Crítica
Ouvimos: Ty Segall – “Possession”

RESENHA: Ty Segall lança Possession, disco coeso e surpreendente com ecos de David Bowie e glam 70s. Mistério e perturbação embalam um rock brilhante e cheio de referências.
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A nossa tese de que há discos que merecem nota 20 (da qual falamos na resenha do novo álbum do Pulp) ganha sua confirmação no novo álbum de Ty Segall, Possession – um disco REALMENTE excelente do começo ao fim. E olha que, para começar, sabemos que a menção ao nome de Ty Segall não é necessariamente algo animador.
Não que o garage rocker californiano seja um artista ruim – longe disso. Mas Ty Segall segue uma tendência comum dos tempos atuais, que muitas vezes rende mais comentários escarnecedores do que elogios: a dos músicos com incontinência criativa, que lançam discos e singles em sequência, pulando de um estilo a outro a cada novo trabalho – ou, às vezes, misturando tudo num só álbum.
Ty é uma mistura das duas coisas: já foi capaz de lançar dois álbuns num ano, mas seu maior hábito é pular do progressivo para o psicodélico, e depois para o acústico, e depois para o balanço sonoro, e depois para o jazz experimental (gênero defendido por ele em Love rudiments, de 2024, resenhado pela gente aqui). A velocidade de lançamentos vem diminuindo: num papo recente com a Associated Press, disse que, com o tempo, está desacelerando e lançando menos coisas.
Como jornalista, uma coisa que (secretamente) sempre me atraiu foi poder trabalhar às vezes, em três matérias ao mesmo tempo, criar uma escala diferente para cada uma delas, e ir soltando várias coisas por aí com meu nome – às vezes em veículos diferentes. Na real jornalistas aprendem desde cedo que têm que fazer isso: nem sempre o salário de um emprego paga todas as contas ou dá satisfação profissional suficiente. Às vezes uma colaboração que você fez de graça pro zine de um amigo é o que vai te abrir portas para um emprego bem remunerado. Assim como a newsletter de hoje é o livro de amanhã, o post do Linkedin rende convites de garbo, e vai por aí.
E aí que música é um troço meio diferente, já que lançar um disco envolve esforço não apenas no estúdio, mas também no próprio lançamento – você precisa cuidar de redes sociais e assessoria de imprensa, fazer vídeos, montar set lists, dar entrevistas etc. Sem foco, o disco desaparece da mira até mesmo dos fãs mais empedernidos. Focar em dois discos quase ao mesmo tempo muitas vezes requer valorizar um e desvalorizar o outro. Quanto a pular de um estilo para o outro… Bem, é um indício de criatividade e domínio de vários gêneros. Mas dependendo do caso, deixa os fãs confusos.
Dito isso tudo aí – e vá lá, eu mesmo não esperava escrever um texto tão grande – vale citar que, com Possession, Ty Segall promove sua volta em grande estilo ao rock salpicado de referências setentistas. O grande santo padroeiro do novo álbum de Ty é o David Bowie de discos como o álbum epônimo de 1969 (com Space oddity) e The man who sold the world (1970). Aquela mistura de marginalidade, introspecção, espacialidade sonora e clima estradeiro compartilhada até pelos Rolling Stones de Sticky fingers (1971) e Exile on Main Street (1972).
Possession abre com uma espécie de valsa folk, Shoplifter, que parece uma mescla do T Rex com a fase anterior da mesma banda (o Tyrannossaurus Rex, mais acústico), cabendo sax e violinos. Nomes como Traffic, Blind Faith, Alice Cooper e Mick Ronson (guitarrista de Bowie entre 1970 e 1974) são evocados na faixa-título e em Skirts of heaven, enquanto Buildings é um glam rock com veneno experimental, cabendo um piano Rhodes fantástico que conduz a faixa e dá um balanço que lembra um Marcos Valle punk e dissonante.
Shining é blues-rock com clima country e discreta lisergia mutante – uma curiosidade é o baixo caminhante e dançante, como no soul. O mesmo clima surge em Fantastic tomb, que soa como uma continuação de Buildings. Sons orquestrais, entre Todd Rundgren e Electric Light Orchestra, dão as caras na belíssima e quase progressiva Hotel, enquanto Big day localiza-se entre o Bowie de 1970 e o Be Bop de Luxe – algo glam e, ao mesmo tempo, interestelar.
