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Cultura Pop

Várias coisas que você já sabia sobre Doolittle, dos Pixies

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A certidão de nascimento de Doolittle, segundo LP dos Pixies, registra duas datas: dia 17 de abril de 1989 foi o lançamento na Inglaterra, e 18 de abril nos Estados Unidos. A banda americana, contratada por um selo britânico (o experimental 4AD) já tinha um EP e um primeiro álbum fenomenais (Come on pilgrim, de 1987, e Surfer Rosa, de 1988, respectivamente). Mas faltava um disco que vendesse, estourasse para além da boa receptividade da crítica e fizesse todo mundo assobiar as músicas – coisa que o sujaço Surfer mal tinha conseguido, apesar do hino Where is my mind.

Hoje, o que mais tem por aí é gente entre os 40 e 50 anos que consegue se lembrar do que estava fazendo quando pôs nos ouvidos alguma canção de Doolittle. Aliás, não era tão complicado ouvir a banda por aqui no fim dos anos 1980. Here comes your man e Monkey gone to heaven, os grandes hits do disco, começaram a ser tocados imediatamente nas rádios-rock do Brasil. E em situações honrosas, furaram o bloqueio das FMs mais comerciais. Ao contrário do conto do disco-revolucionário-que-o-Brasil-só-conheceu-trocentos-anos-depois-de-lançado, Doolittle foi lançado aqui pela Warner quase em tempo real, em LP e K7 (em CD, só vários anos depois, pela Roadrunner).

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Doolittle fez os Pixies se tornarem um sucesso indie mundial (era possível), influenciou uma gama de bandas que inclui Green Day e Nirvana, e seus ecos podem ser ouvidos até hoje, em discos de grupos como Fontaines DC e Dry Cleaning. Nas internas, o relacionamento de Black Francis (voz, guitarra), Kim Deal (voz, baixo), David Lovering (bateria) e Joey Santiago (guitarra) começava a passar por tensões. Mas ainda assim a primeira fase do grupo duraria mais dois anos, e renderia mais dois grandes álbuns – um deles, Trompe le monde (1991), já esteve até nessa ilustre seção.

Difícil escolher um melhor disco dos Pixies, mas Doolittle é o aniversariante, e é tido como o mais criativo álbum da banda por muita gente. E vai aí nosso relatório. Ouça lendo e leia ouvindo.

ANTES DE MAIS NADA, o lado A de Doolittle é isso aí: Debaser, Tame, Wave of mutilation, I bleed, Here comes your man, Dead, Monkey gone to heaven. O lado B: Mr. Grieves, Crackity Jones, La la love you, Nº 13 baby, There goes my gun, Hey, Silver, Gouge away.

POR FAVOR, SUCESSO. A maior vendagem de Surfer Rosa tinha sido nos EUA: 705 mil cópias. Não era apenas a 4AD que tinha interesse na banda: a Warner, que distribuía o selo nos EUA, país dos Pixies, adoraria poder contar com boas vendas dos discos do quarteto.

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LOGO NA SEQUÊNCIA DO primeiro disco, os Pixies fizeram uma turnê com outra banda indie conhecida de Boston, os Throwing Muses. Em seguida, Black Francis começou a trabalhar em demos de novas canções, com Dead, Hey, Tame e outras surgindo. Em 1988, a banda chegou a tocar algumas das músicas novas no programa do DJ inglês John Peel. O material de Doolittle começava a surgir aos poucos.

PRODUTOR. Tem uma pessoa sem a qual Doolittle não teria saído. E essa pessoa não apenas já conhecia os Pixies de outros carnavais, como tinha até assistido a outro show deles junto com as Throwing Muses. Era o produtor inglês Gil Norton, que por acaso produzira o primeiro disco das meninas para a 4AD, epônimo, em 1986.

