Cultura Pop
Freddie Gage e o disco que ninguém ouviu (mas todo mundo riu)
Você provavelmente já viu a capa de All my friends are dead, um dos LPs de pregação lançados pelo evangelizador norte-americano Freddie Gage, morto em 2014 aos 81 anos.
Ela sempre aparece nas matérias de “piores capas de discos de todos os tempos”, ao lado de clássicos dos quais todo mundo riu, como Back to the s**t, de Millie Jackson (1989) e o sobrenatural Massa falida, da dupla sertaneja Duduca e Dalvan (lançado em 1986 e com uma faixa-título cuja letra poderia ter sido feita por bandas punk nativas como Garotos Podres ou Cólera).
Ouvir o disco do Freddie que são elas. Você não encontra o álbum no YouTube, nem no Vimeo, nem no Soulseek. O Discogs o classifica como um disco de “sermões religiosos” e põe seu preço no mercado como girando entre R$ 66,81 e R$ 367,59. Achá-lo em sites de leilões de discos não é coisa das mais fáceis.
Se você ficou chocado com a capa do disco, talvez tenha certo assombro com a contracapa, que transforma em números o culto a Freddie Gage (que se intitulava o “pregador do submundo”, em meio ao sonho hippie, partindo de uma igreja em Lynchburg, Virginia). Na Thomas Road Baptista Church, na época (desconhecida) em que o disco foi lançado, 60 mil pessoas ouviram as pregaçoes de Gage durante oito dias. 1.498 tomaram “decisões” e 850 “aceitaram Jesus Cristo”. O culto se estenderia para mais de 12.000 pessoas em uma turnê pelas escolas.
O texto da contracapa também afirma que Gage costumava pregar em colégios que viviam o flagelo das drogas – o que indica que a ideia dele era, bem, salvar os fãs do Jefferson Airplane e do Grateful Dead. Vale afirmar que Gage também jogou o conteúdo do disco num livro (a capa você vê abaixo e o conteúdo, o pastor liberou para ler de graça em seu site).
Ele também gravou um disco bem mais direto no assunto, intitulado The drug epidemic, em 1969. Mas achar qualquer um dos dois é tarefa para maluco por discos raros. No Amazon, o LP “tem mais acabou”, só que em outra edição, com o nome de Drugs and youth.
Para quem se interessa por doideiras no setor de discos raros, vale falar que Freddie Gage não soltou esses álbuns à própria custa. Ele era uma das estrelas de uma gravadora chamada Rainbow Sound, cujo slogan era “um mundo de sons coloridos”, e era dirigida por um pastor batista chamado Charles Massegee.
A gravadora era uma espécie de Motown do gospel do Sul dos EUA, com estúdios e engenheiros de som próprios. Em plena era da psicodelia, tinha muita gente interessada no que os pastores e cantores gospel da Rainbow tinham a dizer, já que o selo soltou uma média de 200 álbuns entre 1969 e 1971 – mais que muita gravadora ligada à música pop, digamos.
Até o momento, uma busca no YouTube revela nada a respeito da Rainbow – os discos não estão lá e ninguém se interessou em fazer nem mesmo um curta-metragem sobre a história do selo. Mas a novidade para quem se interessa mesmo por coisas malucas do mundo dos discos é que um colecionador pôs todas as capas e descrições de LPs que conseguiu encontrar neste blog aqui.
Já o material da gravadora… Bom, digamos que se você adora capas estranhas e bizarras, bateu na porta certa. Alguns dos álbuns parecem ter sido feitos por versões cristãs de grupos vocais inocentes como os que frequentavam as paradas de sucesso nos anos 1970. E tem Sonshine, de um cara chamado Chip Stalnecker, lançado em 1978. Esse disco tem até uma regravação de Bridge over troubled water, de Simon & Garfunkel, e a capa lembra a de um disco de Tim Buckley.
Cultura Pop
No nosso podcast, o recomeço de John Lennon entre 1969 e 1970
No começo de sua carreira solo, John Lennon era um artista brigão, politizado, dado a excessos, que estava de cara virada para seus ex-colegas de Beatles, e que havia encontrado um pouco de paz em seu relacionamento com a artista asiática Yoko Ono. Em meio a isso, alternava protestos, álbuns experimentais (ambos feitos com a nova esposa) e seus primeiros singles, com músicas guerrilheiras como Cold turkey e Instant karma!
Entre 1969 e 1970, parecia que acontecia de tudo na vida dos Beatles. E por tabela, na vida de John, que vivia um dia a dia de brigas, entrevistas malcriadas, gravações novas, ameaça de falência, problemas no novo casamento e um processo de autodescoberta que aconteceu depois que um certo livro apareceu na sua caixa de correio… A gente termina a temporada de 2024 do nosso podcast, o Pop Fantasma Documento, recordando tudo que andava rolando pelo caminho de Lennon nessa época. Termine de ouvir e ataque a super edição turbinada de John Lennon/Plastic Ono Band (1970) que chegou às plataformas em 2020. E, ei, não esqueça de escutar Yoko Ono/Plastic Ono Band, que saiu junto do disco de John.
Século 21 no podcast: Juanita Stein e Caxtrinho.
Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify e no Deezer .
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch (foto: reprodução internet). Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.
(temos dois episódios do Pop Fantasma Documento sobre Beatles aqui e aqui).
