Cultura Pop
A curtíssima fase de Brian Robertson (Thin Lizzy) no Motörhead

O Motörhead quase teve que cancelar uma turnê em maio de 1982, após a saída repentina do guitarrista “Fast” Eddie Clarke. Segundo consta, porque o músico ficou bastante irritado de ter que tocar numa releitura de Stand by your man, do repertório da cantora country Tammy Wynette, que a banda fizera com participação da cantora Wendy O. Williams.
Esse giro a primeira tour da banda pelos Estados Unidos como atração principal. E a baixa de Clarke levou Lemmy Kilmister (baixo e voz) e Phil “Philty Animal” Taylor (bateria) a sair ligando desesperadamente para todo mundo que pudesse ocupar a vaga. Foi nessa que Brian Robertson foi parar na posição de guitarrista do Motörhead por uns tempos. Brian era ex-guitarrista do Thin Lizzy e, naquele momento, tentava começar uma carreira solo.
“A resposta dele foi: ‘OK, por que não? Tudo em nome da diversão’. Nós o conhecíamos por alguns anos, mas era sempre em estado de embriaguez extrema”, contou Phil. O músico lembra que adorava o estilo de Robertson. Phil era fã do Thin Lizzy e o via como um guitarrista ágil, capaz de preencher a vaga de Clarke o mais rápido possível.
Robertson ganhou um punhado de fitas cassete da banda. Deveria ouvir tudo, com a finalidade de aprender todo o repertório de palco do Motörhead em dezesseis horas para fazer um show já no dia seguinte. Por acaso, não havia alguém para ajudá-lo nas guitarras: ele deveria fazer bases e solos.
Aparentemente deu tudo certo, já que Robertson assinou contrato para gravar um (e apenas um) disco e deixou Lemmy e Phil satisfeitos. O baterista admitiu que o novo guitarrista deixou o som do Motörhead mais “musical”. O que, na prática, significa falar que o novo guitarrista era bem mais técnico e exigia mais da banda. Logo numa das primeiras conversas com o grupo, Robertson disse ter se surpreendido com o fato do Motörhead não ser apenas “dois acordes e um monte de barulho” e ter uma estrutura musical por trás.
Em 4 de junho de 1983 sairia o único disco de Brian com o Motörhead, Another perfect day.
Another está longe de ser o disco mais popular do grupo. Bem ao contrário: o repertório foi sumindo dos shows da banda. A capa, uma obra estranhamente psicodélica feita pelo desenhista usual do grupo, Joe Petagno, foi elogiada por Lemmy, que disse que os fãs iriam “adorar ver aquilo” enquanto tomavam LSD. Por sinal, o desenho foi feito em oito dias por Petagno, que estava viajando com a mulher e a filha (e tentando se livrar do vício da cocaína) e se encontrava num lugar que nem tinha telefone. Ele foi achado por Lemmy via telegrama. Fez o desenho apoiado numa caixa de cerveja, sem nem ter ouvido uma música sequer.
E o período de Robertson, mesmo com as qualidades dele como músico, acabaram deixando uma marca estranha na história do Motörhead por alguns detalhes básicos. Primeiro, a banda ficou estressada com o músico no estúdio: rápidos ao extremo, Lemmy e Taylor tinham que lidar com um guitarrista que, segundo o baixista, demorava “dezessete horas para fazer uma parte de guitarra”.
Os críticos metiam o pau no Motörhead de qualquer jeito, e com o disco novo não foi exceção. As opiniões de Lemmy quanto a Another perfect day variam: o líder do Motörhead declarou gostar do disco, mas anos depois falou que se tratava do “ponto mais baixo” da carreira do Motörhead.
Mas o que deixou a banda irritada mesmo foi que Lemmy e Taylor tinham que dividir o palco com um guitarrista que usava calções de cetim (costumeiramente usados para ir à academia malhar) e sapatos durante os shows. E que, na prática, tinha um visual bem mais inofensivo que os outros dois.
“Isso era só para encher meu saco”, vociferou Lemmy certa vez. “Ou para deixar claro que ele não havia assumido sua posição na banda e era só um convidado especial, fazendo um favor do alto da sua fama como guitarrista do Thin Lizzy”. Por sinal, ninguém no grupo era santo, mas Lemmy e Taylor também alegavam que havia um problema no fato de Robertson beber muito e não segurar a onda antes dos shows.
