Crítica
Ouvimos: Goldie Boutilier – “Goldie Boutilier presents… Goldie Montana”

RESENHA: Goldie Boutilier lança Goldie Montana, álbum retrô-pop que mistura yacht rock, sixties e disco, criando a persona fora-da-lei Goldie.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7,5
Gravadora: ONErpm
Lançamento:5 de setembro de 2025
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Existe um clima retrô-pop no som de Goldie Boutilier que vai acabar fazendo com que você queira ouvir o som dela de qualquer jeito. Após alguns EPs que fizeram sucesso, Goldie estreia com o álbum Goldie Boutilier presents… Goldie Montana. Não chega a ser um disco enormemente conceitual, mas se existe algum conceito aqui é o da versão fora-da-lei de Goldie, inspirada em tropos narrativos do cinema – a mulher que segue em frente, não olha pra trás, não pede desculpas, comete todos os abusos e excessos que quer, e vê um mundo inteiro se abrir à sua frente por causa dessas escolhas.
Tanto que o disco abre com King of possibilities, soft rock que parece uma versão rocker de Mentira, hit de Marcos Valle – aquele mesmo clima, um piano Rhodes parecido, mas o timão guiado mais pro som do Steely Dan. A letra fala sobre pílulas para dar calma, pílulas pra levantar o astral, diversão a todo momento e seguir em frente. Uma música que ela disse à Atwood Magazine ter sido inspirada num primo que é “o tipo de homem que não se desculpa”.
Alguém pode alegar que, com isso aí, Goldie inspirou-se mais no lado escroto da masculinidade do que numa forma real de empoderamento – faz sentido, só que assim, a graça toda do disco vai ralo abaixo. O fato de Goldie ser uma personagem meio bandida, que ganha dos homens nos próprios jogos deles, é o que torna mais interessantes músicas como o soft rock Neon nuptials (em que a voz de Goldie soa igual à de Stevie Nicks), a onda meio sixties, meio disco-music de Snake eyes e a diversão solitária de I can’t. Esta, um som com herança tanto do country-rock quanto de bandas como The Killers – em cuja letra Goldie avisa que “estou me tocando e chamando seu nome”.
Há uma lei famosa nos mandamentos pop de hoje: farás de conta que o yacht rock é um estilo musical cujo sucesso nunca passou. Sendo assim, Goldie Montana é um disco cheio de referências a Fleetwood Mac fase Rumours e a Steely Dan (Who are you gonna worship now chega a parecer uma montagem dos dois), incluindo nessa equação muito de clima sixties (I am the rich man – pop classudo que parece citar Shocking Blue e seu Venus – e a sombria At the end of the war) e algo que faz lembrar Pretenders (Terrible things, que tem versos ótimos: “eu fiz coisas terríveis, mas não me arrependo de nada / se você estivesse onde eu estive, não estaria me julgando”). E por acaso, o disco tem um vinheta instrumental chamada Yacht is sinking – embora tenha também uma espécie de música stoner de strip tease, Favorite fear.
Em algum momento, fica a impressão de ouvir um disco que não avança em relação ao que vem sendo feito hoje com as mesmas ideias musicais – e que o personagem Goldie Montana é que vai fazer você curtir o disco, mais do que a música. Como se trata mais de uma apresentação de personagem do que de um disco conceitual de verdade, muita coisa no álbum é mais mencionada do que aprofundada. Não é uma regra, tem muita coisa no álbum que dá para colocar numa playlist dos melhores momentos de 2025 e seguir em frente – mas é um disco cujo resultado é quase tão vaporoso quanto sua própria personagem principal.
Vale citar que, no final, com At the end of the war, Goldie Boutilier zoa a diversão do macho-alfa de forma impiedosa: “No fim da guerra, eles abaixaram suas espadas / e limparam o sangue, e sacudiram a lama (…) / até que tudo que você podia ver eram homens de joelhos / é isso que significa ser livre? / preciso de ketamina para o meu transtorno de estresse pós-traumático”.
