Crítica
Ouvimos: Sparks, “The girl is crying in her latte”

- The girl is crying in her latte é o 25º álbum dos Sparks, banda de Los Angeles formada pelos irmãos Russell Mael (voz) e Ron Mael (teclados). É o disco “da volta” deles a Island Records, pela qual lançaram o clássico Kimono my house, de 1974, entre outros discos.
- Recentemente, a dupla esteve envolvida em dois filmes: o musical Annette, para o qual fizeram a trilha sonora e ajudaram no roteiro, e um documentário sobre eles, Sparks Brothers. A própria banda reconhece que interesse pela obra deles aumentou depois disso. “Fizemos uma turnê em 2022 e o público era muito maior do que no passado”, diz Russell.
- “É simplesmente uma história incrível que estivemos com a Island para o primeiro álbum que estourou internacionalmente, e que agora, 49 anos depois, estamos assinando novamente com a mesma gravadora”, disse Russell à ClassicPopMag. “E não é baseado na nostalgia, é 100% baseado nesse novo álbum. Estamos muito felizes por estar de volta com a Island, mas por estar de volta com eles com base no que Sparks está fazendo em 2023”.
Há notícias boas e ruins sobre esse novo álbum dos Sparks. A melhor notícia: o grupo dos irmãos Ron e Russell Mael continua trabalhando, na ativa, em meio a uma das maiores turnês de sua história (com interesse redobrado após o documentário) e permanece sendo uma das formações mais irônicas e criativas da história da música pop.
O lado chato da situação: mesmo com a volta a Island Records, gravadora do clássico Kimono my house (1974), o disco novo tem pouca coisa que chega perto de marcar época. Bem ao contrário do que aconteceu em discos como o próprio Kimono, Propaganda (ambos de 1974), Nº 1 in heaven (1979) e Angst in my pants (1981), além de estranhas loucuras como Lil Beethoven (2002) e Hello young lovers (2006), maiores destaques numa discografia numerosa, e que, com o passar dos anos, foi fazendo o favor de separar os Sparks por completo do público roquista. Se artistas como David Bowie e Marc Bolan eram glam rock, os irmãos vão além disso: mesclam rock, cabaré, ópera, astros e estrelas da era de ouro de Hollywood, Shakespeare, personagens de sitcom – e um clima de “em sociedade, tudo se sabe”, de quem não resiste a dar uma espiadinha na vida alheia e a caracterizar pessoas como personagens em ação.
The girl is crying aponta para a solidão e para as estranhices que regem o dia a dia do cidadão no pós-pandemia, com zoeiras sérias como a faixa-título, o desespero alegre do single Nothing is as good as they say it is (que ganhou um clipe no estilo meu-sobrinho-fez, cheio de bebês chorando), a história de uma guerra de mulheres em que todas querem parecer com a mulher fatal do cinema Veronica Lake (o nome da música é esse mesmo: Veronica Lake), aquele momento em que você quer lembrar do rosto de alguém e não consegue (Not that well-defined, que põe a culpa no outro: “Eu diria que você não é tão bem definido/uma fotografia depois de muito vinho”) e gente que se contenta com migalhas (Gee, that was fun, aberta com uma linha melódica que soa como brincadeira com My way, sucesso de Frank Sinatra).
Os Sparks voltam meio operísticos, meio eletrônicos, como entrega o batidão da faixa-título. E em alguns momentos entregam-se a um clima de cabaré alemão que faria o saudoso Sérvio Túlio, da banda fluminense Saara Saara, feliz. Também dão suas parodiadas no pop de rádio AM dos anos 1970 (It doesn’t have to be that way), no Pet sounds, dos Beach Boys (It’s sunny today) e até em trilhas de filmes de Tim Burton (Take me for a ride, a melhor do disco, com cordas e clima grandiloquente e pop). Mas faz falta um som que dê de verdade pra tocar na pista ou um número maior de canções que causem impacto – como acontecia com boa parte de Kimono.
Gravadora: Island
Nota: 7
Foto: Reprodução da capa do álbum
Crítica
Ouvimos: Residents, “Doctor Dark”