Possession encerra com o hard rock orquestral de Alive, e com Another California song – esta última soando como uma versão power pop dos Faces ou dos Black Crowes. Só depois de algumas ouvidas você percebe que dois dos maiores ingredientes do disco novo de Ty Segall são o mistério e a perturbação. É quando você presta atenção nas letras, que falam de temas como cleptomania, o roubo de uma mansão, uma turma bem estranha que vai encontrar com alguém num hotel etc. Tudo isso faz de Possession um daqueles discos que te pegam de surpresa – e não largam mais.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 10
Gravadora: Drag City
Lançamento: 30 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: Nova Twins – “Parasites & butterflies”

RESENHA: No terceiro álbum Parasites & butterflies, Nova Twins misturam rap-metal, r&b e peso noventista em faixas cheias de atitude.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Marshall Records
Lançamento: 29 de agosto de 2025.
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Tem quem já tenha falado que Nova Twins é a mistura perfeita de Spice Girls e Rage Against The Machine – até faz sentido, mas o lance ali é mais assustador que essa combinação, em termos de norte atitudinal e peso musical. No terceiro álbum, Parasites & butterflies, há uma combinação de beleza e susto no título, e uma receita sonora própria do metalcore em faixas como Glory, Piranha e Parallel universe, além do jungle de Drip.
- Ouvimos: The New Eves – The New Eve is rising
Aliás, quase todo o disco é baseado numa receita certeira de rap-metal para rodas de pogo. Que rende também proximidades com o r&b nas ótimas Soprano (pop do mal, pesado e distorcido, que lembra o peso dos anos 1990), Monster e Sandman. Ou em Hide & seek, um dos raros momentos não tão interessantes do álbum, marcada pelo empoderamento e pelos versos espertos na letra (“você não pode me pegar / eu corro, você me segue”).
Das experimentações realizadas por Amy Love e Georgia South, as que mais chamam a atenção são a vibe Body Count de N.O.V.A., o metal-gospel de Hummingbird (a melhor do disco) e a auto-homenagem do funk-house-metal Black roses. Tudo é feito com tanta personalidade que em vários momentos de Parasites & butterflies, as duas poderiam descambar para o nu-metal ou algo parecido. Acaba não rolando porque, no rolé das Nova Twins, só vale peso quando tem memória e balanço. Felizmente.
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Crítica
Ouvimos: David Byrne – “Who is the sky?”

RESENHA: David Byrne lança Who is the sky?, disco irregular mas envolvente, entre boas histórias, ecos de XTC e Beatles e momentos de otimismo.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7,5
Gravadora: Matador
Lançamento: 5 de setembro de 2025
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Falando em primeira pessoa: tive sentimentos conflitantes ouvindo este Who is the sky?, novo disco de David Byrne gravado ao lado da Ghost Train Orchestra. Vi isso consultando minhas anotações (sim, eu ouço discos anotando, à mão). Por exemplo: não pude deixar de exclamar um animado “caralho, que foda isso!” ao lado de I met the Buddah at a downtown party, uma canção bonitinha que Byrne fez contando a história de um sujeito que viu Buda cometendo excessos numa festa.
David Byrne sempre foi bom contando histórias, desde o comecinho dos Talking Heads – e sempre foi bom em achar o melhor caminho para fazer com que elas chegassem ao público. Só que lá pelas tantas bateu um certo ranço: será que Who is the the sky? é tudo isso aí mesmo? E o “pensa bem” veio acompanhado de algumas constatações. Uma delas é a de que mesmo o que há de bom em Who is the sky? soa meio repetido: Byrne parece ter se inspirado MUITO em Day in, day out, do XTC, para fazer When we are singing, e juntou elementos de She’s leaving home, dos Beatles, em A door called no. O tipo de coisa que você talvez desculparia no Oasis, mas aqui não rola.
Tem as letras: Who is the sky?, na real, varia entre o otimismo e o papo de coach. Isso rola quando Byrne fala sobre as portas fechadas da vida (A door called no), sobre como a criatividade das pessoas vai sendo podada (Don’t be like that) e até sobre como as paredes de um apartamento podem contar histórias (My apartment is my friend). Na real, fica até a expectativa de que Byrne aprofunde o discurso de boa parte dessas letras em algum outro canto – numa entrevista, numa newsletter, ou sei lá o quê – porque são histórias que, ao jogarem a bola para o/a ouvinte concluir, soam incompletas. Aliás, essa incompletude é comum a vários discos de Byrne, com boas ideias que atiram para vários lados.
