Crítica
Ouvimos: The Tubs – “Cotton crown”

RESENHA: The Tubs mistura jangle pop e punk em Cotton crown, disco intenso sobre luto e memória, com letras afiadas e peso emocional evidente.
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A capa de Cotton crown, segundo disco da banda galesa The Tubs, mostra o vocalista Owen Williams ainda bebê, sendo amamentado num cemitério (!) por sua mãe — a escritora, jornalista musical e compositora Charlotte Greig, que tirou a própria vida em 2014.
A imagem, por si só, carrega um peso simbólico e emocional considerável. E no caso de Owen, o luto acabou ocupando um espaço central em sua vida criativa. Muito antes de começar a trabalhar em Cotton, ele decidiu escrever um romance que orbitava a morte da mãe — livro este que, por sinal, chegou a ser pré-editado por seu pai e sua madrasta, ambos também escritores.
Mas a obra nunca chegou a ser publicada. “Uma grande agente quase o aceitou, mas desistiu assim que chegou à segunda metade. Disse que era muito estranho. Que eu não escrevia sobre traumas com empatia”, contou em sua newsletter. “Eu tinha sido escrupuloso em conter qualquer dor ou anseio, guardando tudo para as duas últimas frases, que eu esperava que fossem um vislumbre de um mundo subterrâneo de luto. Mas isso exigia chegar ao fim”.
Owen aparentemente ficou tão desgostoso com as recusas que preferiu nem sequer tentar uma autopublicação. De qualquer jeito, uma parte do livro acabou surgindo em Cotton crown, novo disco do The Tubs – que basicamente apresenta-se como uma banda entre o jangle rock e o punk do Clash, o que corta qualquer sensação estranha vinda das letras e da capa.
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Pelo que dá para perceber por algumas letras de Cotton crown, o músico queria tentar escrever sobre o assunto com um despojamento digno das canções de bandas como Replacements e Hüsker Dü. Ou seja: aquele tipo de música que só vinte anos depois você percebe que falava sobre depressão, ou sobre algum tema bem mais complexo.
Faixas como The thing is, Freak mode e Illusion nao chegam a tocar no assunto da capa – mas deixam entrever um clima de vazio, de desassociação (“quando olho no espelho / às vezes, tudo o que vejo é um espaço vazio”). Narcissist, uma das faixas mais melódicas do disco, prega que “Jane diz que você é um (ou uma) narcisista / bem, eu quero ver / você deveria fazer isso comigo”.
Entre punk rocks melódicos e faixas que soam como um encontro entre The Clash e Big Star, o grupo impressiona pelos vocais intensos e combativos, no melhor estilo Joe Strummer, emoldurados por violões bem marcados. One more day transita entre o jangle pop do R.E.M., a melancolia dos Smiths e a sombra do Joy Division, puxada por vocais graves e uma atmosfera soturna. A letra fala de um sonho com alguém que se foi, e gira em torno de uma súplica: “você poderia me dar mais um dia”.
No final, tem Strange – uma faixa solar, ligada ao country-rock e com ritmo ligeiramente funkeado. Poderia ser uma música do Capital Inicial no estilo de Não olhe pra trás, se a banda brasiliense topasse inserir uma ligeira paredinha de guitarras em suas canções. A letra, sem rodeios, recorda o momento em que Owen leu sobre a morte da mãe no jornal, e fala sobre o velório dela.
“No velório, alguém pegou meu braço / disse que você poderia escrever uma música para homenagear sua mãe / disse que a banda poderia escrever uma música”, canta Owen. Um tom que, de fato, soaria estranho em livro – mas que em canção, dá a impressão de uma dor contida, de quem ainda não teve tempo de ver a ficha cair, e acaba sendo forçado a encarar a realidade.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Trouble In Mind Records
Lançamento: 7 de março de 2025.
Crítica
Ouvimos: Alaide Costa – “Uma estrela para Dalva”

