Cultura Pop
Quando Screaming Lord Sutch assustou (ok, nem tanto) todo mundo

Na hora de falar de artistas assustadores, tem um nome que costuma ser esquecido: é o do cantor e músico inglês David Edward Sutch, ou Screaming Lord Sutch.
Tempos antes de Alice Cooper terminar seus shows sendo “morto” no palco, Sutch, e isso nos anos 1960, já contracenava com caveiras, cadáveres e caixões (saía de dentro de um, no palco). Também costumava se fantasiar de Jack, O Estripador. Nessa época, tocava com a banda The Savages, e costumava investir numa espécie de “música assustadora”, que na real soava mais engraçada do que medonha.
Havia quem visse em Sutch talento duvidoso como cantor, mas não havia dúvida de que ele era bom de autopromoção e tinha muito carisma. Mais ou menos na época em que se lançou como cantor, Screaming Lord Sutch resolveu lançar uma rádio pirata (!), a Radio Sutch, que não deu muito certo, e acabou sendo vendida para seu empresário Reginald Calvert.
Calvert mudou o nome da Radio Sutch para Radio City e teria um destino pessoal bem complexo: foi assassinado por um sócio por causa de uma disputa envolvendo a compra de equipamento para a emissora. Nessa época, Sutch já estava levando adiante sua carreira e já havia até gravado um single com participação de um jovem guitarrista chamado Jimmy Page, She’s fallen in love with The Monster Man (1964).
O carisma de Sutch foi notado a tempo pela BBC, que logo no comecinho bancou um documentário sobre a carreira dele. O filminho de 35 minutos tem entrevistas com ele, com fãs, colaboradores e até com seu produtor, Joe Meek (uma figura bem bizarra, que merece até um texto à parte no POP FANTASMA).
Sutch, por sinal, logo percebeu que poderia usar suas qualidades numa área que não tinha nada a ver com a música: a política. Nos anos 1960, ele entrou para o Partido Nacional dos Adolescentes e se candidatou algumas vezes. Em 1983, montou seu próprio partido, o Official Monster Raving Loony Party, que conseguia arrecadar votos de pessoas desanimadas com as eleições – num efeito Macaco Tião que não surtia muitos resultados, já que Sutch perdeu mais de 40 eleições desde os anos 1960.
Sim, existe um documentário sobre o partido, e sobre o legado político de Screaming Lord Sutch.
E apesar da carreira de Screaming Lord Sutch vir desde 1964, só em 1970 Sutch lançou seu primeiro LP de verdade. Lord Sutch and Heavy Friends foi gravado entre maio e setembro de 1969, lançado pelo selo Cotillion (ligado à Atlantic) em fevereiro de 1970 e… bom, não dá pra dizer exatamente que marcou época. Alguém jogou o disco inteiro no YouTube.
O nome “heavy friends” não vem por acaso: Sutch, com moral na época, juntou num time de músicos o que havia de mais significativo em termos de rock pesado. Passaram pelo estúdios músicos como Noel Redding (baixista do Experience), Nicky Hopkins (tecladista que tocava com o Who), Jeff Beck (na guitarra) e até mesmo Jimmy Page e John Bonham, guitarrista e baterista do Led Zeppelin. Page, pra completar, produziu o disco.
Nem Beck nem Page têm lembranças tão boas assim do álbum, que por sinal tem momentos interessantes. Beck, em particular, era fã de Sutch. Mas diz ter detestado o disco. “Fiquei surpreso e aborrecido. Lembro vagamente da gravação, em um estúdio decadente em uma viela qualquer”, recordou numa entrevista. Page, então começando com o Led Zeppelin, admitiu ter feito um favor a Sutch, que era seu amigo, produzindo o álbum. Vale dizer que o tempo estendido de gravação do LP (cinco meses) não aconteceu por acaso: Sutch, amigo de uma galera meio grande do rock na época, ia encontrando com os brothers e arrastando quem conseguisse para o estúdio, na medida que as agendas batessem.
