Crítica
Ouvimos: Sparks – “MAD”

RESENHA: Sparks atualizam sua estranheza em MAD!, misturando punk, ópera e tecnopop com humor, crítica e emoção em mais um disco inventivo.
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Se você assistiu ao documentário Sparks Brothers, de Edgard Wright, sabe. Uma vez que você viu o quanto a cultura norte-americana de carros, praias, garotas, modismos inúteis e surfe está entranhada na obra dos Sparks, é impossível desver. Dá vontade de revisar discos clássicos como Kimono my house e Propaganda (ambos de 1974) com outros olhos, que antes enxergavam apenas uma banda absurda, focada inicialmente no glam rock e no synth pop, e que em tese teria mais a ver com o rock britânico. Tanto tinha, aliás, que a fama só veio quando mudaram-se de Los Angeles para Londres.
MAD!, 28º disco da dupla formada pelos irmãos Ron e Russell Mael, traz a estranheza histórica dos Sparks atualizada – e de certa forma, modificada. O clima sombrio e meio brigão que se avizinhava em discos antigos do grupo aparece com um pouco mais de força em faixas como o eletrorock punk Do things on my way – música que pode ser uma declaração de princípios, ou uma espinafrada nesse tira-casaco-bota-casaco dos algoritmos, ou uma zoada forte no comportamento anti-CLT dos jovens (não é só no Brasil, né?). Essa vanglória pessoal rola também no eletrovintage de Jansport backpack e em My devotion.
Veja também:
- No nosso podcast, Sparks da pré-história à era de Kimono my house
- Relembrando: Sparks, Kimono my house (1974)
- Ouvimos: Sparks, The girl is crying in her latte
- Sparks: descubra agora!
Em MAD!, tem mais: os Sparks voltam quase operísticos em I-405 rules e A long red light – esta última com cordas rangendo como se fosse trilha de filme do Tim Burton. Chegam perto dos Ramones em Hit me baby, fazem tecnopop zoeiro e cinematográfico em Running up a tab at the hotel for the fab, criam uma disco music solene e sombria em Don’t dog it e fazem sua própria leitura da tragédia emo, com tons de ópera, em Drowned in a sea of tears.
A vontade — plenamente realizada — dos Sparks de fazer tudo à sua maneira se revela no fato de um dos singles do álbum ser uma curiosa marcha-rock, A little bit of light banter. Uma faixa cuja letra, absolutamente teatral, narra a tentativa de um casal de levar uma vida leve e harmônica enquanto o mundo explode lá fora. Nada a ver com a mania de caos e distopia dos dias de hoje, até porque MAD! encerra com uma emocionante oração pop em tom beatle, Lord have mercy. Os dois irmãos seguem sendo únicos.
Texto: Ricardo Schott.
Nota: 9
Gravadora: Trangressive Records
Lançamento: 23 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: Peter Murphy – “Silver shade”

RESENHA: No novo álbum, Silver shade, Peter Murphy mistura pós-punk, darkwave e clima Bowie anos 1990 – tem coisas boas, mas parece distante do brilho de seus discos clássicos.
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Vou começar a resenha com uma pergunta a você, que ouviu Silver shade antes de mim (o disco foi lançado tem alguns meses): você curtiu o novo disco de Peter Murphy de verdade, ou fui eu que impliquei com certos detalhes dele?
Eu já comecei a achar que havia algo estranho nesse disco por causa da capa – o rosto do ex-cantor do Bauhaus se transforma numa “coisa” metálica que mais lembra uma daquelas travessas de aço inox que só saem do armário para servir o peru de Natal, ou os cabos de talheres antigos do tempo de vovó garota. A voz de Peter continua impostada, lá em cima, mas ganhou um ligeiro tom canastrão que causa certas dúvidas. Swoon e Hut boy, dois temas darkwave de quatro costados que abrem o álbum, vão nessa linha.
Apesar da abertura em tom sombrio e eletrônico, Silver shade é na maior parte do tempo um disco que une pós-punk, alguns climas progressivos de FM e vibes trevosas. Sherpa é pós-punk de base “dark”, a faixa-título soa quase grunge, The artroom wonder soa bastante parecida com o começo da fase anos 1990 de David Bowie, e vai por aí. Já a enorme The meaning of my life parece um Duran Duran sombrio, reflexivo e meio pesado.
- Relembrando: Peter Murphy, Love hysteria (1988)
- Corpus Delicti: pós-punk clássico da França de volta
O canto de Bowie paira também sobre as duas melhores músicas do disco, Xavier new boy e Cochita is lame – essa última, com clima chique ligado à música dos anos 1960 e a trilhas de filmes policiais. Peter invade a pequena área do rock pauleira em Soothsayer e soa exagerado e meio (vá lá) cafona em faixas como Time waits e The salimaker’s charm (que soa como um Pink Floyd anos 1980 travado). Let the flowers grow, com Boy George, é meditativa, meio deprê e ressoa bem.
Silver shade tem méritos – e é Peter Murphy na atividade, ora bolas. Mas do começo ao fim você vai esperar algo gracioso como as faixas de discos antigos do cantor do Bauhaus, como Love hysteria (1988) e Deep (1989), e não vai achar.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7
Gravadora: Metropolis Records
Lançamento: 9 de maio de 2025
Crítica
Ouvimos: La Flemme – “La fête”