ALIÁS E A PROPÓSITO, esse tal show a que Gil assistiu rolou pouco antes de Surfer Rosa, e na época os Pixies ainda eram tão pouco conhecidos que abriram a noite. Gil amou o show, que por sinal, foi dado em condições meio bizarras: Kim Deal teve um problema de doença na família e não foi à apresentação, e os Pixies viraram trio por uma noite.

ROLOU UMA PEQUENA TROCA na época. As Throwing Muses e Gil haviam tido um relacionamento apenas mediano na época do primeiro disco. Isso porque o produtor queria porque queria inserir metais no som delas e elaborar um pouco mais as canções, coisa que as garotas não queriam. Então, Ivo Watts-Russel, chefão da 4AD, propôs que elas trabalhassem com Gary Smith e pôs Norton no caminho dos Pixies. “Elas não aceitavam as sugestões dele como os Pixies faziam”, justificou.

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MAS QUEM É GIL NORTON? Nascido em Liverpool, Gil estava em estúdio desde os anos 1980, e havia produzido álbuns como Difficult shapes & passive rhythms, some people think it’s fun to entertain, do China Crisis, e Ocean rain, do Echo & The Bunnymen, ambos de 1984. Gil sempre foi um cara que curte pré-produção, e exige muito dos artistas com os quais trabalha. “Como você pode entrar em um estúdio se ainda não tem as músicas organizadas?”, questiona ele nesse papo aqui. “Tudo que eu quero de um artista é o melhor que ele pode fazer. Eu não gosto de pessoas preguiçosas. Se você quer ser preguiçoso, não me contrate”.

POR SINAL, Gil tinha um abacaxi para descascar durante a gravação de Doolittle. Um abacaxi chamado Black Francis: o líder dos Pixies entediava-se facilmente no estúdio e detesta fazer a mesma coisa várias vezes. “Ele era difícil, sim! Não é que ele não vá fazer nada mais do que uma vez, mas ele acharia entediante tocar os mesmos acordes. Tive que tentar convencê-lo a repetir as seções ou mudar um pouco as coisas para mantê-lo feliz”, recorda.

OS ENSAIOS de Doolittle começaram no fim de 1988, na garagem da casa da família de David Lovering. Já as gravações começaram em 11 de outubro no Downtown Recorders, em Boston. Construído num prédio antigo, o estúdio se destacava por uma peculiaridade: o local da bateria ficava junto com o do restante dos músicos. Não havia uma cabine de bateria. Era ideal para gravar discos com clima de “ao vivo”, tanto que a ideia original dos donos era investir num local para shows, não exatamente num estúdio. Na época, três bandas dividiam a sala de ensaio – dentre elas Juliana Hatfield e seu grupo. Gil adorou o local.

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AS GRAVAÇÕES de Doolittle duraram menos de um mês – foram até 23 de novembro de 1988. Gil se recorda de que foi um disco “rápido e furioso”, e que os cofres da gravadora não sofreram nenhum assalto: só 30 mil dólares para fazer tudo. A banda nem sequer usou muito equipamento: ao contrário do que acontecia na época, não houve uso de computadores, samplers, máquinas último tipo e vários microfones.

MAS ANTES, Gil precisou se trancar com Black Francis e fazer… as benditas pré-produções, quando percebeu que seu artista detestava repetir coisas. O produtor havia alugado um apartamento em Boston e lá ficou com Francis repassando todo o material, tocado num violão. Esse lado CDF tanto do produtor quanto da banda contou para o som de Doolittle: todo o material já havia sido cuidadosamente registrado em demos e foi exaustivamente ensaiado antes de ser gravado na fita master.

ALIÁS E A PROPÓSITO, mesmo com tantos cuidados, um desafio da banda e do produtor era fazer com que Doolittle fosse um disco próximo do que a banda faria ao vivo. Ainda que Gil conseguisse convencer os Pixies a fazer o que as Throwing Muses estavam reticentes em concordar, e colocasse cordas em Monkey gone to heaven.

