que faz um astro como Justin Bieber numa hora dessas? Para calar a boca de uma renca de gente durante um bom tempo, ele simplesmente lança um disco novo do mais absoluto nada – e este disco é Swag, uma epopéia de quase uma hora, com 21 faixas. E antes de mais nada, Swag consegue colocar de vez Justin numa espécie de “espírito do tempo” pop no qual artistas como Taylor Swift, Rihanna, Beyoncé e Miley Cyrus já se encontram há um bom tempo.
Esse tal (hum) zeitgeist significa que tais artistas – seguindo uma linhagem que inclui de Beatles a Marvin Gaye – decidiram se libertar de amarras para fazerem o que bem entendem. Ou seja: discos de protesto, álbuns com design musical troncho, feats que os fãs vão estranhar, projetos com produtores pino-solto, singles com referências que o fã-clube vai ter que buscar no Google, lançamentos com fotos de divulgação distorcidas – ou capas no estilo meu-sobrinho-fez.
De modo geral, são artistas que podem se dar ao luxo de perder alguns fãs, em nome de verem seus álbuns se tornarem (vá lá) pretensos barômetros do nosso tempo, ou pelo menos crônicas pessoais-autoficcionais. Alguns exemplos: Brat, de Charli XCX, trouxe a zoeira da noite de volta. Hit me hard and soft, de Billie Eilish, foi importante na onda de música sáfica. GNX, de Kendick Lamar, explora misérias existenciais e brigas no showbusiness. Vai por aí. Fazer disco com “desencucação” virou, mais do que nunca, coisa de roqueiro – aposto que você se divertiu muito com Cartoon darkness, de Amyl and The Sniffers, e ficou assustado/assustada com as teorias geradas por Brat.
Se a essa altura do meu texto você já está prestes a desistir de ler, por eu ainda não ter dito se Swag vale seu tempo precioso, aqui vai: vale, e muito. Justin já vinha de uma tradição de álbuns ligadíssimos na atualidade – o melhor deles é Purpose, de 2015. Swag tem um subtexto de “libertação”, já que Bieber acaba de dar adeus a seu empresário de vários anos, Scooter Braun (um adeus que vai lhe custar mais de 30 milhões de dólares, por sinal). E traz o cantor investindo em climas lo-fi, sons texturizados, vibes derretidas e muita coisa que virou moda de uma hora para a outra.
O G1 disse que Swag é um disco chato. Eu discordo bastante, mas o The Guardian chegou perto da realidade ao dizer que as letras prejudicam o novo álbum – de fato, a poética de Swag tem a profundidade de um pires. Já musicalmente, a diversão é garantida até para quem nunca ouviu nada do cantor. Bieber e sua turma de produtores e parceiros transformam trap e sons lo-fi em pop adulto, em faixas muito bem feitas e bem acabadas, como All I can take, a estilingada Daisies, o bedroom pop Yukon e a viajante Go baby.
O design musical de Swag é minimalista, e boa parte das músicas têm aquele clima de desleixo estudado do indie pop atual. Things you do tem guitarras decalcadas do The Police e silêncios entre vozes e sons, Butterflies é uma gravação quase caseira que vai crescendo, e faixas como First place, Way it is, Sweet spot e Walking away unem synth pop, modernidades, sons derretidos e tentativas de emular Michael Jackson.
Já Dadz love, com o rapper Lil B, evoca Prince, com tecladeira dos anos 1980 e texturas de 2025. A vibe dos Rolling Stones, e das voltas do grupo britânico em torno do soul e do r&b, dáo as caras em Devotion e na vinheta Glory voice memo. Uma curiosidade é o trap da faixa-título, com participações de Cash Cobain e Eddie Benjamin, e um verso proscrito sobre cocaína (“seu corpo não precisa / de nenhuma linha prateada”) que aparentemente só o Spotify transcreveu.
Vale dizer que, tentando tomar de volta o controle da própria narrativa, Justin derrapa feíssimo ao decidir colocar em Swag três diálogos com o comediante negro norte-americano Druski. Num deles, o humorista diz a ele que “sua pele é branca, mas sua alma é negra, Justin” (o cantor só responde um “obrigado” desajeitado) – em outro, o assunto inclui paparazzi e redes sociais. No final, quem ouve o disco inteiro é “premiado” com a estranhíssima presença do cantor gospel Mavin Winans ocupando sozinho a última música – o cântico religioso Forgiveness.
Enfim, é Bieber buscando legitimidade para o autoperdão e para a própria carreira de cantor branco de r&b – e mandando recados de maneira tão desajeitada que Swag, um excelente disco, quase rola escada abaixo. Swag não resolve todas as questões em torno de Justin Bieber – mas quando acerta, lembra que, às vezes, é melhor fazer do que explicar.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Def Jam
Lançamento: 11 de julho de 2025
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