Som
Um papo com Jello Biafra e seu pai sobre censura nos EUA

Outro dia, falamos aqui no POP FANTASMA da época em que Jello Biafra, criador dos Dead Kennedys, foi processado por pornografia por causa do disco Frankenchrist, de sua ex-banda (1982).
O álbum trazia um pôster com a arte Penis landscape (Paisagem de pênis, enfim), de H. R. Giger, o que trouxe muita dor de cabeça para Biafra e acabou apressando o fim dos Dead Kennedys. Se dá para dizer que teve um lado bom nisso, Biafra acabou ficando amigo de Frank Zappa (que depôs a seu favor no processo), e a briga nos tribunais expôs a questão dos selinhos do PMRC para toda a comunidade da música.
E subiram recentemente pro YouTube uma reportagem da TV canadense com Jello Biafra e ninguém menos que seu pai (!) em meio a esse quebra-quebra jurídico. O programa The New Music enviou a repórter Erica Ehm para falar com os dois. “No contexto do disco, está bastante claro que o pôster não é só uma brincadeira idiota”, afirma Biafra, classificando o pôster como um retrato verdadeiro da sociedade yuppie, da geração “eu”.
Jello reclamou também do processo injusto que agia de forma 360º, tentando pegar desde ele próprio, até o cara que prensou o disco e o pequeno lojista que vendia Frankenchrist. “Eles tentam criar uma cadeia horrível em que, se você for o cara que serviu cafezinho pro diretor de um filme X-rated, tarde demais. Você pode ser processado e acabou”, esbravejou.
Já o pai de Jello, ao lado do cantor, disse que esperava que “as gerações depois da minha já tivessem condição de resolver esse tipo de problema. Criei meus filhos para uma sociedade livre”. O pai do cantor era Stanley Boucher, que trabalhava como psiquiatra social e era autor de poesias. Imperdível. Confira aí.
Lançamentos
Radar: The Sophs, Dynasty, Idles, Cristian Dujmovic, Spinal Tap, Zoo Sioux, Circa Waves

Aqui pra nós: e esse negócio de disco com parte 1 e parte 2, hein? O Circa Waves, por exemplo, vem aí com a parte complementar do seu álbum Death & love – e a gente, que resenha discos, fica como? Esperando a parte 2 pra escrever tudo? Seja lá como for, eles mandaram muito bem no single novo deles, Cherry bomb, que entrou neste Radar internacional com singles novos do The Sophs, Idles, Cristian Dujmovic… Ouça tudo no último volume e vá acompanhando as novidades do mundo da música por aqui.
Texto: Ricardo Schott – Foto (The Sophs): Eric Daniels/Divulgação
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THE SOPHS, “DEATH IN THE FAMILY”. Esse sexteto de Los Angeles, contratado pela Rough Trade, estreou em maio com o single Sweat, que até apareceu num Radar anterior. Dessa vez voltam com Death in the family, uma espécie de stoner rock “ensolarado” com letra sombria: “Preciso de uma morte na família para virar a minha página (…) / preciso de intervenção divina para lavar essas cicatrizes”. Mais sinistro que isso, só o clipe, em que os integrantes do The Sophs vão sendo assassinados um após o outro – sobra apenas o vocalista que… Bom, assista ao vídeo!
DYNASTY, “COMBATIVE HEART”. Vindo de Hamilton, no Canadá, o Dynasty é uma dupla de synthpop que curte falar dos momentos duvidosos da vida. Tanto que Combative heart, o novo single, fala sobre a sensação de embarcar no desconhecido, de braços abertos, confiando na jornada mesmo quando ainda não se tem ideia nenhuma do que está vindo por aí – e mesmo quando uma parte de você tem medo e se recusa a seguir. O som tem cara de anos 1980, com teclados típicos da época, mas deixa um certo clima de heavy metal nos vocais – feitos pela cantora e compositora Jenni Dreager – e até no logotipo da banda.
IDLES, “RABBIT RUN”. Clima de porrada em letra, em música e em clipe. O grupo britânico acaba de soltar Rabbit run, e a faixa foi feita para a trilha de Caught stealing, o próximo thriller policial de Darren Aronofsky (Cisne negro, Réquiem para um sonho). Aliás, é uma das quatro faixas compostas pela banda para o filme – sendo que os Idles ainda fizeram a trilha incidental e contribuíram também com uma releitura de Police and thieves, de Junior Marvin, imortalizada pelo Clash.