Crítica
Ouvimos: The Cure, “Songs of a lost world + Songs of a live world: Live Troxy London MMXIV” (ao vivo)
Sério que Songs of a lost world, álbum novo do The Cure, já ganhou rapidamente uma edição deluxe com um registro ao vivo de todas as faixas do álbum? Sim, ganhou essa edição acrescida do rabicho Songs of a live world: Live Troxy London MMXIV. Até porque se o disco já fez bastante sucesso, a noite de lançamento do álbum foi inesquecível – com um show da banda em 1º de novembro no Troxy London, tocando todo o repertório do começo ao fim, além de vários hits. E é justamente o repertório do disco executado nessa noite, ao vivo, que surge como “disco 2” do álbum.
O Cure, redescoberto por novas gerações e por uma turma que não necessariamente é fã deles, mas curte os hits e gosta de curtir uma fossa, meio que vai tentando dar uma de U2: além de oferecer mais um mimo para os fãs, a banda vai doar todos os royalties deste lançamento para a instituição de caridade War Child. Na loja online do grupo existe um hotsite (ainda se usa esse termo?) só para as diferentes versões de Songs of a live world e para duas edições diferentes em vinil vermelho de Songs of a lost world: uma deles apenas com o disco original, e outra em formato duplo, trazendo as músicas em versões instrumentais no disco 2 (reparem bem: Songs tem músicas em que o vocal começa quase no fim da faixa, e que já são quase instrumentais, mas aí vai quem quer).
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O show inteiro daquela noite possivelmente você já viu no YouTube (se não viu, veja lá embaixo deste texto). E possivelmente você ficou impressionado/a como o The Cure voltou disposto a se transformar num espetáculo. Só que sem as presepadas do Coldplay e sem os truques de mágica do U2: é só a banda, num cenário escuro e esfumaçado, com muito peso e imponência visual e auditiva. As músicas do álbum transportadas para o “ao vivo” soam um pouco mais humanizadas, especialmente no caso de canções que, no disco, eram torrentes de ruído, como Warsong e Alone.
And nothing is forever destaca a magia dos teclados que, rearranjados, poderiam estar até num disco do Péricles – esse lado popularzão sem deixar de ser “dark” sempre foi uma das grandes forças do Cure. A ambiência do Troxy deixou músicas como I can never say goodbye (feita por Robert com o pensamento na morte de seu irmão mais velho Richard) e Endsong bem menos robóticas e desprovidas de qualquer traço de frieza. Se o disco novo do Cure é triste, a contrapartida ao vivo é a prova de que o show é feito para fãs que curtem chorar baldes ouvindo música. E tá tudo bem.
Nota: 9
Gravadora: Fiction/Polydor
Crítica
Ouvimos: Dead Boys, “Live in San Francisco”
A Cleopatra Records, uma gravadora de Los Angeles que se dedica a lançar em edições oficiais-ou-quase antigos discos piratas (boa parte deles de punk rock, psicodelia e pedradas obscuras dos anos 1960) revisita agora o catálogo de bootlegs dos Dead Boys, com esse Live in San Francisco.
O show foi gravado em 2 de novembro de 1977, na época de lançamento da estreia do grupo, Young, loud and snotty (1977) e já esteve nas lojas com vários nomes: Live 1977, Live in Old Waldorf (local em San Francisco onde rolou o tal show), Down in flames, etc. Não muda o fato de que é um piratão legítimo, com qualidade de gravação de demo antiga (foi tirado na verdade de uma transmissão da emissora KSAN-FM) e sem muitos tratamentos. Mostra pelo menos o peso do grupo na época, além de uma seleção de faixas de Young, além de algumas que sairiam só no segundo álbum, We have come for your children (1978).
O material dos Dead Boys seria bastante influente em gerações posteriores do punk, do power pop e até do rock pauleira (Guns N’Roses, por exemplo). A abertura com Sonic reducer e All this and more mostra um estilo de punk rock herdadíssimo de artistas como Alice Cooper, Ramones, David Bowie, Rolling Stones, New York Dolls. Um som que, mesmo antes do vocalista Stiv Bators abrir a boca, já se impunha pela atitude, pelas microfonias e pelo clima descompromissado musicalmente – no nível da desafinação em alguns momentos, como em All this and more, a desbocada Caught with the meat in your mouth e outras, todas aplaudidas por uma plateia audivelmente pequena, mas animada.
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- Stiv Bators: o “outro nome” do punk em documentário
- Entrevista: Frank Secich fala sobre a pouco lembrada (e ótima) carreira solo de Stiv Bators
Flame thrower love, que sairia só no segundo disco, está no álbum ao vivo e já trazia uma diferença em relação ao material anterior: era uma canção punk basicamente construída em cima de um riff pesado, algo bem mais próprio do hard rock. A destrutiva Son of Sam, entre gritos de Stiv e viradas erradíssimas do baterista Johnny Blitz, era formada por uma estranha mescla de pós-punk deprê e acordes poderosos na linha do The Who. No final, a cacofonia de Down in flames, cantada por Bators quase sem voz, e a homenagem aos Stooges com a releitura de Search and destroy, com microfonias no fim.
Os Dead Boys não sobreviveriam, pelo menos inicialmente, ao excesso de drogas, às incompreensões do mercado e a seu próprio comportamento destrutivo. O grupo voltou em 2017 e recentemente anunciou um disco gravado por uma turma all-stars, liderada pelo guitarrista original Cheetah Chrome – disco esse que já causou polêmica porque o vocalista Jake Hout acusa a banda de querer usar a voz do falecido vocalista Stiv Bators em IA. Só vendo, mas o passado, com todos os seus defeitos e qualidades, tá aí.
Nota: 7,5
Gravadora: Cleopatra Records
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