A carreira musical de Screaming Lord Sutch ainda teve outros lances, até porque nomes novos do shock rock foram surgindo (Alice Cooper, Kiss) e houve certa onda de interesse pelo trabalho dele. Em 1972 saiu o disco Hands of Jack The Ripper, cuja lista de participações incluía Keith Moon (Who), Richie Blackmore (Deep Purple) e Annette Brox (atriz do musical Jesus Christ Superstar). Já em 1975, nasceu o filho único de Sutch com a modelo Thann Rendessy, batizado com o nome de Tristan Lord Gwynne Sutch. Aqui tem várias fotos do casal com o filho, todas pertencentes à Getty Images.
O que muitos fãs não sabiam era que Sutch, havia muito tempo, brigava com a depressão. O cantor tomava remédios fortíssimos e, em vários momentos, cancelava compromissos por causa disso. A saga de Sutch terminou em 16 de junho de 1999, quando foi encontrado enforcado na casa de sua mãe, por sua noiva. A mãe do cantor morrera dois anos antes, e Sutch não havia se recuperado da morte dela. Ele tinha 58 anos. Curiosamente era uma época em que o cantor estava voltando a se apresentar e até aparecera num comercial.
No YouTube dá para acompanhar um pouco do que eram os shows dele: enfim, uma verdadeira demência. Em 1972, uma apresentação de Screaming Lord Sutch no Wembley Stadium chegou a ser gravada e exibida na TV. O cantor fingia que ia botar fogo na plateia, soltava pombos (!) no palco e contracenava com strippers. Nada de censura: havia até crianças na plateia.
Já isso aqui é Screaming Lord Stuch, um ano antes de morrer, tocando uma versão de Roll over Beethoven (Chuck Berry) num palquinho mínimo. Um entertainer bizarro até o fim. R.I.P.
Mais informações em The Guardian.
Leia também no POP FANTASMA:
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Cultura Pop
Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

Tá aí o que muita gente queria: Bruce Springsteen vai lançar uma caixa com sete álbuns “perdidos”, nunca lançados oficialmente. O box vai se chamar Tracks II: The lost albums (é a continuidade de Tracks, caixa de 4 CDs lançada em 1998) e nasceu de uma limpeza que Bruce fez nos seus arquivos durante a pandemia. Pelo que se sabe até agora, o material inclui sobras das sessões de Born in the USA (1984) e gravações da fase eletrônica dele, no comecinho dos anos 1990 – inclusive um disco inteiro desse período, que nunca viu a luz do dia.
Essa notícia caiu nos sites na semana passada e trouxe de volta um detalhe que os fãs de Bruce já conhecem bem: ele tem muito material inédito guardado – e material bom. Em uma entrevista à Variety em 2017, ele mesmo comentou que sabia ter feito mais discos do que os que lançou, mas que havia motivos sérios para manter alguns deles nas gavetas.
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“Por que não lançamos esses discos? Não achei que fossem essenciais. Posso ter achado que eram bons, posso ter me divertido fazendo, e lançamos muitas dessas músicas em coleções de arquivo ao longo dos anos. Mas, durante toda a minha vida profissional, senti que liberava o que era essencial naquele momento. E, em troca, recebi uma definição muito precisa de quem eu era, o que eu queria fazer, sobre o que estava cantando”, disse na época (o link do papo tá aqui – é uma entrevista longa e bem legal).
Com o tempo, vários desses registros acabaram saindo em boxes e coletâneas. Um deles foi The ties that bind, um disco de pegada punk-power pop que seria lançado no Natal de 1979 – e que acabou virando uma espécie de esboço inicial do disco duplo The river, de 1980. Pelo menos saiu uma caixa em 2015 chamada The ties that bind: The River collection, com todo o material dessa época, inclusive o tal disco descartado (além de um material que formava quase um suposto disco de punk + power pop que teria sido abandonado).
Um texto publicado na newsletter do músico Giancarlo Rufatto recorda que Bruce infelizmente deixou de fora do novo box alguns álbuns que realmente mereciam ver a luz do dia. Um deles é um álbum solo (sem a E Street Band, enfim), com uma sonoridade country ’n soul, que foi gravado em 1981. Esse disco teria sido abandonado durante um período de depressão, que resultou em isolamento e na elaboração do disco cru Nebraska (1982), feito em casa com um gravador de quatro canais, só voz e violão.