Morto em 2018, Hardy Fox era um dos raros integrantes dos Residents que costumavam ter seu nome citado em matérias sobre o grupo – que sempre tentou trabalhar secretamente, não revelando nem mesmo as identidades de seus integrantes, escondidos atrás da famosa máscara de globo ocular usada em shows e aparições públicas.
Sua partida é o combustível de Doctor Dark, novo disco dos Residents, espécie de ópera-rock de terror musical, falando sobre temas “agradáveis” como morte, eutanásia, abuso de drogas, suicídio e assassinatos. Para dar o tom sombrio da coisa, os Residents chamaram músicos do Conservatório de São Francisco.
O resultado é uma trilha sonora tensa, quase cinematográfica, como em White guys with guns — que, além de cordas ameaçadoras, traz ruídos de tiros — e Maggot remembers, que evolui para um híbrido de industrial e stoner rock. Em The gift, as cordas soam tristes e fúnebres, lembrando os momentos mais sombrios de Berlin, de Lou Reed.
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Por trás das faixas, há outro subtexto inquietante: o famoso julgamento da banda de heavy metal Judas Priest em 1990, quando a banda foi acusada de incitar suicídios com mensagens subliminares. Tension, que soa como um conto infantil em seu momento mais assustador, fala diretamente disso. O mesmo vale para She was never lovelier e Remembering mother, que têm o clima gélido de um funeral.
Tem espaço até para um momento quase amigável: Ol’ man river tem um quê de rock progressivo à moda da banda canadense FM — embora, claro, com o selo de bizarrice habitual dos Residents. E o fim da faixa já emenda em Take me to the river, uma avalanche de ruídos que lembram uma guerra de balas traçantes.
Doctor Dark é aquele disco que até os fãs mais fiéis vão ouvir com fascínio — mas provavelmente só ouvirão uma vez. Intenso, desconfortável e profundamente perturbador, é uma obra que encara de frente temas que muita gente prefere manter à distância. Mas, enfim, os Residents não vieram ao mundo para fazer concessões.
Nota: 7
Gravadora: Cryptic Corp
Lançamento: 28 de fevereiro de 2025.
Crítica
Ouvimos: Tigre Robô, “Telefone pra cachorro”

Muito do que está no primeiro disco do Tigre Robô, Telefone pra cachorro, confirma uma velha teoria nossa: bandas como Wire, The Fall e Public Image Ltd talvez sejam mesmo algumas das mais influentes da história. Com apenas onze faixas e nenhuma enrolação, o álbum da banda brasiliense mistura pós-punk de quarto com o experimentalismo lo-fi do Weatherday — como na abertura, Desconforto.
Há espaço também para uma mescla esperta de punk e rap, como em Atlas, com o excelente verso “como se dança com o mundo nas costas?”. A faixa remete a Akira S & As Garotas Que Erraram, e só não parece ainda mais com eles porque destaca uma guitarra — econômica, seca, honrando o pós-punk.
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O Tigre Robô, aliás, parece gostar de contrariar expectativas: Desperdício é punk de garagem que soa como o já citado Wire, ou como um Titãs alternativo, gravado na tora e meio bêbado. Definitivamente um indivíduo traz um baixo herdado da disco music (pense em Gang Of Four) e uma letra crua, com versos como “não sou uma ideia formada de certezas” e “nos fluidos pegajosos escorrem gosmentos os meus desejos”.
Carne de pescoço é blues rock ruidoso que remete à Patife Band – e que parece uma faixa gravada numa máquina de oito canais, em 1985, pronta para ser lançada num LP independente. Já Desconserto tem pegada power pop, melodia que flerta com os Beatles e uma vibe que, curiosamente, lembra o Blur dos primeiros discos.
Na salada sonora do Tigre Robô, ainda cabe Turismo, um punk com teclados e baixo em diálogo, na linha dos Stranglers. E uma pequena joia quase psicodélica: Todos seus amigos são supermodelos, que começa como se o Jefferson Airplane tivesse caído no punk e prossegue com solos de guitarra tomando o comando.
Nota: 9
Gravadora: Manga Rec
Lançamento: 20 de janeiro de 2025.
Crítica
Ouvimos: Kill Your Boyfriend, “Disco kills” (EP)

A dupla italiana Kill Your Boyfriend se autodefine como pós-punk, mas vai muito além dessa etiqueta em Disco kills, EP cujo título já dá uma pista do que vem pela frente. Influenciados por nomes como New Order, Kraftwerk e Giorgio Moroder, os dois transitam entre o rock industrial e eletrônico — como na faixa de abertura Ego, marcada por um grave que faz as vezes de baixo — e uma disco music mal-humorada, com tempero punk. Obsession, por exemplo, parece um encontro tenso entre Depeche Mode e Ministry, definindo bem os dois polos que sustentam o EP.
Apathy, com batida acelerada que flerta com o dubstep, entrega uma house music industrial nervosa, com uma letra curta e direta que chega quase como um rap — mais uma vez na trilha do Ministry. Illusion gira em torno de um riff grave e distorcido, com vocais simplificados e letra mínima. Discretion começa com um batidão eletrônico que ganha a companhia de um synth agitado, e tem ritmo pulado como num country-metal-dance.
No encerramento, a vibe sombria dá lugar a Youth, que se aproxima da dance music e do hi-NRG graças aos teclados cintilantes — embora os vocais ainda sejam marcados por ecos góticos. Um EP sujo, pesado, cheio de boas referências e, acima de tudo, divertido.
Nota: 8,5
Gravadora: Sister 9 Recordings
Lançamento: 9 de maio de 2025.
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