Rabbit run é sombria, fria, misteriosa, com batida próxima do krautrock e clima explosivo que surge lá pelas tantas, sem aviso prévio. E a letra tem versos como “as paredes parecem pequenas, minhas veias estão se contraindo quando estou entediado / faço um cruzeiro, assalto e espanco quando estou entediado”.
CRISTIAN DUJMOVIC, “DESPUÉS, EL ORIGEN”. Músico radicado na Espanha, Cristian está preparando o EP Fín de un mundo, e em Después, el origen, fala do mundo e dos acontecimentos como rodas que giram, sem que a gente muitas vezes se dê conta. O som varia do pós-punk ao ambient em poucos segundos, como costuma acontecer nos singles dele. Recentemente Atisbo, EP mais recente de Cristian, foi assunto nosso.
SPINAL TAP feat ELTON JOHN, “STONEHEDGE”. Dia 12 de setembro sai a aguardada continuação do mockumentary This is Spinal Tap, um clássico cult que falava sobre uma banda fictícia de heavy metal que passou pelos mais diversos estilos em busca de sucesso, e que perdeu uma série de bateristas – todos mortos em circunstâncias misteriosas.
Spinal Tap II: The end continues mexe com dois temas que estão na moda, já que traz a reunião e o show final (haha) do grupo. Vestindo uma capa de druida que tira logo no começo do clipe, Elton John canta e toca piano nesse hard rock que estava na trilha original (aliás rende risadas em This is Spinal Tap) e que aqui se torna uma espécie de metal progressivo folk de brincadeirinha.
ZOO SIOUX, “GIMME WAMPUM”. No som desse projeto musical britânico, climas punk, pré-punk e meio blueseiros são levados às últimas consequências. Gimme wampum, um dos singles da banda, é um verdadeiro filhote de Lou Reed, Iggy Pop e Black Sabbath, cheio de vocais roucos e riffs de alto a baixo.
CIRCA WAVES, “CHERRY BOMB”. Na estica dos anos 1980, a banda britânica anuncia a segunda parte de seu disco Death & love (falamos da primeira parte aqui), que sai em 24 de outubro via Lower Third / [PIAS]. O anúncio vem com o bom synthpop Cherry bomb, cujo clipe é protagonizado por uma garota ruiva de patins, vestindo uma jaqueta com o nome da música e rodopiando enquanto curte um som no walkman.
Diz a banda que a faixa nova é sobre uma pessoa que faz qualquer coisa por você: entra numa briga, te chama para tomar uma cerveja, faz sempre algo de bom nos dias ruins. Altíssimo astral à vista, então – e a gente espera que a segunda parte do disco seja bem melhor que a primeira, ou torne todo o set do álbum bem bacana.
Crítica
Ouvimos: Paul Weller – “Find El Dorado”

RESENHA: Paul Weller revisita o country, folk e blues em Find El Dorado, disco de covers melancólico, intenso e cheio de sensibilidade rara.
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O El Dorado encontrado por Paul Weller em seu novo disco de covers (tem também Studio 150, de 2004) é o do country, do folk triste, das canções com base no blues, e do pop que, nos anos 1970/1980 aqui no Brasil, costumava ser mais executado em rádios AM. Find El Dorado pode soar até como a playlist que ele ouvia enquanto bolava alguns de seus discos mais recentes (como 66, de 2024, resenhado pela gente aqui).
Adoradíssimo na Inglaterra e com moral no mercado fonográfico, o modfather Paul Weller começou no punk e no mod quando liderava o The Jam – e foi se tornando um sujeito cada vez mais próximo do soul nos álbuns seguintes da banda. Depois, no Style Council, aderiu ao pop adulto e à mistura de rock sessentista, bossa, soul, new wave e grandiloquência sonora chique. Daria para dizer que fãs radicais do Jam torceram o nariz para o Style, mas àquela altura, Weller já tinha mandado os fãs radicais irem passear fazia tempo. Até porque (ora ora) quem é fã de verdade de Paul entende climas novos, desvios e mudanças de rota.
- Ouvimos: Willie Nelson – Oh what a beautiful world
- Ouvimos: Jimi Hendrix – Electric Lady Studios: A Jimi Hendrix Vision
Find El Dorado, por sua vez, é um relato de tempos mais dramáticos, mais tristes, embora esperançosos – o repertório escolhido forma esse conceito aí. Se fosse um disco lançado em 1972, possivelmente mostraria na capa Paul caminhando, com cara de enterro. Na abertura, Handouts in the rain, de Richie Havens (com Declan O’Rourke ajudando nos vocais): um folk de clima sonhador, com uma letra sobre intolerância, mas de vibe fatalista. Small town talk, de Bobby Charles, é um sucesso de 1972 com clima de country dos anos 1950, e letra sobre fofocas de cidade pequena, vizinhos faladeiros e um casal que tenta sobreviver fazendo o que quer, apesar disso.
