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Crítica

Ouvimos: Dolly Parton, “Rockstar”

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"Rockstar": Dolly Parton reúne Paul e Ringo em disco voltado para o rock
  • Rockstar é o 49º disco da cantora country norte-americana Dolly Parton. Tem trinta músicas, misturando autorais (e releituras de autorais) com covers de sucessos do rock – estas, perfazem a maior parte do álbum. Dolly teve a ideia do disco ao ser indicada para o Rock And Roll Hall of Fame em 2022.
  • O disco tem vários convidados, entre eles pessoas que cantaram ou compuseram as faixas originais – Paul McCartney e Ringo Starr surgem em Let it be (Beatles), Elton John em sua Don’t let the sun go down on me, Debbie Harry em Heart of glass (Blondie). Tem também Lizzo, P!nk, Ann Wilson (Heart), Simon Le Bon (Duran Duran) em músicas próprias ou não.
  • O disco tem quatro capas diferentes: Dolly aparece dirigindo um automóvel, segurando uma guitarra, montada numa motocicleta ou usando um tapa-olho de couro em forma de estrela. Outras edições do álbum incluem Dolly relendo seu sucesso Jolene ao lado do Mäneskin e uma versão ao vivo de seu hit Rockin’ it.

Quer fazer sucesso no pop, no rock, quem sabe até no r&b, hip hop e estilos afins? Confira o que andaram fazendo em suas carreiras estrelas do country como Dolly Parton, Kenny Rogers, Willie Nelson e vários outros.

Lá fora, nenhum artista foge de incluir referências do estilo musical norte-americano para ganhar aquele ar heartland, alcançar um público maior (melhor dizendo: chegar mais perto das paradas norte-americanas) e conseguir números mais expressivos: de Beatles e U2 a Foo Fighters, todo mundo em algum momento entrou ou vai entrar nessa. Aqui no Brasil, o apego de várias estrelas do sertanejo aos repertórios de nomes como Titãs, NXZero, Pitty e Capital Inicial (várias duplas incluem músicas deles em seus shows) é um belo recado. E os arranjos de músicas como À sua maneira (Capital), Razões e emoções (NXZero) e Enquanto houver sol (Titãs) fazem todo sentido do mundo quando comparados ao “rock alternativo” norte-americano dos anos 2000, repleto de influências do country.

Dito isso, esse conjunto de trinta músicas (mais de duas horas de duração!) lançado por Dolly Parton, contendo várias covers de rock e a primeira canção autoral dela (World on fire) a atingir uma parada de rock, faz mais sentido ainda. É uma cantora e compositora de country, mulher trabalhando e ganhando dinheiro num meio machista, homenageando o rock e mostrando o quanto ele deve ao estilo musical que ela defende. Satisfaction, dos Rolling Stones (com P!nk e Brandi Carlile) perde peso e vira hit de agroboy roqueiro. Heart of glass, do Blondie (com Debbie Harry) já era country-punk-disco e ninguém percebia – o mesmo acontecendo com I hate myself for loving you, hit de Joan Jett, com a própria dividindo os vocais com Dolly.

No geral, não há nenhuma releitura inusitada no disco – talvez nem desse para imaginar Dolly (por sinal em ótima forma vocal aos 77) querendo reler Sex Pistols, Clash, White Stripes ou qualquer coisa do tipo. Seguindo a linha, tem o que não soa deslocado ou parece quase óbvio, como Magic man (do Heart, com Ann Wilson), Stairway to heaven (do Led Zeppelin, com Lizzo, a flauta de Sasha e um coral), Don’t let the sun go down on me (de Elton John, com o próprio). De emocionar, tem Dolly encarando os dez minutos de Free bird, do Lynyrd Skynyrd, acompanhada pela própria banda. Let it be com Paul McCartney e Ringo Starr (e Peter Frampton e Mick Fleetwood) faz parte do departamento de exageros musicais, digamos – mas até isso faz parte.

Nota: 7
Gravadora: Butterfly/Big Machine

Foto: Reprodução da capa do álbum

 

Crítica

Ouvimos: Kathryn Mohr, “Waiting room”

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Ouvimos: Kathryn Mohr, "Waiting room"
  • Waiting room é o novo álbum da musicista californiana Kathryn Mohr. O disco foi concebido durante um mês que ela passou numa vila de pescadores de Stöðvarfjörður, no leste da Islândia. A moradia-estúdio de Kathryn no local foi uma sala de concreto sem janelas, iluminada por uma fileira de lâmpadas multicoloridas – que aparece na capa do álbum.
  • “Os jovens são expostos a todos os tipos de mídia, sem razão ou cuidado. É a mesma coisa na vida – você nunca espera o que vai acontecer a seguir ou quão horrível pode ser. Em um segundo você está assistindo a um documentário sobre a natureza, no momento seguinte a reprodução automática mostra alguém tendo o braço arrancado em um elevador. O inesperado do horror, como ele é jogado sobre você, imposto, por outras pessoas, governos, demônios pessoais, algoritmos ou puro acaso, é chocante para mim”, conta ela sobre o disco e sobre uma das faixas, Elevator.

