Cinema
Pulgasari: o filme financiado pelo ditador Kim Jong-Il

Filmes de monstros não são nenhuma novidade, verdade. Aliás, filmes de monstros ou Kaiju, como os nerds gostam de se referir – e como o recente Círculo de fogo popularizou. No Japão então, esses filmes são tão tradicionais e populares que o Godzilla até ganhou título de cidadão honorário e embaixador oficial da cultura daquele país.
Mas o que poucos sabem é que até Kim Jong-Il, o antigo ditador da Coreia do Norte – e pai do atual chefe de estado Kim Jong-Un -, era fã do gênero. Com uma uma ideia fixa de promover seu país e o comunismo através do cinema, criou o embrião de Pulgasari. O nome é baseado numa criatura folclórica coreana que se alimenta de metal (!!!!) e que quanto mais come, mais cresce. E o nome dela é na verdade bulgasari, palavra derivada do chinês bul ga sal, “que não pode ser morto”.

Cartaz do filme
Havia vontade, e dinheiro para financiar tais obras não era problema. Mas faltava o principal: um diretor. Kim achava que a mão de obra local não era boa o suficiente para suas pretensões globais. Contactou vários sul-coreanos, porém ninguém topava a empreitada. Cansado de levar tanto não na fuça, Kim Jong-Il resolveu a questão da forma mais inusitada possível. Mandou SEQUESTRAR seu diretor sul-coreano favorito Sang Ok-Shin em 1978.
Sang na verdade tinha ido ao país porque sua esposa, Choi Eun-Hee, atriz famosa na Coreia do Sul, tinha sido raptada até antes dele pelo regime. Era justamente para atrair o cineasta para a Coreia do Norte. Ao chegar lá, obviamente Sang tentou escapar, mas foi descoberto. Os dois passaram cinco anos presos. O diretor sul-coreano disse em diversas entrevistas que no período que esteve em cativeiro, alimentou-se somente de arroz, sal e, acreditem se quiser, capim. Foram soltos pelo próprio Kim Jong Il, que puniu os agentes penitenciários responsáveis pelas condições degradantes às quais os dois foram submetidos. E pasmem, desculpou-se dizendo que só não foi libertá-los antes porque “estava atarefado”…
Depois de resolvido todo esse “mal entendido”, Sang dirigiu três filmes que variaram entre dramas e musicais. Kim Jong Il chegou inclusive a atuar em um deles, Runaway, que Sang considera o seu melhor trabalho nesse período. Mas ainda faltava a menina dos olhos do ditador que era levar as telas de cinema seu ambicioso projeto Pulgasari. Para tanto, Sang conseguiu carta branca e importou uma equipe técnica do Japão (após, claro, certificar-se que todos teriam sua liberdade e integridade física assegurada). Conseguiu inclusive o ator Kenpachiro Satsuma, o homem que “interpretava” Godzilla naquela época.
Vendo que Kim ficou entusiasmado com o resultado final, o diretor o convenceu que havia aderido ao comunismo. Disse que Pulgasari seria um estrondoso sucesso internacional, e pediu para viajar até a Áustria com sua esposa para negociar distribuição mundial. Mas óbvio que quando ele lá chegou, voltou para a Coreia do Sul, onde posteriormente pediu asilo na embaixada dos EUA. A obra foi lançada na Coreia do Norte pouco tempo depois e foi um fracasso retumbante, fazendo com que ele caísse no esquecimento e permanecesse numa espécie de limbo até 1998. Nesse ano, foi lançado em VHS no Japão, o que fez com que, ao longo dos anos, ganhasse status de cult.
Toda essa história sobre a produção talvez seja até mais interessante que o filme em si, que vale pela curiosidade, mas é ruim de doer. Sang-ok Shin tinha a ideia que Pulgasari fosse uma espécie de parábola anti-capitalista, onde o monstro representaria o consumismo exacerbado. O monstro esgotava os recursos minerais do local para poder sobreviver. Porém, o tiro saiu pela culatra e a obra permite interpretações dúbias. O monstro já foi visto como uma representação dos ditadores norte-coreanos, que se apropriam dos recursos do país em proveito próprio.
