Crítica
Ouvimos: The Who – “Live at The Oval 1971”

RESENHA: The Who lança Live at The Oval 1971, registro explosivo do festival Goodbye Summer, com clássicos de discos como Tommy e Who’s next.
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Nem todo mundo se recorda, mas o Concerto para Bangladesh, capitaneado por George Harrison e realizado em 1 de agosto de 1971 no Madison Square Garden, em Nova York, teve um “irmão” britânico. Foi o festival Goodbye Summer, que aconteceu em 18 de setembro daquele mesmo ano no The Oval, campo de críquete em Kensington, Sul de Londres. O evento teve shows de America, The Faces, Mott The Hoople, Lindisfarne e Quintessence, tudo encabeçado pela atração principal, The Who.
O objetivo dos dois festivais era levantar fundos para o mesmo país. Mas, ao contrário do Concerto para Bangladesh, o Goodbye Summer não teve participação nenhuma de Harrison. O evento foi criado pela mesma turma do festival da Ilha de Wight e tanto George quanto Paul McCartney foram convidados para tocar, mas declinaram. Aliás, Paul, em particular, deu uma bela desprezada no Goodbye Summer: seu empresário chegou a declarar que o ex-beatle “nem sequer estava levando a sério a hipótese de participar”.
Uma hilariante matéria da ESPN diz que a turma que trabalhava no Oval, pouco acostumada a shows de rock, horrorizava-se com a massa cabeluda e barbuda, além de se espantar com a turma que vendia ácido no local – um trafica espertinho resolveu apregoar seu produto gritando “spam! spam! spam!”, como num conhecido quadro do Monty Python’s Flying Circus. Para deixar a turma mais estressada ainda, a polícia local se recusou a tomar conta daquilo, e a gangue de motociclistas Hell’s Angels foi escalada para cuidar da segurança – o que era prenúncio de encrenca, mortes e sangue espirrando. Mas como os Angels ingleses eram bem menos mal comportados que os norte-americanos, não aconteceu nenhuma reprise do festival de Altamont.
- Ouvimos: Pete Townshend – Live in Concert 1985-2001 (box set)
- Ouvimos: The Who – Who’s next : Life house
No palco, por sua vez, o The Who não tinha nada a ver com isso – e o baita show que eles deram na ocasião chega agora nas plataformas e nas lojas embalado no pacote Live at The Oval 1971. O show de quase oitenta minutos de duração é uma recordação de quando o quarteto original da banda (Pete Townshend, Roger Daltrey, John Entwistle e Keith Moon) era uma das bandas mais poderosas do mundo ao vivo, entregando decibéis, peso e vulnerabilidade para públicos que não necessariamente entendiam essa combinação. Músicas como Summertime blues (Eddie Cochran), My wife, Substitute, I can’t explain, Won’t get fooled again e Bargain evocavam forças do soul e do blues, só que misturadas com um esporro bem menos associável ao “rock pauleira” da época, e bem mais próximo do que seria o punk em alguns anos.
Hoje se sabe que o show no The Oval foi um momento beeem delicado pro Who. Pete Townshend vivia uma baita dor de corno por causa da ópera-rock Lifehouse (que, picotada, transformou-se em Who’s next e no álbum solo Who came first, a ser lançado em 1972) e o estado de espírito da banda não era dos melhores. De qualquer jeito, o grupo estava em turnê, tinha acabado de adquirir um novo sistema de som de 20 mil libras e o show tinha tudo para ser memorável – e foi, como fica hoje público e notório. No repertório, trechos da ópera rock Tommy (1969) disputaram espaço com hits da obra-prima Who’s next (1971) e alguns dos primeiros hits da banda. Além da ainda inédita Naked eye, presente nos shows do grupo desde 1969, mas lançada só em 1974 na compilação Odds and sods.