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AH SIM: a ideia das cordas, na verdade, surgiu por causa de ninguém menos que Kim Deal, que resolveu tocar um piano de cauda que havia no estúdio. O som dela tocando no instrumento lembrou cordas em pizzicato, e todo mundo acabou gostando da ideia de levar aquilo para o disco.

SEI NÃO. Ninguém duvida, hoje em dia, de que Debaser é a faixa perfeita para abrir um álbum, e que ela bate um bolão em Doolittle. Acredite: Black Francis não estava muito seguro com relação à faixa e achava que ela não deveria entrar no disco. Teve que ser delicadamente encorajado.

EU BEBO SIM. Doolittle tinha uma música cantada pelo baterista David Lovering, La la love you. Aparentemente, a ideia de Francis foi fazer como John Lennon e Paul McCartney, que nos discos dos Beatles, sempre faziam uma canção para Ringo Starr cantar. O baterista estava nervoso, dava voltinhas na sala antes de pegar no microfone, e acabou bebendo seis cervejas para tomar coragem. Se antes David não queria cantar, o baterista depois acabou ficando animado – Gil recorda-se de que foi difícil tirá-lo do microfone, porque ele queria refazer os vocais várias vezes.

ALIÁS E A PROPÓSITO, segundo o próprio Lovering, La la love you costuma ser bastante usada em cerimônias de casamento.

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LEIA O LIVRO. Como acontecia nos discos anteriores dos Pixies, Doolittle teve uma baita influência do Antigo Testamento da Bíblia. Gouge away, a gritalhona faixa de encerramento, era inspirada na história de Sansão e Dalila. Dead cai pra cima da polêmica história do casal de amantes Davi e Betsabá. O “se o homem é 5, então o diabo é 6 e deus é 7” de Monkey gone to heaven veio da numerologia hebraica, assunto que Francis sequer dominava – baseou-se numa história que contaram a ele. A música também trata de catástrofes ambientais (daí “agora há um buraco no céu”, “tudo está pegando fogo” e outros versos de escrita quase automática). Mr. Grieves trata do encontro com uma espécie de “dona Morte”. Crackity Jones era sobre um colega de Francis que ouvia vozes.

ALIÁS E A PROPÓSITO, Black Francis foi criado na igreja evangélica. Seus pais ingressaram na Assembleia de Deus norte-americana quando ele era criança, e ele frequentou a igreja durante a adolescência. Num dos acampamentos da igreja, assistiu a um show do roqueiro gospel Larry Norman, que costumava animar o público com a frase “venha, peregrino!” (o nome do EP Come on, pilgrim vem disso).

É SURREAL! A letra de Debaser, por sua vez, faz referência a Um cão andaluz, filme de Luiz Buñuel e Salvador Dalí (afinal a letra fala em “fatiando globos oculares”, como aparece na abertura da película). Os versos subsequentes têm o mesmo clima. Aliás, o nome do filme aparece na letra.

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O PATRÃO MANDOU. A 4AD ficou especialmente animada com Here comes your man e viu naquilo o potencial primeiro single do disco. Problema à vista: a gravadora achou a canção, com pouco mais de dois minutos, curta demais, e mandou Francis aumentar a letra. O cantor ficou puto, gastou saliva, mostrou uma coletânea de Buddy Holly para Gil Norton (alegando que os hits do cantor eram canções de dois minutos), mas topou. Só que não deu as caras quando a banda gravava a base da canção.

DETALHE: tanto Francis quanto a banda tinham lá certo preconceito com a faixa. Sempre tinham achado Here comes your man comercial demais, uma espécie de Anna Julia do grupo, e nas internas, ela ganhava o apelido de “a do Tom Petty” (era consenso geral que a canção era um country disfarçado). Nem mesmo a 4AD tinha lá muita certeza de como usar a música.