Falar mais sobre ele seria liberar spoilers, e como eu não quero estragar a… ahn… “diversão” de vocês que ficaram curiosos para assistir, então simplesmente aproveitem: O filme encontra-se na íntegra (e com legendas em inglês) no Youtube! Confiram antes que saia de lá!
Se você quiser saber mais a respeito dessa história, surpresa: tem um filme sobre esse sequestro, Os amantes e o déspota, dirigido por Robert Cannan e Ross Adam. Choi Eun-Hee, morta há pouco, em 18 de abril, deu depoimentos para o documentário. E – detalhe – ele está na Netflix. Pega aqui. Abaixo, você confere o trailer.
Cinema
Urgente!: Cinema pop – “Onda nova” de volta, Milton na telona

Por muito tempo, Onda nova (1983), filme dirigido por Ícaro Martins e José Antonio Garcia – e censurado pelo governo militar –, foi jogado no balaio das pornochanchadas e produções de sacanagem.
Fácil entender o motivo: recheado de cenas de sexo e nudez, o longa funciona como uma espécie de Malhação Múltipla Escolha subversivo, acompanhando o dia a dia de uma turma jovem e nada comportada – o Gayvotas Futebol Clube, time de futebol formado só por garotas, e que promovia eventos bem avançadinhos, como o jogo entre mulheres e homens vestidos de mulher. Por acaso, Onda nova foi financiado por uma produtora da Boca do Lixo (meca da pornochanchada paulistana) e acabou atropelado pela nova onda (sem trocadilho) de filmes extremamente explícitos.
O elenco é um espetáculo à parte. Além de Carla Camuratti, Tânia Alves, Vera Zimmermann e Regina Casé, aparecem figuras como Osmar Santos, Casagrande e até Caetano Veloso – que protagoniza uma cena soft porn tão bizarra quanto hilária. Durante anos, o filme sobreviveu em sessões televisivas da madrugada, mas agora ressurge restaurado e remasterizado em 4K, estreando pela primeira vez no circuito comercial brasileiro nesta quinta-feira (27).
Meu conselho? Esqueça tudo o que você já ouviu sobre Onda nova (ou qualquer lembrança de sessões anteriores). Entre de cabeça nessa comédia pop carregada de referências roqueiras da época, um cruzamento entre provocação punk e ressaca hippie. O filme abre com Carla Camuratti e Vera Zimmermann empunhando sprays de tinta para pixar os créditos, mostra Tânia Alves cantando na noite com visual sadomasoquista, segue com momentos dignos de um musical glam – cortesia da cantora Cida Moreyra, que brilha em várias cenas – e trata com surpreendente modernidade temas como maconha, cultura queer, relacionamentos sáficos, mulheres no poder, amores fluidos e, claro, futebol feminino.
Se fosse um disco, Onda nova seria daqueles para ouvir no volume máximo, prestando atenção em cada detalhe e referência. A trilha sonora passeia entre o boogie oitentista e o synthpop, com faixas de Michael Jackson e Rita Lee brotando em alguns momentos. E o que já era provocação nos anos 1980 agora ressurge como registro de uma juventude que chutava o balde sem medo. Vá assistir correndo.
*****
Já Milton Bituca Nascimento, de Flavia Moraes, que estreou na última semana, segue outro caminho: o da reverência, mesmo que seja um filme documental. Durante dois anos, Flavia seguiu Milton de perto e produziu um retrato que, mais do que um relato biográfico, é uma celebração. E uma hagiografia, aquela coisa das produções que parecem falar de santos encarnados.