Kathryn Mohr chega com um primeiro álbum que parece sussurrar do além. Waiting room não é só um disco sombrio – é quase um ritual, sem pressa, sem concessões, que envolve o ouvinte num ambiente rarefeito. Letras, músicas e arranjos parecem um véu que, ao ser tirado, revela muito do dia a dia, dos medos terrenos e até das cidades-fantasma pessoais de cada um de nós.

Por acaso (ou não), a faixa-título, que encerra o disco trazendo Kathryn acompanhada por um órgão de tubo, transforma o amor em algo vazio, utilitário, pleno de carências e de misoginia, prestes a ser descartado: “Meu amor é uma cadeira vazia/meu amor é uma sala de espera (…)/meu amor é uma árvore podre/meu amor é um floppy disk”, diz a letra.

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Waiting room, a música, ainda assim, é um raro momento de respiro melódico num disco sobrenatural. Em quase todo o álbum, Kathryn canta e toca violão e guitarra em meio a vários efeitos sonoros – sem nenhuma bateria ou percussão, com exceção do batimento cardíaco de Cornered e de alguns ruídos mais ou menos ritmados em Prove it. Músicas como as gêmeas Diver e Driven foram feitas para assustar e embevecer: os sons desafinam aos poucos, vozes aparecem invertidas e o design sonoro parece evocar presenças invisíveis, como se vultos pudessem ser ouvidos além de vistos.

Petrified é um misto de PJ Harvey, Kurt Cobain e Neil Young, em que Kathryn parece uma folk singer do além, cantando e tocando de pernas cruzadas em cima de uma tumba. Elevator, um grunge fantasmagórico, é para quem tem paixão por sangue, morbidez, automutilação e terror: “Ponho meu braço na porta/o elevador de andar em andar, de andar em andar (…)/e agora meu membro começa a sangrar/eu perco meu braço na manga”. A já citada Cornered, após o tal batimento cardíaco, ganha uma gravação de caixa postal anunciando que “você ligou para um número que foi desconectado ou não está mais em serviço” – e prossegue com três minutos de samples aterrorizantes, numa vibe desassociativa, de transe post-mortem.

A “sala de espera” do disco de Kathryn explora o medo do desconhecido, além das estranhas vibrações (e atrações) ligadas àquilo que Raul Seixas disse que “talvez seja o segredo desta vida”. Mas no fundo, Waiting room não é só sobre morte – é sobre o que nos assombra enquanto ainda estamos aqui.

Nota: 8,5
Gravadora: The Flenser
Lançamento: 24 de janeiro de 2025.

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Crítica

Ouvimos: Anna B Savage, “You & I are Earth”

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Ouvimos: Anna B Savage, "You & I are Earth"
  • You & I are Earth é o terceiro álbum da musicista Anna B Savage, londrina que reside hoje na Irlanda. O release do álbum o define como “um disco que é tanto sobre cura quanto sobre um senso de curiosidade inabalável e, mais simplesmente, ‘uma carta de amor a um homem e à Irlanda’ (…) O disco testemunha um pedaço específico da terra – a Irlanda, e o relacionamento de Savage com ela como seu novo lar”.
  • “Para aquele disco (in/Flux, segundo álbum, lançado há dois anos) eu estava trabalhando quase dois anos atrasada e eu só precisava lançá-lo. Mas eu já sabia que esse novo álbum estava chegando, então, quando eu estava escrevendo, eu meio que canalizei algumas coisas para o futuro, o que foi uma tarefa mental interessante para mim mesma”, contou Anna B Savage site The Line Of Best Fit.

Música, natureza e amor se entrelaçam em You & I are Earth, terceiro álbum de Anna B Savage. Já no título, a cantora sugere um universo íntimo e particular, um planeta criado a dois, enquanto a capa evoca uma música das matas. Entre ecos de sonoridades celtas e irlandesas — reflexo de sua vida de artista inglesa vivendo em Dublin — e nuances quase progressivas ou próximas do jazz, o disco cria uma atmosfera mágica, envolvente e, por vezes, hipnótica, num folk contemplativo e experimental.

You & I are Earth é invadido por sons de mata na quase new age Talk to me, que abre o álbum e revela a voz simultaneamente forte e angelical de Anna B Savage. Os ruídos da natureza seguem em Lighthouse, um folk maduro e contemplativo, guiado pelo balanço envolvente de um baixo acústico. A bela Agnes, uma dos maiores destaques do álbum, funde a melancolia dos Smiths e a vibe agridoce do folk setentista. É importante falar que as letras do disco, carregadas de romantismo, às vezes flertam com uma idealização amorosa que soa um tanto fora de lugar. Isso fica evidente na delicada The rest of our lives, quase camerística, ou no folk celta de Donegal, onde juras de amor eterno dominam o tom.