RESENHA: Garage rock francês com cowpunk, surf e noise: La fête, estreia do La Flemme, é barulhento, blasé e cheio de boas ideias.
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O garage rock francês vai muito bem, obrigado. O La Flemme, em seu primeiro álbum, La fête, mostra-se uma banda de garagem com tendências a abarcar estilos como o bom e velho cowpunk (a faixa-título, dos versos exaustos “os jovens querem festejar / a preguiça”, repetidos o tempo todo), a surf music dos anos 1960 (a melô do pássaro do mau agouro Oiseau, e Laissez-moi tranquile) e até noise rock – esse, nos ruídos finais de Marre de vous e Demain.
O La Flemme tem bastante ligação com o pop francês, embora isso não seja esfregado na cara de quem ouve – dá para perceber no clima chique e irônico do pós-punk Le petit du camas, com vocais falando lembrando Serge Gainsbourg, e na brincadeira ruidosa e quase psicodélica de Mer azur. Um verdadeiro ET em La fête é Tunnel, um garage rock psicodélico, espacial e instrumental de quase sete minutos, com várias partes que migram para um clima quase stoner. O tipo de faixa que na era do CD talvez virasse um bônus escondido – com uma vibe não tão representativa da banda.
Em boa parte das letras de La fête, o narrador é o personagem que já está de saco cheio das mesmas pessoas e situações, como no perrengue alcoólico de Demain, e no tédio geral de Sans fond (“vamos falar pouco, mas vamos falar de verdade / nunca sem dizer nada / isso me entendia!”) e de Laissez-moi tranquile (“me deixem em paz”, em bom português). Um disco de estreia bacana, barulhento e cheio de atitude blasé.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 25 de abril de 2025
Crítica
Ouvimos: Araúnas – “Relva”

RESENHA: Araúnas estreia com Relva, disco que mistura noise rock, psicodelia e brasilidades em faixas experimentais e cheias de climas mutantes.
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A banda sergipana Araúnas já se chamou Amagatos e Relva – e preferiu adotar esse último nome para chamar seu primeiro álbum, dedicado a uma união desconcertante de noise rock e psicodelia. Victor Caldas (vozes e guitarra), Guilherme Mateus (vozes e bateria), Guilherme Bagio (guitarra) e João Pedro França (baixo) também inserem partículas de brasilidade em seu som, vistas em linhas vocais e em algumas células rítmicas que surgem nas músicas.
Relva, o disco, abre com algo que poderia estar no Paebiru, de Zé Ramalho e Lula Côrtes – a música natural da vinheta Natureza morta. Mostra sua verdadeira face com o indie rock de Bento – que prossegue ganhando guitarras ruidosas – e com o noise brasileiro de Panorama. Sumidouro é repleta de variações: começa ameaçando um samba, continua numa onda quase 60’s e vai ganhando um design musical pós-punk. A percussiva e libertária Ana foge e descobre a noite tem uma onda macia e dissonante que faz lembrar, ao mesmo tempo, Smiths e Pink Floyd.
O ex-grupo de Roger Waters também é devidamente louvado na meditativa Corre, com participação de Yves Deluc (Cidade Dormitório) e climas que lembram o disco Atom heart mother (1970). Desamparo é um indie-samba-rock de quase seis minutos e Alto-mar (com Danilo Garcez, do Ventocais) soa como uma esquina entre grunge e pós-punk. No fim, sons marítimos e clima tranquilo na bossa Música do mar, que fecha o ciclo de Relva.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Independente
Lançamento: 29 de maio de 2025.
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