A narração de Fernanda Montenegro dá um tom solene – e, enfim, logo no começo, fica a impressão de um enorme comercial narrado por ela, como os daquele famoso banco que não patrocina o Pop Fantasma. Aos poucos, vemos cenas da última turnê, reações de fãs, amigos contando histórias. Marcio Borges lê matérias do New York Times sobre Milton, para ele. Wagner Tiso chora. Quincy Jones sorri ao falar dele. Mano Brown solta uma pérola: Milton o ensinou a escutar. E Chico Buarque assiste ao famigerado momento do programa Chico & Caetano em que se emociona ao vê-lo cantar O que será – um vídeo que virou meme recentemente.
Isso tudo é bastante emocionante, assim como as cenas em que a letra da canção Morro velho é recitada por Djavan, Criolo e Mano Brown – reforçando a carga revolucionária da música, que usava a imagem das antigas fazendas mineiras para falar de racismo e capitalismo. Mas, no fim, o que fica de Milton Bituca Nascimento é a certeza de que Milton precisava ser menos mitificado e mais contado em detalhes. Vale ver, e a música dele é mito por si só, mas a sensação é a de que faltou algo.
Por acaso, recentemente, Luiz Melodia – No coração do Brasil, de Alessandra Dorgan, investiu fundo em imagens raras do cantor, em que a história é contada através da música, sem nenhum detalhe do tipo “quem produziu o disco tal”. Mas o homem Luiz Melodia está ali, exposto em entrevistas, músicas, escolhas pessoais e atitudes no palco e fora dele. Quem não viu, veja correndo – caso ainda esteja em cartaz.
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Cinema
Urgente!: Filme “Máquina do tempo” leva a música de Bowie e Dylan para a Segunda Guerra

Descobertas de antigos rolos de filme, assim como cartas nunca enviadas e jamais lidas, costumam render bons filmes e livros — ou, pelo menos, são um ótimo ponto de partida. É essa premissa que guia Máquina do tempo (Lola, no título original), estreia do irlandês Andrew Legge na direção. A ficção científica, ambientada em 1941, acompanha as irmãs órfãs Martha (Stefanie Martini) e Thomasina (Emma Appleton), e chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (13), dois anos após sua realização.
As duas criam uma máquina do tempo — a Lola do título original, batizada em homenagem à mãe — capaz de interceptar imagens do futuro. O material que elas conseguem captar é todo registrado em 16mm por uma câmera Bolex, dando origem aos tais rolos de filme.
E, bom, rolo mesmo (no sentido mais problemático da palavra) começa quando o exército britânico, em plena Segunda Guerra Mundial, descobre a invenção e passa a usá-la contra as tropas alemãs. A princípio, a estratégia funciona, mas logo começa a sair do controle. As manipulações temporais geram consequências inesperadas, enquanto as personalidades das irmãs vão se revelando e causando conflitos.
Com apenas 80 minutos de duração e filmado em 16 mm (com lentes originais dos anos 1930!), Máquina do tempo pode soar confuso em algumas passagens. Não apenas pelas idas e vindas temporais, mas também pelo visual em preto e branco, valorizando sombras e vozes que quase se tornam personagens da história. Em alguns momentos, é um filme que exige atenção.
O longa também tem apelo para quem gosta de cruzar cultura pop com história. Martha e Thomasina ficam fascinadas ao ver David Bowie cantando Space oddity (o clipe brota na máquina delas), tornam-se fãs de Bob Dylan, adiantam a subcultura mod em alguns anos (visualmente, inclusive) e coadjuvam um arranjo de big band para o futuro hit You really got me, dos Kinks, que elas também conseguem “ouvir” na máquina. Um detalhe curioso: a própria Emma Appleton operou a câmera em cenas em que sua personagem Thomasina se filma (“para deixar as linhas dos olhos perfeitas”, segundo revelou o diretor ao site Hotpress).
Ainda que a cultura pop esteja presente, Máquina do tempo é, acima de tudo, um exercício de futurologia convincente, explorando uma futura escalada do fascismo na Inglaterra — que, no filme, chega até mesmo à música, com a criação de um popstar fascista.