Já em White line fever, country anti-cocaína de Merle Haggard, nem parece Weller cantando – entre slide guitars e um clima de countryman marginal, tudo parece coisa do Willie Nelson. Rola um clima decididamente doloroso na estradeira One last cold kiss (cover do Mountain), na releitura de I started a joke (aquela, dos Bee Gees, quase tão derrama-lágrimas quanto o original) e no desespero realista de Never the same (Lal e Mike Waterson, sobre uma criança que “não pode mais brincar” enquanto outra permanece “sentada na chuva”).
E isso sem falar no baladão de AM Daltry street, sucesso da ex-ikette P. P. Arnold e um hino da perda total de esperanças. E também sem esquecer do enxugar de lágrimas de Nobody’s fool, lado Z dos Kinks, com piano e cordas. Quem detesta repertório triste faz bem se passar longe de Find El Dorado, praticamente um álbum de consolo para dias sem esperança. Quem ficar para ouvir, vai se defrontar com a sensibilidade, esse artigo tão raro, e que não pode ser replicado por nenhum Chat GPT da vida.
Vale citar que Weller banca o bluesman rueiro no country de When you are a king (bubblegum pop que foi um dos maiores hits da hoje esquecida banda britânica White Plains, em 1971), beira o soft rock na releitura de Pinball (de Brian Protheroe) e faz rockão de violão e piano em Lawdy Rolla, regravação do grupo francês The Guerrillas – do qual Manu Dibango fez parte tocando saxofone. Tem ainda o country errante Clive’s song (de Hamish Imlach, obscuro compositor de folk nascido na Índia e criado na Escócia), com Robert Plant dividindo vocais. No fim das contas, um disco de covers e de confissões.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Parlophone
Lançamento: 26 de julho de 2025
Crítica
Ouvimos: Francis Hime – “Não navego pra chegar”

RESENHA: Francis Hime une música e imagens sonoras em Não navego pra chegar, disco com parcerias marcantes, clima cinematográfico e faixas de rara beleza.
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Se você chegar para um compositor experiente como Francis Hime e explicar para ele que hoje em dia artistas defrontam-se com temas como persona, branding, construção de marca… Bom, capaz de ele fazer um sinal de “negativo” com a cabeça e ir fazer o que ele sabe fazer de melhor, que é fazer discos e criar universos.
Francis, por outro lado, tem uma marca pessoal forte e um branding (olha aí) de dar inveja: impossível você ouvir qualquer coisa escrita por ele sem perguntar “de que filme é essa música mesmo?”. Ainda que a tal música não seja de filme algum – imaginar um filme na mente, inspirado por melodia e letra, vale igualmente. A questão é que, na obra dele, com ou sem parceiros – e com ou sem letra – música e cinema andam lado a lado e confundem-se rapidamente.
Não navego pra chegar é um disco cujo título é mais do que apenas uma lição para esses tempos de caos total, pressa, coaches absurdos, resultados a qualquer preço e política estúpida – é um demarcador de valores pessoais, de sensibilidade e de confiança no processo. A faixa-título, um choro-jazz com Monica Salmaso, no qual cabe uma longa parte instrumental no início, traz o mar como metáfora da vida (“se o horizonte se confunde com o infinito / e se o infinito cabe aqui na minha mão / decifro estrelas, versos e sonhos / e a Lua nova me desvenda o universo”).
Entre parcerias (com Olivia Hime, Zélia Duncan, Ivan Lins, Geraldo Carneiro e até Ziraldo, no samba lento Infinita) e convidados (Ivan, Zélia, Olívia, Simone, Leila Pinheiro), surgem o samba enredo de Samba pra Martinho (da Vila), ao lado de Simone; o blues orquestral de Imaginada (com Ivan), a valsa romântica e desesperançada de Tempo breve – com Zélia Duncan fazendo uma das melhores interpretações do álbum – e a melodia construída no ar de Imensidão, samba lento com Zé Renato.
Uma surpresa é Chula-chula, música antiga e desaparecida de Francis e Geraldo Carneiro (surgiu apenas na novela Feijão Maravilha, de 1979, cantada pela personagem Marilyn Meier, interpretada por Clarice Piovesan, e não estava nem no disco da trilha), que ganha versão definitiva com participação de Lenine. E no geral, Não navego pra chegar é um disco para ouvir e ver cenas numa tela imaginária.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 10
Gravadora: Biscoito Fino
Lançamento: 4 de abril de 2025
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