Por sinal, havia um detalhe sobre Robertson que deixaria qualquer fã xiita do Motörhead desanimado. O guitarrista estava crescendo o olho para o mercado do tecnopop e da música eletrônica (que Lemmy execrava). E era um dos participantes do Helden, projeto que unia o compositor de cinema Hans Zimmer e Warren Cann, baterista do Ultravox. Esse projeto (que merecia aparecer no POP FANTASMA) lançou dois singles entre 1983 e 1985, e gravou um álbum cheio de participações especiais, Spies, que nunca foi lançado oficialmente.
Nessa entrevista aqui, Robertson diz que ao entrar no grupo, deixou claro que não poderia tocar certas coisas da banda, porque “aquilo não era ele”. E que de início Lemmy concordou com isso, mas as coisas desandaram.
Seja como for, assim que ficou definido que Robertson não funcionara na banda, ele saiu do grupo. Na sequência, acabou substituído por dois guitarristas. Eram o desconhecido Michael Burston (conhecido como Würzel) e o mais conhecidinho Phil Campbell. Phil tocava numa banda que chegou a abrir para o Motörhead, Persian Risk. Finalmente Taylor, surpreendendo Lemmy e os fãs, deixou o grupo em seguida. E acabou substituído por um ex-baterista do Saxon, Pete Gill.
Enfim, fique aí com um show inteiro da turnê de lançamento de Another perfect day. É tão pirata e tão mal filmado que mal dá pra ver que tipo de roupa Robertson veste no palco.
Veja também no POP FANTASMA:
– Um box lembra aquela época em que o Motörhead invadiu as paradas de sucesso
– Motörhead em 1987: Lemmy sem o baixo e maquiado igual a cantor de black metal
– Larry Wallis: do pré-punk ao punk, passando pelo comecinho do Motörhead
– O primeiro Heroes do Motörhead
Cultura Pop
Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

Tá aí o que muita gente queria: Bruce Springsteen vai lançar uma caixa com sete álbuns “perdidos”, nunca lançados oficialmente. O box vai se chamar Tracks II: The lost albums (é a continuidade de Tracks, caixa de 4 CDs lançada em 1998) e nasceu de uma limpeza que Bruce fez nos seus arquivos durante a pandemia. Pelo que se sabe até agora, o material inclui sobras das sessões de Born in the USA (1984) e gravações da fase eletrônica dele, no comecinho dos anos 1990 – inclusive um disco inteiro desse período, que nunca viu a luz do dia.
Essa notícia caiu nos sites na semana passada e trouxe de volta um detalhe que os fãs de Bruce já conhecem bem: ele tem muito material inédito guardado – e material bom. Em uma entrevista à Variety em 2017, ele mesmo comentou que sabia ter feito mais discos do que os que lançou, mas que havia motivos sérios para manter alguns deles nas gavetas.
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“Por que não lançamos esses discos? Não achei que fossem essenciais. Posso ter achado que eram bons, posso ter me divertido fazendo, e lançamos muitas dessas músicas em coleções de arquivo ao longo dos anos. Mas, durante toda a minha vida profissional, senti que liberava o que era essencial naquele momento. E, em troca, recebi uma definição muito precisa de quem eu era, o que eu queria fazer, sobre o que estava cantando”, disse na época (o link do papo tá aqui – é uma entrevista longa e bem legal).
Com o tempo, vários desses registros acabaram saindo em boxes e coletâneas. Um deles foi The ties that bind, um disco de pegada punk-power pop que seria lançado no Natal de 1979 – e que acabou virando uma espécie de esboço inicial do disco duplo The river, de 1980. Pelo menos saiu uma caixa em 2015 chamada The ties that bind: The River collection, com todo o material dessa época, inclusive o tal disco descartado (além de um material que formava quase um suposto disco de punk + power pop que teria sido abandonado).
Um texto publicado na newsletter do músico Giancarlo Rufatto recorda que Bruce infelizmente deixou de fora do novo box alguns álbuns que realmente mereciam ver a luz do dia. Um deles é um álbum solo (sem a E Street Band, enfim), com uma sonoridade country ’n soul, que foi gravado em 1981. Esse disco teria sido abandonado durante um período de depressão, que resultou em isolamento e na elaboração do disco cru Nebraska (1982), feito em casa com um gravador de quatro canais, só voz e violão.