- Ouvimos: The Who – Live at The Oval 1971
Como artista solo, Byrne nunca perdeu a vibe maníaca que ele desenvolveu na época dos Talking Heads – uma coisa de brincar com os próprios sentimentos, sensações e constrangimentos, e jogar tudo nas músicas. É o que surge na vibe comemorativa de Everybody laughs, e também nas lembranças de Beatles e Wings de When we are singing e The avant garde. O ragga The truth mexe numa ferida aberta universal (“a verdade é a última coisa que um homem quer ouvir”, diz a letra) e acaba deixando o otimismo de lado para bater forte. Tem ainda o folk beatle-beachboy She explain things to me e a latinesca What’s the reason for it? (com Hayley Williams), que mantêm o astral do disco – e funcionam bem.
Byrne é sempre um bom encantador de serpentes: você passa até por cima das falhas de Who is the sky?, e de um certo ranço pessoal com a figura proeminente-àààà-beça dele, porque fica bem difícil resistir a um disco que, em 2025, tem evocações do XTC. Ou porque o clima pastoril de algumas músicas acaba ganhando. E isso tudo, ainda que você estivesse esperando ver alguma estrutura sendo abalada com um disco novo dele – aliás, vale citar que o próprio Byrne, no release de lançamento, explica que o principal assunto de Who is the sky?, é ele próprio, suas circunstâncias e trabalhos colaborativos.
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Crítica
Ouvimos: Mateo – “Neurodivergente”

RESENHA: Em Neurodivergente, Mateo (ex Francisco El Hombre) estreia solo com coragem, misturando pop latino, rock e dores pessoais em canções intensas.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Dorsal Lab
Lançamento: 7 de julho de 2025.
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Um dos fundadores da banda Francisco El Hombre, o mexicano naturalizado brasileiro Mateo Piracés-Ugarte estreia solo com Neurodivergente pegando em fios pessoais de altíssima tensão. O músico convive com o diagnóstico de bipolaridade tipo 1, depressão e traços de borderline, além de ser adicto em recuperação, e jogou toda essa vivência nas letras do álbum. Foi preciso bastante coragem para expor vulnerabilidades, problemas pessoais e golpes da vida – como ele próprio confessou em entrevista à revista Noize. Tanto que, analisando bem, Neurodivergente é um disco depressivo cuja elaboração passou por certos filtros para que os gatilhos fossem mais leves, e que o contato com a própria dor de Mateo fosse mais atenuado.
- Ouvimos: La Dispute – No one was driving the car
- Ouvimos: Bella e o Olmo da Bruxa – Afeto e outros esportes de contato
Assim, até mesmo uma autoconfessa carta de suicídio, Ato final, soa inicialmente apenas como uma canção bastante dramática e eletrônica, com ritmo dado pelos samples de voz – até que a ficha cai. Neurodivergente prossegue numa onda que mistura rock, pop latino, eletrônicos e tons da música brasileira, como no desespero de É o que é (“o que foi já não voltará a ser, eu sei”), nas respirações e tosses da acústica Una vez más e na rotina desgastada do pop cabisbaixo de Apenas mais um triste.
O pop latino e intenso La insanidad é o walk on the wild side do disco, com Mateo narrando o tempo em que circulou na cracolândia paulistana e viu de tudo um pouco. “A insanidade / é uma arma para sobreviver ao medo”, canta, falando de um sentimento mais do que conhecido até de quem nunca pisou no redutos de drogas das grandes cidades. Me salva (Por solo un minuto), um pedido de ajuda musicado, tem muito do calor do rock argentino. No final, a vibe emo-pop-gospel de Querida, música de superação falando em depressões, bipolaridades e tudo o que vem junto.
***
Neste sábado (4), Mateo lança Neurodivergente no Armazém do Campo (Alameda Nothmann 806, Campos Elíseos, São Paulo), às 16h. Além do show, vai rolar um bate-papo sobre saúde mental com a psicóloga Mari Pontes, da rede CAPS e do projeto Nós na Rede. “O evento é gratuito e traz uma proposta que vai além da música: aproximar arte e saúde mental em um espaço de diálogo aberto”, diz o release.
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