Para eletrizar a plateia, Moon roubou um taco de críquete da mão do mestre de cerimônias Jeff Dexter e tocou bateria com ele em músicas como I can’t explain. E no final, após os nove minutos do hit Magic bus, Moon e Pete Townshend destruíram seus instrumentos – depois disso, o apresentador Rikki Farr sobe tascado ao palco e avisa à plateia que “como vocês podem ver, um bis é impossível porque há peças de bateria para todos os lados”. Live at The Oval 1971 é a materialização de uma história sempre contada.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 10
Gravadora: Universal Music
Lançamento: 22 de agosto de 2025
Crítica
Ouvimos: Lana Del Rabies – “Omnipotent fuck”

RESENHA: Projeto solo de Sam An, Lana Del Rabies cria em Omnipotent fuck um noise demoníaco e visceral, mistura de ritual, grito e salvação pelo barulho.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Feral Crone Recordings
Lançamento: 7 de novembro de 2025
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Disquinho bom pra ouvir depois da meia-noite, esse. Lana Del Rabies não é uma banda – é o codinome usado pela musicista Samanta Angulo (que também reduz o nome verdadeiro para Sam An), de Los Angeles. Lana Del Rabies, além da zoação explícita com a cantora Lana Del Rey, é um projeto de noise extremo, demoníaco, feito para aterrorizar.
Omnipotent fuck, quarto disco de LDR, faz lembrar aquela velha história de quando Jimmy Page (Led Zeppelin) comprou a Boleskine House, que pertencia ao ocultista Aleister Crowley, e botou um amigo para tomar conta da mansão enquanto se ocupava dos afazeres do Led. O tal amigo não apenas se mudou para lá como também levou a família – e de noite, com a esposa no quarto trancado à chave, ouvia os rugidos de um suposto “animal selvagem” à solta nos corredores da casa.
- Ouvimos: Ethel Cain – Perverts
Nas nove faixas de Omnipotent fuck, Lana une todo tipo de ruído maligno, de teclados ambient a percussões assustadoras – por sinal, num curioso espelho da trilha que o próprio Page fez para Lucifer rising, filme do cineasta do oculto Kenneth Anger. Soltando a voz, ela dá agudos, sussurra e também “é” esse animal selvagem, em tons guturais.
O disco abre com Tactical avoidance, uma porrada ambient satânica em que ela repete as palavras “isolamento” e “excesso”, ambas transformando-se em grito e em dor. Lá pelas tantas parece que um espírito maligno toma conta da faixa – espírito esse que se solta em Objective death e Consensual pain, faixa repleta de risadas que soam como algo ritualístico, e de gritos de dor.
O restante de Omnipotent fuck é basicamente o monstro da Boleskine House arranhando sua porta: Bedroom sores une “gritos”, “pecados” e a ordem “toque-me!” na letra, com direito a ruídos que lembram nada menos que (olha aí, ó) o interlúdio instrumental de Whole lotta love, do Led. Wisdom spit, a melhor do álbum, é tiro, porrada e obscenidade. Vulnerable package é totalmente desenvolvida nas sombras, com Lana berrando “estou prestes a ter a porra de um desmaio!”. Obedient master é post rock demoníaco e hipnótico.
No fim, a faixa-título recebe o ouvinte com um grito gutural, é trilhada no corredor da violência sonora, e tem tanto ruído que chega a doer no ouvido – encerrando c0m tudo rodando violentamente ao contrário. A salvação pelo barulho, pela vertigem e pelo esporro, ao alcance de um clique.
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Crítica
Ouvimos: Phil Lynott’s Grand Slam – “Orebro 1983”

RESENHA: Registro raro de Phil Lynott com o Grand Slam em 1983 mostra o líder do Thin Lizzy flertando com punk, pós-punk e reggae, em show na Suécia – sem deixar o som de sua antiga banda de lado.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 10
Gravadora: Cleopatra Records
Lançamento: 15 de agosto de 2025
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Com passagens por grupos de punk, pós-punk e new wave, o cantor, compositor, tecladista e guitarrista escocês Midge Ure nunca entendeu direito como é que ele foi parar justamente no Thin Lizzy, nomão do hard rock. Foi o que ele contou ao documentário Phil Lynott: Songs for while I’m away, sobre a história do líder da banda, que esteve em cartaz na edição 2021 do festival In-Edit. O fato é que o músico, que já estava até efetivado como vocalista no Ultravox, era amigo de Phil e foi chamado para ocupar guitarra e teclados no grupo entre 1979 e 1980, enquanto o grupo não arrumava um guitarrista fodão para o cargo.
