Crítica
Ouvimos: Thalin, Cravinhos, VCR Slim, Pirlo e iloveyoulangelo, “Maria Esmeralda”

Um dos mais instigantes discos nacionais lançados em 2024 é mais do que um disco – e mais do que música. Assinado por um coletivo de cinco artistas (Thalin, Cravinhos, VCR Slim, Pirlo e iloveyoulangelo), Maria Esmeralda desafia percepções, catalogações (a começar pelo fato de as plataformas digitais só permitirem a inclusão de três nomes como lançadores de um álbum), e abre espaço para uma história que parece cinema marginal. Parece a observação do dia a dia em qualquer esquina. Parece com anotações feitas num caderno que, um dia, anos depois, ganharam vida e viraram história.
Maria Esmeralda é um disco de rap que usa uma linguagem de vanguarda, e a história contada no disco une várias cenas à espera de que o/a ouvinte resolva os mistérios e decida de que forma o álbum irá conversar com ele. Marília Medalha, voz injustamente pouco lembrada da MPB, abre a primeira faixa, Lúdica, avisando que “esta é a história de Maria Esmeralda” e lendo um poema de sua irmã, Marly Medalha. É um texto que basicamente fala em amor, liberdade e dia-a-dia. E que mesmo tendo entrado na história quando o disco já estava praticamente terminado, acaba dando um norte para quem ouve o álbum.
Daí para diante, somos apresentados a um mundo de amor marginal (Túlio, namorado de Maria Esmeralda, “fala” bastante no disco, mas só é brevemente apresentado no drum’n bass-faroeste de McCoy Tyner), drogas, marginalidade, preconceitos e histórias de família. Tudo em Maria Esmeralda soa como confissões, como cartas jamais enviadas e lidas vários anos depois, e como visões pessoais que convergem e divergem.
Quase sempre esse jogo de visões é enredado numa mesma faixa, como acontece no conto de amor e drogas Lince, na crônica familiar de Primo favorito, e no passeio paulistano, entre as estações do metrô e a vida nos bairros afastados, de Poliesportiva. Ou no rap psicodélico sobre falsos amigos de Judas Beijoqueiro (a letra que contém as melhores frases do disco, vale dizer). Há momentos em que surge até uma linguagem de rádio-novela, em faixas como Não haverá mais casamento. Um clima tenso e bastante emocionado surge em Dedo cheio de anel, rap com filiação lisérgica dada pelo piano e pelas frases da letra.
Musicalmente, Maria Esmeralda é um passeio criativo e inusitado por discos antigos, num armário de samples que vai do jazz e da MPB ao rock progressivo brasileiro dos anos 1970. Além dos batidões inseridos pelo próprio coletivo, e do flow que cria diálogos entre letra e música, como se fossem roteiro e imagem. O disco insere também elementos que é preciso ouvir mais de uma vez para sacar, como os ruídos de bater de asas que aparecem inseridos em todas as faixas, e ganham o ápice no instrumental Revoada, que encerra o álbum.
Difícil dizer se Maria Esmeralda vai criar uma escola no rap. Mas provavelmente muita gente que ouvir o disco vai decidir escrever um livro que tenha a mesma intensidade, ou dirigir um filme. E quem sabe, Maria Esmeralda vira livro ou filme.
Nota: 10
Gravadora: Sujoground Records.
Lançamento: 7 de junho de 2024
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- Outros textos ótimos sobre Maria Esmeralda: uma entrevista com o coletivo que fez o álbum (no site Oganpazan); uma extensa resenha do mesmo site, assinada por Danilo Cruz, falando sobre o disco; outra entrevista com a turma, do site Inverso Rap; crônica-resenha do disco feita pela curadora Pérola Braz, analisando Maria Esmeralda por uma visão urbana e metroviária (publicada no site Trabalho Sujo).
Crítica
Ouvimos: Babymetal – “Metal forth”