RESENHA: Em Uma estrela para Dalva, Alaíde Costa homenageia Dalva de Oliveira com emoção e arranjos únicos, revelando novas camadas em clássicos da MPB.
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Reposicionada no mercado com dois discos fortes de inéditas, Alaíde Costa decidiu recordar o repertório de Dalva de Oliveira em seu novo álbum – uma homenagem que remonta à época em que estava começando, participava de programas de calouros no rádio e tinha Dalva como modelo.
Uma estrela para Dalva, à primeira vista, para quem olhava de fora, poderia até parecer com uma dessas manias de artista – como aconteceu há alguns anos, quando Wanderleia desistiu de fazer com Marcus Preto um disco que recordava sua fase glam para se aventurar num álbum de chorinho. No caso de Uma estrela, de jeito nenhum: Alaíde reúne tudo conceitualmente, e interpreta todo o repertório com várias lágrimas na voz, ao lado de músicos que dão – cada um deles – uma cara própria para cada faixa.
Relendo as músicas imortalizadas por Dalva, Alaíde descobre melancolias que haviam até mesmo na marchinha Bandeira branca, com Amaro Freitas no piano. Além de passar pela intensidade de Tatuado (com piano circular de Zé Manoel), Há um deus (clima quase clássico com Vitor Araújo nas teclas), Bom dia (quase seis minutos de música, com Guinga no violão). Itamar Assiere faz um piano quase bossa-pop em Estrela do mar, e Maria Bethânia divide com ela Ave-Maria no morro – as duas acompanhadas por João Camareiro no piano.
Já Sebastiana da Silva, com clima quase lo-fi e Roberto Menescal na guitarra, conta a história de uma copeira que “convidada pelo maioral” do morro, vira porta-estandarte contra sua vontade. A música acaba se transformando em recordação (recordação?) de um racismo naturalizado, onde a personagem “não negou a sua raça”, sambou, prosperou financeiramente, “ficou cheia de si” e voltou para o morro. Serve como beleza musical, como documento e como denúncia.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Deck
Lançamento: 9 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: Luedji Luna – “Um mar pra cada um,”

RESENHA: Em Um mar pra cada um, Luedji Luna mergulha fundo em sons e sentimentos, unindo jazz, soul, samba e reflexões íntimas em um disco inventivo e maduro.
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Um mar pra cada um, disco novo de Luedji Luna (que saiu há alguns dias e já foi completado pela continuação Antes que o mundo acabe – em breve aqui no Pop Fantasma), vem após momentos de reflexão e de respiro. Momentos esses em que ela percebeu que estava com mais necessidade de exibir musicalidade do que aparatos de palco, coreografias, e qualquer coisa que transformasse seu show numa atração pop comum. Um processo que ela detalhou numa entrevista ao jornal O Globo, e que incluiu também um interesse recente por animais abissais, criaturas do fundo do oceano.
Daí para a frente, Luedji considera que passou a falar de sentimentos de maneira mais profunda – enxergando coisas que muitas vezes não estão mesmo na superfície. Isso certamente contou para a sessão de terapia da vinheta jazzística 4hz (com uma narração sobre desejos de mulheres), para as previsões de Karma – faixa entre o samba-soul e o jazz – e para o amor inventado de Harém, com Liniker nos vocais. E também para o blues-soul de Joia, com citação e sample de Pérola negra, de Luiz Melodia.
O que mais chama a atenção em Um mar pra cada um é que a música vem mais profunda e mais inventiva do que em lançamentos anteriores, acompanhando o processo pessoal de Luedji. O disco abre com clima “jazz from hell” na instrumental Genesis, invoca o jazz soul de Sade em Kyoto, e migra para um pop adulto de respeito em Rota e Dentro ali (essa última, uma faixa candidata a quebrar qualquer tipo de bloqueio, com vibe lembrando Adriana Calcanhotto). Há também samba reggae marítimo em Gamboa e emanações do neo soul noventista em Salty, jazz soul que combina vibrações solares e noturnas em dupla exposição.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Independente
Lançamento: 26 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: The Twist Connection – “Concentrate, give it up, it’s too late”

RESENHA: Vindo de Portugal, The Twist Connection mistura indie dos anos 2000 com pós-punk sombrio. Soa melhor quando aposta no lado mais tenso e soturno do rock.
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Com uma carreira que começou há quase dez anos, o grupo português The Twist Connection equilbra sua música entre o indie rock do começo dos anos 2000 e o clima sombrio do pós-punk oitentista, no álbum Concentrate, give it up, it’s too late. As letras são em inglês e os vocais lembram de leve os momentos mais desesperados de Ian Curtis, como nas tensas Smiling man e Crime – essa, com riff de duas notas apitando no ouvido. Já I can’t breathe now é indie chique sessentista com emanações de Roxy Music.
See if you can hang lembra o Echo and The Bunnymen do começo, com vocal parecendo um improviso poético por cima da música, e guitarra com som circular, enquanto Pulse, com clima new wave, traz os vocais da convidada Tracy Vandal. São esses os melhores lados do Twist Connection, que busca também soar como uma banda do começo dos anos 2000 em People like (com pegada Strokes), Concentrate e no garage rock Robbery. Quanto mais voltado para a face lúgubre do rock, mais o Twist Connection soa convincente e bacana. Ouça.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7,5
Gravadora: Lux Records.
Lançamento: 4 de abril de 2025.
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