Bruce até parece fazer referência a esse álbum perdido na entrevista da Variety. “Esse disco é influenciado pela música pop da Califórnia dos anos 70”, contou. “Glen Campbell, Jimmy Webb, Burt Bacharach, esse tipo de som. Não sei se as pessoas vão ouvir essas influências, mas era isso que eu tinha em mente. Isso me deu uma base pra criar, uma inspiração pra escrever. E também é um disco de cantor e compositor. Ele se conecta aos meus discos solo em termos de composição, mais Tunnel of love e Devils and dust, mas não é como eles. São apenas personagens diferentes vivendo suas vidas.”
Outro material bastante esperado pelos fãs – e que também não está na caixa – é o Electric Nebraska, a tentativa de Bruce de gravar com a E Street Band as músicas que acabaram no Nebraska. Nem ele, nem o empresário Jon Landau, nem os co-produtores Steven Van Zandt e Chuck Plotkin gostaram do resultado, e as gravações foram trancadas a sete chaves. Nem em bootlegs esse material apareceu até hoje. Pra você ter ideia, Glory days, que só sairia no Born in the USA (1984), chegou a ser ensaiada e gravada junto.
Quase todo mundo próximo a Bruce acredita que ele nunca vai lançar oficialmente essas gravações elétricas do Nebraska. Max Weinberg, baterista da E Street Band desde 1974 (com algumas pausas), confirmou a existência desse material em 2010, numa entrevista à Rolling Stone, e disse que adoraria ver tudo lançado.
“A E Street Band realmente gravou todo o Nebraska, e foi matador. Era tudo muito pesado. Por melhor que fosse, não era o que Bruce queria lançar. Existe um álbum completo do Nebraska, todas essas músicas estão prontas em algum lugar”, revelou. Bruce pode até guardar discos inteiros na gaveta, mas esse é um daqueles casos em que o silêncio guarda várias histórias – que podem render surpresas bem legais.
E ese aí é o lyric video de Rain in the river, uma das faixas programadas para Tracks II (a faixa sai num disco montado durante a elaboração do box, Perfect world).
Cultura Pop
Urgente!: Supergrass, Spielberg e um atalho recusado

Coisas que você descobre por acaso: numa conversa de WhatsApp com o amigo DJ Renato Lima, fiquei sabendo que, nos anos 1990, Steven Spielberg teve uma ideia bem louca. Ele queria reviver o espírito dos Monkees – não com uma nova versão da banda, como uma turma havia tentado sem sucesso nos anos 1980, mas com uma nova série de TV inspirada neles. E os escolhidos para isso? O Supergrass.
O trio britânico, que fez sucesso a reboque do britpop, estava em alta em 1995, quando lançou seu primeiro álbum, I should coco. Hits como Alright grudavam na mente, os vídeos eram cheios de energia, e Gaz Coombes, o vocalista, tinha cara de quem poderia muito bem ser um monkee da sua geração. Spielberg ouviu a banda por intermédio dos filhos, gostou e fez o convite.
Os ingleses foram até a Universal Studios para uma reunião com o diretor – com direito a recepção no rancho dele e papo sobre fase bem antigas da série televisiva Além da imaginação. O papo sobre a série, diz Coombes, foi proposital, porque a banda sacou logo onde aquilo poderia dar. “Talvez eu estivesse tentando antecipar a abordagem cafona que seria sugerida, tipo a banda morando junta como os Monkees”, contou Coombes à Louder, que publicou um texto sobre o assunto.
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A proposta era tentadora. Mas eles disseram não. “Foi lisonjeiro e muito legal, mas ficou óbvio para nós que não queríamos pegar esse atalho”, explicou o vocalista, afirmando ter pensado que aquilo poderia significar o fim do grupo. “Você pode acabar morrendo em um quarto de hotel ou algo assim, ou então a produção quer apenas um de nós para a próxima temporada. Foi muito engraçado, respeitosamente muito engraçado”.
O tempo passou. E agora, em 2025, I should coco completa 30 anos (mas já?). O Supergrass, que se separou no fim dos anos 2000, voltou para tocar o disco na íntegra e alguns hits em festivais como Glastonbury e Ilha de Wight.
Aqui, o trio no Glastonbury de 2022.