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Crítica
Ouvimos: Buckingham Nicks – “Buckingham Nicks” (relançamento)

RESENHA: Buckingham Nicks ressurge como pérola do soft rock setentista: um disco intenso, country-rock e pré-Fleetwood Mac, cheio de tensão, charme e ótimas canções.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Rhino Records
Lançamento: 19 de setembro de 2025
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Daria até para dizer que Buckingham Nicks, único disco do casal Lindsey Buckingham e Stevie Nicks, lançado em 1973 – dois anos antes da dupla se juntar ao Fleetwood Mac – é o típico disco “pouco ouvido e muito falado”. Nem tanto: à medida que o FM ia fazendo sucesso, o álbum ganhava reedições em alguns países durante os anos 1970 e 1980. Nos últimos anos, era bastante baixado na internet e ouvido no YouTube. Só não tinha saído em CD nem estava disponível nas plataformas digitais.
O álbum de Stevie e Lindsey pertence a um limbo dos discos feitos por antigos casais e que hoje habitam uma espécie de cantinho da vergonha – consigo lembrar também do bizarro Two the hard way, gravado pelo então casal Greg Allmann e Cher em 1977, e nunca (nunquinha mesmo) reeditado. A diferença é que se Buckingham Nicks não fosse um puta disco, Mick Fleetwood, baterista e co-fundador do FM, não teria achado nada demais quando um produtor chamado Keith Olsen lhe apresentou à ótima música Frozen love. Em busca de uma liga nova para o grupo, Mick acho que aqueles dois desconhecidos eram a solução (e eram, diga-se).
- Mais Fleetwood Mac no Pop Fantasma aqui.
- Recentemente, Madison Cunningham e Andrew Bird regravaram todo o disco Buckingham Nicks como… Cunningham Bird. Resenhamos aqui.
Olsen tinha produzido Buckingham Nicks, lançado sem repercussão alguma pela Polydor em 1973. Mais que isso: foi ele quem conseguiu o contrato com a gravadora, numa época em que ele até hospedava o casal. O som do disco era um soft rock afirmativo e dramático, enraizadíssimo no country, em faixas como Crying in the night, a blues-ballad Crystal, o belo country-rock Long distance runner (marcado pelos vocais fortes de Stevie) e a curiosa Don’t let me down again, que além da referência beatle no título, tem ecos de Get beck, do quarteto de Liverpool.
Um detalhe: se em Rumours, disco de 1977 do Fleetwood Mac, o casal ficava se alfinetando nas músicas, Buckingham Nicks parece igualmente um ótimo espaço para a dupla fazer comentários sobre como andava a vida por aqueles tempos – a vida profissional e a vida íntima. Races are run, balada bittersweet abolerada e folk – na onda de You’ve got a friend, de Carole King – parece uma ode ao fracasso: “corridas são disputadas / algumas pessoas vencem / algumas pessoas sempre têm que perder”.
Provavelmente nem Stevie devia se iludir de que quem mandava ali era o então namorado – ainda que, conversando com Mick Fleetwood, ele exigisse levá-la junto com ele para o Fleetwood Mac, alegando que o casal formava um time de criação. Lindsey ainda protagoniza dois instrumentais (que, na boa, desandam bastante o disco). A balada soft rock Frozen love, que abre com a voz solo de Lindsey, parece um hino de ódio mútuo, que depois ganha uma bela e extensa parte instrumental, com cordas e solos de violão.
Stevie também teve que engolir a exigência da gravadora de que o casal posasse sem roupa (nada explícito) para a foto de capa. Enfim, tempos difíceis, mas o que aguardava o casal – Stevie, em particular – eram períodos bem melhores e de mais autoafirmação.