Além de tocar no grupo nesse período, Midge também foi responsável por encher os ouvidos do amigo com novidades do synthpop, da música eletrônica e do pós-punk. Phil, que já andava interessadíssimo em punk rock, não apenas gostou do som, como também adotou essa sonoridade em várias músicas de seus trabalhos solo. Um pouco – mas só um pouco – disso vazou também para o Grand Slam, banda de curta duração que Phil montou em 1983 com dois ex-Thin Lizzy (Brian Downey, bateria, e John Sykes, guitarra solo) e outros músicos de sua banda solo.
- Relembrando: Thin Lizzy – Jailbreak
O Grand Slam não conseguiu contrato com nenhuma gravadora e limitou-se a fazer turnês pela Europa durante um ano – mas deixou várias demos e gravações ao vivo, nas quais se percebe que o som de Phil já estava encharcado de referências do punk, às vezes soando como um Sex Pistols motorbiker ou como um Motörhead menos bravio, cabendo também referências de reggae em vários momentos. O repertório incluía os hits solo de Phil e alguns poucos sucessos do Thin Lizzy – Whiskey in the jar, a balada Sarah, feita para sua filha mais velha, e (às vezes) The boys are back in town – pintavam no set list.
Foi nesse clima que a turma foi fazer um show em Orebro, cidade na Suécia, em 1983 – show esse que já foi diversas vezes pirateado, e ganhou resgate em vinil pelo selo Cleopatra Records. Orebro 1983 começa pela faceta mais tecnopop fake de Phil (Yellow pearl, por sinal uma parceria com Midge), segue com a roqueiragem de Old town e insere mais dois hits do TL no setlist (A night in the life of a blues singer e Still in love with you). Parisienne walkways, hit solo do ex-Thin Lizzy Gary Moore (chamada pelo sem-filtro Lynott de “Parisienne blowjob”, “boquete parisiense”), vem em clima de bluesão com viradas de bateria – se você detesta o som daquelas baterias eletrônicas Simmons, que pegaram mais que praga de piolho em creche lá por 1983, nem encare.
O som de Orebro 1983 mostra também que o The Police era ou uma influência, ou uma sombra, ou uma matéria de bullying para Lynott. O hit Solo in soho tem aquele mesmo clima de “europeus se metendo a fazer reggae” do Police. King’s call, outra música solo, tem argamassa roquenrol e clima pós-punk-reggae – lembra o som do Herva Doce. Já The boys are back in town é aberta com uma zoação feroz com Every breath you take – a banda toca a introdução do hit do Police, Phil parece sacanear a voz de Sting e em seguida avisa que se trata “apenas de uma introdução musical”. Para matar as saudades do comandante Phil.
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Crítica
Ouvimos: Canacut – “À mercê do tempo” (EP)

RESENHA: O Canacut mistura reggae, blues, rock e ritmos brasileiros num EP que une crítica social, feminismo e pegada noventista.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 30 de outubro de 2025
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Banda vinda da misteriosa cidade de Americana (SP), o Canacut une reggae, blues, rock, ritmos brasileiros e trip hop, numa mistura musical que volta e meia lembra a riqueza rítmica do rock brasileiro dos anos 1990. O EP À mercê do tempo também investe numa vibe punk e elegante, usada como atmosfera das letras, como no feminismo militante e aguerrido do stoner abrasileirado Desobedeça (que valoriza a ótima voz de Mila Barros) e nas anotações existenciais da faixa-título, um blues nordestino que se destaca no EP.
O Canacut oferece também um passeio rítmico em Não espere, música que passa por blues, metal, reggae e jazz, divididos em poucos segundos na mesma faixa – mas é uma mescla musical que nunca faz a banda perder o formato canção de vista. A suingada e concretista Corpo de concreto, no final, é grunge + samba sobre a desvalorização do ser humano em meio à selva de pedra, e sobre os abismos que separam os seres humanos num mundo cada vez mais desigual.
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