Foro: Keira Vallejo/Wikipedia
Crítica
Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

Tudo que é mais difícil de explicar, é mais complicado de entender – mesmo que as intenções sejam as melhores possíveis e haja um verniz cultural-intelectual robusto por trás. Isso vale até para desfiles de escolas de samba, quando a agremiação mais armada de referências bacanas e pesquisas exaustivas não vence, e ninguém entende o que aconteceu.
Carnaval, injustiças e polêmicas à parte, o novo Mayhem foi prometido desde o início como um retorno à fase “grêmio recreativo” de Lady Gaga. E sim, ele entrega o que promete: Gaga revisita sua era inicial, piscando para os fãs das antigas, trazendo clima de sortilégio no refrão do single Abracadabra (que remete ao começo do icônico hit Bad romance), e mergulhando de cabeça em synthpop, house music, boogie, ítalo-disco, pós-disco, rock, punk (por que não?) e outros estilos. Todas essas coisas juntas formam a Lady Gaga de 2025.
Algo vinha se perdendo ou sendo deixado de lado na carreira de Lady Gaga há algum tempo, e algo que sempre foi essencial nela: a capacidade de usar sua música e sua persona para comentar o próprio pop. David Bowie fazia isso o tempo todo – e ele, que praticamente paira como um santo padroeiro sobre Mayhem, é uma influência evidente em Vanish into you, uma das faixas que melhor representam o disco. Aqui, Gaga entrega dance music com alma roqueira, um baixo irresistível e um batidão que evoca tanto a fase noventista de Bowie quanto o synthpop dos anos 1980.
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Mais coisas foram sendo deixadas de lado na carreira dela que… Bom, sao coisas quase tão difíceis de explicar quanto as razões que levaram Gaga a criar um álbum considerado “difícil” como Artpop (2013), enquanto simultaneamente mergulhava no jazz com Tony Bennett e preparava-se para abraçar o soft rock no formidável Joanne (2016), um disco autorreferente que talvez tenha deixado os fãs da primeira fase perdidos. Em outro tempo, Madonna parecia autorizada a mudar como quisesse, mas quando Gaga fazia o mesmo, deixava no ar notas de desencontro e confusionismo. O pop mudou, as décadas passaram, o público mudou – e todas as certezas evaporaram.
É nesse cenário que Mayhem equilibra as coisas, entregando um pop dançante, consciente e orgulhoso de sua essência, mas ao mesmo tempo sombrio e marginal. Há momentos de caos organizado, como em Disease e Perfect celebrity – esta última começa soando como Nine Inch Nails, mas, se você mexer daqui e dali, pode até enxergar um nu-metal na estrutura. Killah traz uma eletrônica suja, um refrão meio soul, meio rock que caberia num disco do Aerosmith, enquanto Zombieboy aposta no pós-disco punk, evocando terror e êxtase na pista (por acaso, Gaga chegou a dizer que o disco tem influências de Radiohead, e confirmou o NiN como referência).
Na reta final, o álbum se aventura por outros terrenos: How bad do U want me e Don’t call tonight flertam com o pop dinamarquês dos anos 90 (e são, por sinal, as únicas faixas pouco inspiradas do disco); The beast tem cara de trilha sonora de comercial de cerveja; e Lovedrug mergulha na indefectível tendência soft rock que surge hoje em dia em dez entre dez discos pop. Essa faixa soa como um híbrido entre Fleetwood Mac e Roxette – como se Gaga estivesse pensando também na programação das rádios adultas de 2035.
O desfecho de Mayhem chega como um presente para o ouvinte: Blade of grass é uma balada melancólica de violão e piano, que ecoa tanto a tristeza folk dos anos 70 quanto a melancolia do ABBA, crescendo em inquietação à medida que avança. E então, como quem perde um pouco o tom, o álbum termina com… Die with a smile, a já conhecida balada country-soul gravada em parceria com Bruno Mars, lançada há tempos como single. Dentro do contexto do disco, ela soa mais como um apêndice do que como um encerramento – uma nota de rodapé onde se esperava um ponto final. Nada que chegue a atrapalhar a certeza de que Lady Gaga conseguiu, mais do que retornar ao passado, unir quase todos os seus fãs em Mayhem.
Nota: 8,5
Gravadora: Interscope
Lançamento: 7 de março de 2025.
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