Bruce até parece fazer referência a esse álbum perdido na entrevista da Variety. “Esse disco é influenciado pela música pop da Califórnia dos anos 70”, contou. “Glen Campbell, Jimmy Webb, Burt Bacharach, esse tipo de som. Não sei se as pessoas vão ouvir essas influências, mas era isso que eu tinha em mente. Isso me deu uma base pra criar, uma inspiração pra escrever. E também é um disco de cantor e compositor. Ele se conecta aos meus discos solo em termos de composição, mais Tunnel of love e Devils and dust, mas não é como eles. São apenas personagens diferentes vivendo suas vidas.”
Outro material bastante esperado pelos fãs – e que também não está na caixa – é o Electric Nebraska, a tentativa de Bruce de gravar com a E Street Band as músicas que acabaram no Nebraska. Nem ele, nem o empresário Jon Landau, nem os co-produtores Steven Van Zandt e Chuck Plotkin gostaram do resultado, e as gravações foram trancadas a sete chaves. Nem em bootlegs esse material apareceu até hoje. Pra você ter ideia, Glory days, que só sairia no Born in the USA (1984), chegou a ser ensaiada e gravada junto.
Quase todo mundo próximo a Bruce acredita que ele nunca vai lançar oficialmente essas gravações elétricas do Nebraska. Max Weinberg, baterista da E Street Band desde 1974 (com algumas pausas), confirmou a existência desse material em 2010, numa entrevista à Rolling Stone, e disse que adoraria ver tudo lançado.
“A E Street Band realmente gravou todo o Nebraska, e foi matador. Era tudo muito pesado. Por melhor que fosse, não era o que Bruce queria lançar. Existe um álbum completo do Nebraska, todas essas músicas estão prontas em algum lugar”, revelou. Bruce pode até guardar discos inteiros na gaveta, mas esse é um daqueles casos em que o silêncio guarda várias histórias – que podem render surpresas bem legais.
E ese aí é o lyric video de Rain in the river, uma das faixas programadas para Tracks II (a faixa sai num disco montado durante a elaboração do box, Perfect world).
Cultura Pop
Urgente!: Supergrass, Spielberg e um atalho recusado

Coisas que você descobre por acaso: numa conversa de WhatsApp com o amigo DJ Renato Lima, fiquei sabendo que, nos anos 1990, Steven Spielberg teve uma ideia bem louca. Ele queria reviver o espírito dos Monkees – não com uma nova versão da banda, como uma turma havia tentado sem sucesso nos anos 1980, mas com uma nova série de TV inspirada neles. E os escolhidos para isso? O Supergrass.
O trio britânico, que fez sucesso a reboque do britpop, estava em alta em 1995, quando lançou seu primeiro álbum, I should coco. Hits como Alright grudavam na mente, os vídeos eram cheios de energia, e Gaz Coombes, o vocalista, tinha cara de quem poderia muito bem ser um monkee da sua geração. Spielberg ouviu a banda por intermédio dos filhos, gostou e fez o convite.
Os ingleses foram até a Universal Studios para uma reunião com o diretor – com direito a recepção no rancho dele e papo sobre fase bem antigas da série televisiva Além da imaginação. O papo sobre a série, diz Coombes, foi proposital, porque a banda sacou logo onde aquilo poderia dar. “Talvez eu estivesse tentando antecipar a abordagem cafona que seria sugerida, tipo a banda morando junta como os Monkees”, contou Coombes à Louder, que publicou um texto sobre o assunto.
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A proposta era tentadora. Mas eles disseram não. “Foi lisonjeiro e muito legal, mas ficou óbvio para nós que não queríamos pegar esse atalho”, explicou o vocalista, afirmando ter pensado que aquilo poderia significar o fim do grupo. “Você pode acabar morrendo em um quarto de hotel ou algo assim, ou então a produção quer apenas um de nós para a próxima temporada. Foi muito engraçado, respeitosamente muito engraçado”.
O tempo passou. E agora, em 2025, I should coco completa 30 anos (mas já?). O Supergrass, que se separou no fim dos anos 2000, voltou para tocar o disco na íntegra e alguns hits em festivais como Glastonbury e Ilha de Wight.
Aqui, o trio no Glastonbury de 2022.