ALIÁS E A PROPÓSITO, os Pixies receberam um convite para mostrar Here comes your man no programa de Arsenio Hall, campeão de audiência na época. Disseram que só iriam se pudessem tocar Tame, e a produção se recusou. Ivo diz que talvez um selo maior pudesse convencer os Pixies a se comercializarem mais, mas a 4AD não conseguiu.

TAVA DANDO MERDA. Testemunhas privilegiadas, como Ivo Watts-Russel, recordam-se que o dia a dia dos Pixies andava ficando meio frio. Francis precisava ser convencido a deixar Kim Deal fazer vocais em algumas músicas e rejeitava suas colaborações. Em Doolittle, só havia Silver, parceria dele com ela – na qual por sinal Kim tocava slide guitar. Por causa disso, ela achou melhor fazer sua própria banda, The Breeders.

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ESPOSA. Aliás em Doolittle, pela primeira vez, Kim usava seu nome verdadeiro. Isso porque no EP e no primeiro disco, ela assinava como Mrs. John Murphy. Casada com o empreiteiro da Força Aérea Americana John Murphy, ela ouviu de uma amiga casamenteira que se adotasse o sobrenome do marido, ganharia mais respeito. Resolveu fazer piada com o machismo da situação e adotou logo nome e sobrenome. Mas o casal se separou em 1988.

CAPA. Pela primeira vez, Vaughan Olivier (capista da 4AD) e Simon Larbalestier (fotógrafo que trabalhava com os Pixies) tiveram acesso às letras antes do disco ficar pronto. Isso fez com que o trabalho mudasse completamente, já que Vaughan produziu várias fotos conectadas com as letras, como o sino cheio de dentes que se relaciona com I bleed (com os versos “um sino tocando” e “isso faz meus dentes rangerem”).

ALIÁS E A PROPÓSITO,  Francis também referenciou-se na arte de Olivier, que fez a capa inspirado na letra de Monkey gone to heaven, com um macaco-anjo. Tanto que o disco se chamaria Whore (“puta”), como referência ao simbolismo bíblico da Prostituta da Babilônia. Mas mudou para Doolittle, porque achou que iriam interpretar a capa como afronta ao catolicismo.

CLIPES. O de Here comes your man, dirigido por Neil Pollock e Jonathan Bekemeier, ganhou (muito) espaço na MTV, apesar de ser uma maluquice sem fim. A banda aparece distorcida, gravada com câmera olho de peixe, e Francis e Deal dublam a canção sem respeitar nenhuma sincronia com a letra. Gravado boa parte em preto e branco, o de Monkey gone to heaven é bem misterioso, mas mais formal, com a banda tocando num palco. O de Debaser, com imagens desfocadas e palavras sobrepostas, é tão surrealista quanto a capa do disco, e foi dirigido pelo próprio Vaughan Olivier.

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VENDEU? Até hoje, Doolittle vendeu um milhão de cópias nos EUA. Black Francis conta que na época, as vendas foram modestas. “As pessoas sempre dizem que devemos ter vendido muitos discos, mas tínhamos aquele vídeo na MTV por seis semanas e vendemos uns 60.000 discos. Os anos 1990 ainda não haviam acontecido. Nele, as chamadas bandas ‘alternativas’ estavam vendendo milhões de discos”, afirmou.

E A CRÍTICA? Quase todo mundo gostou do disco. A Melody Maker e o The Sounds consideraram o álbum disco do ano. Robert Christgau, do Village Voice, disse que a banda “está apaixonada e não sabe por quê”. A Time Out discordou e afirmou que “a produção de teatro de brinquedo de Gil Norton torna um drama o que deveria ter sido uma crise”.

ALIÁS, VALE DIZER QUE o material gerado pelos Pixies na época de Doolittle era tão imenso que, quando o disco fez 25 anos, a 4AD reuniu demos e gravações alternativas num CD duplo, Doolittle 25.

E JÁ QUE VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI, pega Wave of mutilation ao vivo em 1989. O grupo apresentava essa música nos shows numa versão bem lenta (que saiu em single).