RESENHA: Em Metal forth, o Babymetal mistura peso e pop: nu-metal, j-pop, rap e até soul, provando maturidade após 15 anos de carreira.
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Babymetal é heavy metal para não-metaleiros, você poderia dizer. Nem tanto, né? É um banda que vem da cultura asiática de criação de ídolos, é formada por meninas (que já são mulheres) e gerenciada por uma agência poderosa – a Amuse, que tem até escola de música. Mas dá pra dizer, sem medo de errar, que muita gente foi apresentada ao universo do som pesado por causa delas. Até porque o Babymetal é esperto o suficiente para agregar mumunhas pop, e estilos como r&b e rap, a um universo conhecido pelo radicalismo.
Você piscou o olho e o Babymetal já tem quinze anos, várias turnês e, curiosamente, um número de discos bem pequeno. Metal forth é o quarto álbum e funciona bem para metaleiros de ouvidos abertos e sem preconceitos. Dando um passeio pelas faixas: Ratatata tem ar de j-pop e k-pop, e une som pesado, rap e dance music. Song 3 é uma porrada que une vocais guturais (da parte dos convidados do Slaughter To Prevail) e vozes meio Alvin e os Esquilos. From me to you, na abertura, herda sonoridades do metal alternativo e da música pop – é som rápido, pesado, eletronificado.
Entre as surpresas de Metal forth, tem Sunset kiss, que deixa o Babymetal com uma cara de Spice Girls trabalhadas no couro e no preto. E My kiss, um nu-metal cuja introdução ameça uma chupada em Ratamahatta (hit do Sepultura com participação de Carlinhos Brown). Tom Morello põe energia em Metal!!!, que também traz emanações de Sepultura, mas une som pesado e soul. Já White flame, no final, aponta para vários lados: j-pop, emo, punk… encerrando com um solo de guitarra final que lembra Queen.
Quem ouvir Metal forth de mente aberta, vai descobrir que, com o tempo, o Babymetal foi se tornando um projeto bastante equilibrado – as integrantes cresceram e o mundo ao redor delas mudou bastante.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Capitol
Lançamento: 8 de agosto de 2025
Crítica
Ouvimos: Deb and The Mentals – “Old news” (EP)

RESENHA: Deb and The Mentals volta às raízes em Old news: punk, grunge e new wave com peso, energia e nostalgia.
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Com uma formação nova que traz Fi (NX Zero), na guitarra, Deb and The Mentals decidiu voltar ao começo num EP de nome sintomático, Old news. Deb Babilônia adota novamente as letras em inglês nas cinco faixas do disco – e a banda corresponde com um som voltado para uma confluência entre punk, grunge e new wave. A faixa de abertura Together again une anos 1980 e 1990, soando como Ramones na fase Mondo bizarro (1992). Suck me in, com um pouco mais de peso, tem muito de bandas como Generation X. A noventista To erase vai para a pequena área do punk + metal, com peso e intensidade.
O “lado B” de Old news tem um hardcore rápido, cavalar e acelerado, Burn it down, fechado com microfonias. Tem também a música mais bonita do disco, Runaway, união de punk e rock britânico oitentista, chegando a lembrar Smiths. Dying spark, por sua vez, chama atenção pela boa marcação de baixo e bateria, e pela linha do tempo sonora que vai dos anos 1970 aos 1990.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Algohits
Lançamento: 13 de agosto de 2025
- Ouvimos: Paira – EP01 (EP)
- Ouvimos: A Terra Vai Se Tornar Um Planeta Inabitável – Ident II dades (EP)
- Ouvimos: akaStefani e Elvi – Acabou a humanidade
Crítica
Ouvimos: Klisman – “CHTC”

RESENHA: Em CHTC, Klisman transforma o Centro Histórico de Salvador em rap visceral, misturando trap, afropop e relatos de vida dura.
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CHTC, título do disco de estreia do rapper baiano Klisman, é uma sigla para “Centro Histórico tá como?” – e uma lembrança do coração de Salvador, um conjunto de pontos turísticos que explicam a história da capital baiana (Pelourinho, Elevador Lacerda, Mercado Modelo), além de um entorno de dez bairros. Klisman cresceu por lá e levou tudo para seu som, que une mumunhas do trap, e um certo elemento de perigo vindo do rap, além de erros e acertos pessoais. O som une beats de trap, afropop e vibes latinas.
Klisman fala da vida como ela se apresentou não apenas para ele, mas para vários amigos seus. Reparação histórica entra na mente dos que são tidos como vilões, em versos como “se eu roubo esse gringo é reparação histórica / visão de cria não pega na ótica” e “poucos sabem o dilema que eu vivo / do tipo: como vender drogas e ser um bom filho? / como tirar vidas e criar meu filho?”. Caminho certo cria imagens musicais para retratar um dia a dia que exige posicionamento rápido (“são escolhas que mudam o caminho de casa”), o mesmo rolando na ameaça sonora de 25kg e na sagacidade de Proibido branco. O próximo é rap lento e climático que une ódio e tiração de onda.
Para quem for ouvir CHTC, o conselho é tentar entender tudo como um filme e não sair julgando: Klisman entrega todas as contradições de quem cresceu numa realidade bem distante do que a classe média enxerga como normal – e o normal ali são leis bem estranhas. Em Praia da Preguiça, aberta com sample de violão e flautas, e Pixadão de guerra, sonhos misturam-se com alfinetadas em trappers famosos e realidades de trincheira (“a emoção de ver o alemão sangrar / é a mesma de ver o irmão prosperar”). Ainda sou o mesmo vai para vários lados da violência urbana: “quantas mãe vai ter que chorar? / ele poderia ter um Grammy / mas ele tá na boca portando uma Glock”.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Nadamal
Lançamento: 22 de maio de 2025.
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