Foro: Keira Vallejo/Wikipedia
Crítica
Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

Tudo que é mais difícil de explicar, é mais complicado de entender – mesmo que as intenções sejam as melhores possíveis e haja um verniz cultural-intelectual robusto por trás. Isso vale até para desfiles de escolas de samba, quando a agremiação mais armada de referências bacanas e pesquisas exaustivas não vence, e ninguém entende o que aconteceu.
Carnaval, injustiças e polêmicas à parte, o novo Mayhem foi prometido desde o início como um retorno à fase “grêmio recreativo” de Lady Gaga. E sim, ele entrega o que promete: Gaga revisita sua era inicial, piscando para os fãs das antigas, trazendo clima de sortilégio no refrão do single Abracadabra (que remete ao começo do icônico hit Bad romance), e mergulhando de cabeça em synthpop, house music, boogie, ítalo-disco, pós-disco, rock, punk (por que não?) e outros estilos. Todas essas coisas juntas formam a Lady Gaga de 2025.
Algo vinha se perdendo ou sendo deixado de lado na carreira de Lady Gaga há algum tempo, e algo que sempre foi essencial nela: a capacidade de usar sua música e sua persona para comentar o próprio pop. David Bowie fazia isso o tempo todo – e ele, que praticamente paira como um santo padroeiro sobre Mayhem, é uma influência evidente em Vanish into you, uma das faixas que melhor representam o disco. Aqui, Gaga entrega dance music com alma roqueira, um baixo irresistível e um batidão que evoca tanto a fase noventista de Bowie quanto o synthpop dos anos 1980.
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Mais coisas foram sendo deixadas de lado na carreira dela que… Bom, sao coisas quase tão difíceis de explicar quanto as razões que levaram Gaga a criar um álbum considerado “difícil” como Artpop (2013), enquanto simultaneamente mergulhava no jazz com Tony Bennett e preparava-se para abraçar o soft rock no formidável Joanne (2016), um disco autorreferente que talvez tenha deixado os fãs da primeira fase perdidos. Em outro tempo, Madonna parecia autorizada a mudar como quisesse, mas quando Gaga fazia o mesmo, deixava no ar notas de desencontro e confusionismo. O pop mudou, as décadas passaram, o público mudou – e todas as certezas evaporaram.
É nesse cenário que Mayhem equilibra as coisas, entregando um pop dançante, consciente e orgulhoso de sua essência, mas ao mesmo tempo sombrio e marginal. Há momentos de caos organizado, como em Disease e Perfect celebrity – esta última começa soando como Nine Inch Nails, mas, se você mexer daqui e dali, pode até enxergar um nu-metal na estrutura. Killah traz uma eletrônica suja, um refrão meio soul, meio rock que caberia num disco do Aerosmith, enquanto Zombieboy aposta no pós-disco punk, evocando terror e êxtase na pista (por acaso, Gaga chegou a dizer que o disco tem influências de Radiohead, e confirmou o NiN como referência).
Na reta final, o álbum se aventura por outros terrenos: How bad do U want me e Don’t call tonight flertam com o pop dinamarquês dos anos 90 (e são, por sinal, as únicas faixas pouco inspiradas do disco); The beast tem cara de trilha sonora de comercial de cerveja; e Lovedrug mergulha na indefectível tendência soft rock que surge hoje em dia em dez entre dez discos pop. Essa faixa soa como um híbrido entre Fleetwood Mac e Roxette – como se Gaga estivesse pensando também na programação das rádios adultas de 2035.
O desfecho de Mayhem chega como um presente para o ouvinte: Blade of grass é uma balada melancólica de violão e piano, que ecoa tanto a tristeza folk dos anos 70 quanto a melancolia do ABBA, crescendo em inquietação à medida que avança. E então, como quem perde um pouco o tom, o álbum termina com… Die with a smile, a já conhecida balada country-soul gravada em parceria com Bruno Mars, lançada há tempos como single. Dentro do contexto do disco, ela soa mais como um apêndice do que como um encerramento – uma nota de rodapé onde se esperava um ponto final. Nada que chegue a atrapalhar a certeza de que Lady Gaga conseguiu, mais do que retornar ao passado, unir quase todos os seus fãs em Mayhem.
Nota: 8,5
Gravadora: Interscope
Lançamento: 7 de março de 2025.
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