Com infos do livro Fool the world: The oral history of a band called Pixies, de Josh Frank e Caryn Ganz

 

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Urgente!: E agora sem o Ozzy?

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Todo mundo que um dia se sentiu meio estranho e ouviu Ozzy Osbourne na hora certa, foi levado para um universo bem melhor, e para sempre.

Todo mundo que um dia se sentiu meio estranho e ouviu Ozzy Osbourne na hora certa, foi levado para um universo bem melhor, e para sempre. Tudo começou com uma banda, o Black Sabbath, que já era um verdadeiro errado que deu certo – um ET musical que fazia som pesado quando mal havia o termo “heavy metal” e que falava de terror na ressaca do sonho hippie. E prosseguiu com a lenda de um sujeito que gravou álbuns clássicos como Blizzard of Ozz (1980), Diary of a madman (1981) e No more tears (1991) – eram quase como filmes.

Ozzy pode ser definido como um cara de sorte – e também como um cara que abusou MUITO da sorte, mas pula essa parte. A depender daqueles progressivos anos 1970, não havia muito o que explicasse o futuro de Ozzy Osbourne na música. Em várias entrevistas, Ozzy já disse que não sabia tocar nenhum instrumento quando começou – na verdade nunca nem chegou a aprender a tocar nada. Tinha a seu favor uma baita voz (mesmo não ganhando reconhecimento algum da crítica por isso, Ozzy sempre foi um grande cantor), um baita carisma, ouvido musical e a disposição para encarnar o estranho e o inesperado no palco em todos os shows que fazia.

Imortalizada em livros como a autobiografia Eu sou Ozzy, a história de Ozzy Osbourne é um daqueles momentos em que a realidade pode ser mais desafiadora que a ficção. Afinal, quem poderia imaginar que um garoto da classe trabalhadora britânica se tornaria o que se tornou? Talvez tenha sido até por causa das dificuldades, que também moveram vários futuros rockstars ingleses da época – ou pelo fato de que o rock e a música pop do fim dos anos 1960 ainda eram quase mato, universos a serem desbravados, com poucos parâmetros. Seja como for, se hoje há artistas de rock que se dedicam a discos e a projetos que parecem ter saído da cabeça de algum roteirista bastante criativo, Ozzy teve muita culpa nisso.

Fora as vezes que o vi no palco, estive frente a frente com Ozzy apenas uma vez, numa coletiva de imprensa do Black Sabbath – da qual Tony Iommi não participou, por estar se recuperando de uma cirurgia (havia tido um câncer). Seja lá o que Ozzy pensasse da vida ou de si próprio, me chamou a atenção o clima de quase aconchego da sala de entrevistas (acho que era no hotel Fasano): um lugar pequeno, com ele e Geezer Butler (baixista) bem próximos dos repórteres. Que por sinal não eram inúmeros.

Já havia feito entrevistas internacionais antes mas nunca imaginei estar tão perto de uma lenda do rock que eu ouvia desde os doze anos. Fiz uma pergunta, ele respondeu, e eu, que sempre fiquei nervoso em entrevistas (imagina numa coletiva com o Black Sabbath!) voltei pra casa como se tivesse ido cobrir um buraco que apareceu numa rua no Centro. Não que não tenha me dedicado à pauta, mas era o Ozzy e eu estava… numa tranquilidade inimaginável.

Ozzy também já me deu uma entrevista por e-mail, em 2008, em que reafirmou sua adoração por Max Cavalera, disse que não tinha ideia se a série The Osbournes havia levado seu nome a um novo público, e reclamou da MTV, “que virou uma versão adulta da Nickelodeon”. Também disse que nunca diria nunca a seus então ex-companheiros do Black Sabbath (“nos falamos por telefone e quando as agendas permitem, nos encontramos”).