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Crítica
Ouvimos: Anika, Jim Jarmusch – “Father, mother, sister, brother” (trilha sonora do filme)

RESENHA: Sai trilha de filme Father, mother, sister, brother, de Jim Jarmusch. As músicas são feitas pelo cineasta com Anika e o material revisita Nico e mistura versões sombrias e ambients estranhos.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7,5
Gravadora: Sacred Bones
Lançamento: 14 de novembro de 2025
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Já anunciado pela plataforma Mubi para estreia em breve no Brasil, Pai, mãe, irmã, irmão, novo filme de Jim Jarmusch tem nomes como Tom Waits, Adam Driver, Mayim Bialik, Charlotte Rampling e Cate Blanchett no elenco, e é repleto de reencontros entre pais, mães e filhos – além de descobertas e recordações estranhas. Uma curiosidade pré-filme (a não ser que você já o tenha baixado da Torrentflix ou Nettorrent, ou o tenha visto na Mostra de Cinema de São Paulo há poucas semanas) é a trilha dele, feita pela cantora e compositora alemã Anika ao lado do próprio diretor.
Aqui mesmo no Pop Fantasma eu cheguei a afirmar que Anika soava como uma filha perdida de Nico e Iggy Pop, só que criada por Lou Reed e tendo Ian Curtis como padrinho. Isso com certeza não passou despercebido a Jim, que conheceu a cantora em 2022, na celebração do 15º aniversário do selo Sacred Bones. O primeiro convite feito a ela foi para que regravasse These days, música tristíssima de Jackson Browne que Nico havia gravado em seu primeiro disco solo, Chelsea girl (1968). Duas versões da mesma música estão no disco – a melhor delas é a “Berlin version”, gravada em Berlim, com Anika acompanhada pelo quarteto de cordas Kaleidoskop.
These days é cheia de versos depressivos, que já dão a entender o clima da “comédia-drama” de Jim (“ultimamente, tenho pensado em como todas as mudanças aconteceram na minha vida / e me pergunto se verei outra estrada”, “por favor, não me confronte com meus fracassos / eu não os esqueci”). Além desse clássico da tristeza musical, a única outra música não-autoral do disco é uma versão do jazz divertido Spooky, imortalizada por Dusty Springfield – a releitura é cevada na experimentação, com voz, baixo, estalar de dedos e teclados.
O restante da trilha de Father, mother, sister, brother (nome original) são momentos sonoros do filme transformados em vinhetas ou faixas instrumentais, com Anika e Jim dividindo teclados e guitarras com efeito. Daí surgem ambients assustadores (as duas versões de Skaters), temas tranquilos (as duas The lake), pura psicodelia (The world in reverse) e sons meditativos (Jet lag, com teclados e cítara). Nem tudo se sustenta longe do filme, mas vale bastante pela referência história a Nico.
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Crítica
Ouvimos: Afterhourless – “No friends at dusk” (EP)

RESENHA: Afterhourless lança No friends at dusk, EP ruidoso e etéreo: shoegaze puro, entre My Bloody Valentine, Ride e noise pop, num cartão de visitas potente e espacial.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Spleen Teen / Shore Dive Records
Lançamento: 7 de novembro de 2025
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Projeto musical brasileiro que ganha lançamento no Reino Unido (em vinil e CD!) pela Shore Dive Records, o Afterhourless é uma criação do músico Rafael Panke, de bandas como Ruído/MM e Delta Cockers. É um projeto solo ao extremo: no EP No friends at dusk, Rafael compôs tudo, canta, toca todos os instrumentos, produziu, gravou e fez a mixagem. Também garantiu uma pureza shoegazery às quatro faixas, que seguem quase 100% à risca a receita do rock melodioso e ruidoso.
- Ouvimos: Young Couple – YC
Coriolis, centrifugal love abre o disco com guitarras em forma de nuvem espessa, e vocal afundado nos sons de guitarra – faz bastante lembrar Jesus and Mary Chain e o começo do Ride, com mudanças de som que deixam a música mais bonita e contemplativa. Glass barricade / Silica blues tem clima mais próximo do que já se chamou noise pop, com doçura guitarrística e riffs econômicos mais próximos do pós-punk.
Na sequência, o EP apresenta o clima espacial de The route to Andromeda, lembrando uma mescla de My Bloody Valentine e Velvet Underground. E encerra com o shoegaze igualmente espacial, mas carregado de um “algo mais” pop-punk, de Unused space. Um cartão de visitas ruidoso e etéreo.
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