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Mon cheol thú (“você é minha música”, uma expressão de louvor tradicional na Irlanda) abraça o encantamento do amor com versos como “você é minha música/você é minha musa/eu vou cantar por horas/e escrever um álbum sobre você”). A melodia, outro destaque do álbum, começa como um folk pastoril, dedilhado na guitarra, e vai ganhando corpo com a entrada de cordas e sopros. A relaxante Big & wild e o folk-quase-valsa de I reach for you in my sleep também são invadidas por imagens mais ternas do amor.

Nem tudo no conciso You & I are Earth é perfeito. Mas trata-se de um disco ora etéreo e meditativo, ora arrebatador, e que convida à imersão, sempre com a força da emoção em primeiro plano.

Nota: 8
Gravadora: City Slang
Lançamento: 24 de janeiro de 2025.

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Crítica

Ouvimos: Rei Lacoste, “O que você ouve/O que houve com você”

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Ouvimos: Rei Lacoste, "O que você ouve/O que houve com você"
  • O que você ouve/O que houve com você é uma mixtape do produtor e artista multimídia baiano Rei Lacoste. “Tive participações de pessoas muito especiais: Dunna, Giovani Cidreira, Bebé, Tangolomangos, Juçara Marçal, cajupitanga, Davzera, Vênus Não É Um Planeta, Clara SFX, Volúpia, Clarisse Lyra, além da mixtape ser produzida por mim e Zepeto (que também fez todas as masters)”, diz o artista ao site El Cabong.
  • “A mixtape é um trabalho que dentre suas investigações e limitações, estão questões com a própria linguagem. Quando Rita Lee morreu, eu tive o contato com um tweet dela que dizia: ‘Obrigada Música por sempre estar lá quando ninguém mais está’. Isso me pegou legal (…)  No meu caso a música está num lugar central. Como Ferreira Gullar disse: ‘A arte existe porque a vida não basta’. Para mim a arte está neste lugar de fazer a vida bastar, de fazer com que as pessoas não se matem”, continuou na entrevista.

O conceito de mixtape, muitas vezes, passa batido para quem não é do ramo da criação de beats, ou da turma do hip hop. Muitas vezes é enxergado como um quase-álbum, com repertório bem fornido, mas que de modo geral apenas serve como preparação para um trabalho mais elaborado. Ou como um laboratório de criação que chegou ao público, com testes de melodias, de beats, de convidados.

No caso do baiano Rei Lacoste, a mixtape O que você ouve/O que houve com você é um álbum pronto para ser ouvido do começo ao fim – uma experiência musical concisa, envolvente e cheia de personalidade. Com apenas 30 minutos de duração, o novo trabalho do cantor, compositor e produtor se revela uma verdadeira carta de amor à música e à sua capacidade de criar conexões, provocar identificação e fazer companhia para quem escuta.

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O rap lento e sinuoso de Cavalo (com participação de Zepeto) embala o ouvinte, enquanto Sem paz mistura funk e hip hop para traduzir em sons e versos o turbilhão emocional de uma ressaca amorosa, com a presença marcante de Dunna. Já Ghosting, um soul-reggaeton com participação de Giovani Cidreira, traz um relato melancólico sobre a ausência de alguém: “é noite de novo, te espero/ninguém bate à porta/sua vida lá fora acontece/eu sei, mas é foda”.

O que você ouve prossegue com a MPB marítima e romântica de Metade, o batidão entre funk, axé e r&b de Sem ódio na pista, e o inventário de vacilos e perigos do dia-a-dia da intensaLeão do Norte, que destaca o batidão quase psicodélico, com samples da trilha do filme La planete sauvage de Rene Laloux. A letra não economiza nas mensagens afiadas: “seu nome na dedicatória não vale sua paz, não vale sua glória (…)/perdemos só os falsos amigos/duvidoso medo da verdade/preferem perder os braços para não te aplaudir/querem teu bem mas só pela metade”.

Destaque também para Sem contrato, parceria com Juçara Marçal, que evoca as raízes afro-brasileiras e soa como o grande hit de um bloco de Carnaval, pulsante e cheio de energia. Na mesma vibe percussiva, Pareando reforça a conexão entre ritmos e experimentação. E, no desfecho, Rei Lacoste, Giovani Cidreira e o projeto baiano Cajupitanga se unem no refinado senso melódico e rítmico de Me dê um beijo.

Com O que você ouve/O que houve com você, Rei Lacoste reafirma seu talento como um artista bom de mistura – um cara que une ritmos, sentimentos e vivências em um trabalho que é, ao mesmo tempo, experimental e acessível. E muito sensível.

Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 24 de janeiro de 2025.

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