A ideia faz sentido e nem é muito distante do que aconteceu de verdade: punks e pré-punks usavam suásticas para chocar os outros, Adolf Hitler quase figurou na capa de Sgt. Pepper’s, dos Beatles, Mick Jagger não se importou de ser fotografado pela “cineasta de Hitler” Leni Riefenstahl, artistas como Lou Reed e Iggy Pop registraram observações racistas em suas letras, e o próprio Bowie teve um flerte pra lá de mal explicado com a estética nazista. Mas o que rola em Máquina do tempo é bem na linha do “se vocês soubessem o que vai acontecer, ficariam enojados”. Pode se preparar.
Cinema
Ouvimos: Lady Gaga, “Harlequin”

- Harlequin é um disco de “pop vintage”, voltado para peças musicais antigas ligadas ao jazz, lançado por Lady Gaga. É um disco que serve como complemento ao filme Coringa: Loucura a dois, no qual ela interpreta a personagem Harley Quinn.
- Para a cantora, fazer o disco foi um sinal de que ela não havia terminado seu relacionamento com a personagem. “Quando terminamos o filme, eu não tinha terminado com ela. Porque eu não terminei com ela, eu fiz Harlequin”, disse. Por acaso, é o primeiro disco ligado ao jazz feito por ela sem a presença do cantor Tony Bennett (1926-2023), mas ela afirmou que o sentiu próximo durante toda a gravação.
Lady Gaga é o nome recente da música pop que conseguiu mais pontos na prova para “artista completo” (aquela coisa do dança, canta, compõe, sapateia, atua etc). E ainda fez isso mostrando para todo mundo que realmente sabe cantar, já que sua concepção de jazz, voltada para a magia das big bands, rendeu discos com Tony Bennett, vários shows, uma temporada em Las Vegas. Nos últimos tempos, ainda que Chromatica, seu último disco pop (2020) tenha rendido hits, quem não é 100% seguidor de Gaga tem tido até mais encontros com esse lado “adulto” da cantora.
A Gaga de Harlequin é a Stefani Joanne Germanotta (nome verdadeiro dela, você deve saber) que estudou piano e atuação na adolescência. E a cantora preparada para agradar ouvintes de jazz interessados em grandes canções, e que dispensam misturas com outros estilos. Uma turminha bem específica e, vá lá, potencialmente mais velha que a turma que é fã de hits como Poker face, ou das saladas rítmicas e sonoras que o jazz tem se tornado nos últimos anos.
O disco funciona como um complemento a ao filme Coringa: Loucura a dois da mesma forma que I’m breathless, álbum de Madonna de 1990, complementava o filme Dick Tracy. Mas é incrível que com sua aventura jazzística, Gaga soe com mais cara de “tá vendo? Mais um território conquistado!” do que acontecia no caso de Madonna.
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O repertório de Harlequin, mesmo extremamente bem cantado, soa mais como um souvenir do filme do que como um álbum original de Gaga, já que boa parte do repertório é de covers, e não necessariamente de músicas pouco conhecidas: Smile, Happy, World on a string, (They long to be) Close to you e If my friends could see me now já foram mais do que regravadas ao longo de vários anos e estão lá.
De inéditas, tem Folie à deux e Happy mistake, que inacreditavelmente soam como covers diante do restante. Vale dizer que Gaga e seu arranjador Michael Polansky deram uma de Carlos Imperial e ganharam créditos de co-autores pelo retrabalho em quatro das treze faixas – até mesmo no tradicional When the saints go marching in.
Michael Cragg, no periódico The Guardian, foi bem mais maldoso com o álbum do que ele merece, dizendo que “há um cheiro forte de banda de big band do The X Factor que é difícil mudar”. Mas é por aí. Tá longe de ser um disco ruim, mas ao mesmo tempo é mais uma brincadeirinha feita por uma cantora profissional do que um caminho a ser seguido.
Nota: 7
Gravadora: Interscope.
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