Nesse papo, Ozzy só se irritou quando fiz uma pergunta que envolvia o Iron Maiden, que tinha passado recentemente pelo Brasil, ou estaria vindo – não lembro mais. “Bom, não sei te responder, pergunta pro Iron Maiden!”, disse, em letras garrafais (todas as respostas foram em caixa alta). Lembro que ri sozinho e fui bater a matéria.

Até hoje só acredito que isso tudo aí aconteceu (e não é nada perto do que uns colegas viveram com Ozzy e o Black Sabbath) porque vi as matérias impressas. Mas acho que antes de tudo, consegui humanizar na minha mente um cara que eu ouvia desde criança. Ozzy era de carne e osso, respondia perguntas, tinha lá seus momentos de irritação e, enfim, mesmo tendo o fim que todo mundo vai ter, viveu bem mais do que muita gente. E mudou vidas.

Texto: Ricardo Schott – Foto: Divulgação

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Crítica

Ouvimos: Justin Bieber – “Swag”

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Swag, novo disco-surpresa de Justin Bieber, mistura lo-fi, trap e synth pop com vibe indie e desleixo calculado. Musicalmente rico, mas com letras rasas.

RESENHA: Swag, novo disco-surpresa de Justin Bieber, mistura lo-fi, trap e synth pop com vibe indie e desleixo calculado. Musicalmente rico, mas com letras rasas.

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Justin Bieber opera hoje num universo de, vamos dizer assim, venda fácil e compreensão difícil. Ser um cantor branco de r&b significa basicamente que você vai ter que fazer shows, gravar discos e existir no show business, de modo geral, no limite da polêmica. Afinal, tanto r&b quanto rap são áreas de artistas negros, ligadas a um histórico que se estende ao soul, e a vivências pessoais – e o mundo mudou o suficiente para que o mercado quase entenda o peso de certas coisas.

Por quase entenda, leia-se que, na maioria dos casos, tudo pode ser resolvido por uns posts nas redes sociais e uma tour pelos lugares certos, com as pessoas corretas. Mas pra piorar um pouco, nos últimos tempos, Justin andava brotando mais no noticiário de fofoca do que nos cadernos de cultura. As notícias eram sobre cancelamentos de shows, brigas com a mulher Hailey, relacionamentos supostamente mais do que íntimos com o rapper P. Diddy e supostos abusos de substâncias.

E, bom, o que faz um astro como Justin Bieber numa hora dessas? Para calar a boca de uma renca de gente durante um bom tempo, ele simplesmente lança um disco novo do mais absoluto nada – e este disco é Swag, uma epopéia de quase uma hora, com 21 faixas. E antes de mais nada, Swag consegue colocar de vez Justin numa espécie de “espírito do tempo” pop no qual artistas como Taylor Swift, Rihanna, Beyoncé e Miley Cyrus já se encontram há um bom tempo.

Esse tal (hum) zeitgeist significa que tais artistas – seguindo uma linhagem que inclui de Beatles a Marvin Gaye – decidiram se libertar de amarras para fazerem o que bem entendem. Ou seja: discos de protesto, álbuns com design musical troncho, feats que os fãs vão estranhar, projetos com produtores pino-solto, singles com referências que o fã-clube vai ter que buscar no Google, lançamentos com fotos de divulgação distorcidas – ou capas no estilo meu-sobrinho-fez.

De modo geral, são artistas que podem se dar ao luxo de perder alguns fãs, em nome de verem seus álbuns se tornarem (vá lá) pretensos barômetros do nosso tempo, ou pelo menos crônicas pessoais-autoficcionais. Alguns exemplos: Brat, de Charli XCX, trouxe a zoeira da noite de volta. Hit me hard and soft, de Billie Eilish, foi importante na onda de música sáfica. GNX, de Kendick Lamar, explora misérias existenciais e brigas no showbusiness. Vai por aí. Fazer disco com “desencucação” virou, mais do que nunca, coisa de roqueiro – aposto que você se divertiu muito com Cartoon darkness, de Amyl and The Sniffers, e ficou assustado/assustada com as teorias geradas por Brat.

Se a essa altura do meu texto você já está prestes a desistir de ler, por eu ainda não ter dito se Swag vale seu tempo precioso, aqui vai: vale, e muito. Justin já vinha de uma tradição de álbuns ligadíssimos na atualidade – o melhor deles é Purpose, de 2015. Swag tem um subtexto de “libertação”, já que Bieber acaba de dar adeus a seu empresário de vários anos, Scooter Braun (um adeus que vai lhe custar mais de 30 milhões de dólares, por sinal). E traz o cantor investindo em climas lo-fi, sons texturizados, vibes derretidas e muita coisa que virou moda de uma hora para a outra.

O G1 disse que Swag é um disco chato. Eu discordo bastante, mas o The Guardian chegou perto da realidade ao dizer que as letras prejudicam o novo álbum – de fato, a poética de Swag tem a profundidade de um pires. Já musicalmente, a diversão é garantida até para quem nunca ouviu nada do cantor. Bieber e sua turma de produtores e parceiros transformam trap e sons lo-fi em pop adulto, em faixas muito bem feitas e bem acabadas, como All I can take, a estilingada Daisies, o bedroom pop Yukon e a viajante Go baby.

O design musical de Swag é minimalista, e boa parte das músicas têm aquele clima de desleixo estudado do indie pop atual. Things you do tem guitarras decalcadas do The Police e silêncios entre vozes e sons, Butterflies é uma gravação quase caseira que vai crescendo, e faixas como First place, Way it is, Sweet spot e Walking away unem synth pop, modernidades, sons derretidos e tentativas de emular Michael Jackson.

Dadz love, com o rapper Lil B, evoca Prince, com tecladeira dos anos 1980 e texturas de 2025. A vibe dos Rolling Stones, e das voltas do grupo britânico em torno do soul e do r&b, dáo as caras em Devotion e na vinheta Glory voice memo. Uma curiosidade é o trap da faixa-título, com participações de Cash Cobain e Eddie Benjamin, e um verso proscrito sobre cocaína (“seu corpo não precisa / de nenhuma linha prateada”) que aparentemente só o Spotify transcreveu.

Vale dizer que, tentando tomar de volta o controle da própria narrativa, Justin derrapa feíssimo ao decidir colocar em Swag três diálogos com o comediante negro norte-americano Druski. Num deles, o humorista diz a ele que “sua pele é branca, mas sua alma é negra, Justin” (o cantor só responde um “obrigado” desajeitado) – em outro, o assunto inclui paparazzi e redes sociais. No final, quem ouve o disco inteiro é “premiado” com a estranhíssima presença do cantor gospel Mavin Winans ocupando sozinho a última música – o cântico religioso Forgiveness.

Enfim, é Bieber buscando legitimidade para o autoperdão e para a própria carreira de cantor branco de r&b – e mandando recados de maneira tão desajeitada que Swag, um excelente disco, quase rola escada abaixo. Swag não resolve todas as questões em torno de Justin Bieber – mas quando acerta, lembra que, às vezes, é melhor fazer do que explicar.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Def Jam
Lançamento: 11 de julho de 2025

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Cultura Pop

Urgente!: Nova do Hot Chip, “DVD” do Oasis em Cardiff, The Rapture de volta com turnê

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Hot Chip (foto) anuncia coletânea e lança single e clipe. Fã produz vídeo do primeiro show do Oasis em Cardiff só com imagens feitas por fãs. The Rapture anuncia turnê pelos Estados Unidos e Canadá.

RESUMO: Hot Chip (foto) anuncia coletânea e lança single e clipe. Fã produz vídeo do primeiro show do Oasis em Cardiff só com imagens feitas por fãs. The Rapture anuncia turnê pelos Estados Unidos e Canadá.

Texto: Ricardo Schott – Foto Hot Chip: Louise Mason/Divulgação

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Vai sair pela primeira vez uma coletânea do Hot Chip, Joy in repetition, prevista para 5 de setembro. Vale até a pergunta que muita gente já se fez: qual a importância de coletâneas nessa época de playlists e aplicativos de música com poucas infos? Bom, a importância de uma boa coletânea de hits é enorme, vale por uma setlist bem montada e pode contar uma história. E elas eram as playlist de duas décadas atrás.

No caso de Joy, ela traça o caminho do Hot Chip do tempo dos cachês baixos até a época em que jornais como The Guardian já estavam classificando Alexis Taylor, Joe Goddard, Owen Clarke, Al Doyle e Felix Martin como o maior grupo pop de seu tempo. E entre hits como Ready for the floor, I feel better e Look at where we are, ainda tem uma música nova de altíssimas proporções de grude: Devotion, já lançada em single, que é uma mescla de pop adulto, eletrônica psicodélica e futuro hit de pista, com clipe gravado no Japão.

Taylor rasga seda: Devotion é “uma celebração da devoção a este projeto coletivo”. E ele ainda faz um baita elogio ao colega Joe Goddard: “Penso no Joe como alguém parecido com o Brian Wilson, com uma dedicação enorme em descobrir como criar a música pop mais incrível possível”. Errado não está.

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Alguém com (felizmente, não estamos julgando) muito tempo livre pegou varias imagens diferentes do primeiro show do Oasis em Cardiff, feitas por fãs da banda, e compilou um (digamos) DVD do show.

O registro tá o mais fiel possivel, apesar das imagens à distância e do som nem sempre maravilhoso – vale como um belo bootleg das antigas. Tem ate o som da fitinha de Fuckin in the bushes na abertura, e a voz do apresentador do show. Detalhe: quem botou o video no ar tentou se livrar de problemas avisando que o video nao é monetizado. Pode ser que não ganhe strike do YouTube. “É de um fã apenas para fãs”, avisa.

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E ainda Oasis: vale ler o texto de Liv Brandão, fera do jornalismo musical brasileiro recente, sobre como a setlist do show do Oasis não foi apenas uma setlist. Foi uma aula de storytelling daquelas – como numa (olha aí) coletânea daquelas que vinham com textos contextualizando tudo.

“Muito se falou da escolha das canções, que privilegia os dois primeiros álbuns, como se só eles importassem (…). Mas tão especial quanto a seleção das 24 músicas que compõem o set, idêntico nos dois dias, é a ordem em que elas aparecem, montada para contar a história de quando o Oasis foi a maior banda do mundo – justamente na época desses discos – e tudo o que aconteceu desde então”. Leia o restante na newsletter dela

***

Banda importante do dance punk dos anos 2000, The Rapture voltou, mas não há ainda nenhuma novidade a respeito de disco novo – nem de shows no Brasil, já avisamos. Na real, esse grupo novaiorquino já está de volta desde 2019, com o cantor Luke Jenner como único membro fixo, mas não havia retornado de fato. Fizeram alguns shows, mas pararam as atividades por conta da pandemia, e foi só. Dessa vez, o grupo tem uma turnê de verdade pela frente, que começa dia 16 de setembro no mitológico First Avenue, em Minneapolis, e passa por várias cidades dos EUA e Canadá até novembro.

“Anos atrás, quando me afastei da banda, eu precisava de tempo e espaço para reconstruir minha vida”, conta Jenner sobre a volta, sem comentar diretamente sobre as brigas intermináveis que a banda tinha lá por 2014. “Eu precisava consertar meu casamento, estar presente para meu filho e, por fim, trabalhar em mim mesmo. Esta turnê marca um novo capítulo para mim, moldado por tudo o que vivi e aprendi ao longo do caminho. Conquistei tudo o que esperava alcançar através da música e agora posso usá-la para ajudar qualquer pessoa que talvez precise, como eu precisei naquela época”.

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