Crítica
Ouvimos: Tahiti 80, “Hello hello”

- Hello hello é o décimo álbum da banda francesa Tahiti 80, formada por Xavier Boyer (voz, guitarra, piano, baixo), Médéric Gontier (guitarra, voz, teclados), Pedro Resende (baixo, programação, teclados, percussão, voz), Raphaël Léger (bateria, percussão, teclados, voz) e Hadrien Grange (teclados, percussão, voz).
- O grupo gravou o disco num estúdio em Niort, comuna na França. “Estávamos procurando um estúdio residencial, onde pudéssemos dormir e ficar em uma bolha. Tínhamos começado a prospectar no exterior mas é sempre complicado do ponto de vista logístico”, contou Xavier ao site francês Popnews.
- Here with you, o disco anterior (2022), foi feito à distância por causa da covid, e a ideia agora era que todos estivessem no mesmo ambiente. “O ambiente, o contexto, influencia necessariamente o processo artístico. Descobri que há uma coesão de grupo no disco anterior, mas as condições não eram as ideais”, continuou.
Se você for tentar achar uma música menos que excelente nesse décimo disco do Tahiti 80, Hello hello, vai ter uma trabalheira daquelas. Para começar, o grupo indie francês volta cada vez mais disposto a tirar sua música de qualquer noção de tempo e de espaço. Você sente (e bastante) que tem algo de sessentista ali, mas nem sempre é fácil explicar o que é, porque as cláusulas de tempo não são tão fáceis de perceber. É um som moderno, que alude a Beach Boys e a power pop, a Strokes e Beatles, e antes de tudo, investe em paisagens sonoras tão próprias, que é mais fácil imaginar que daqui a vinte anos, vai estar todo mundo inserindo o grupo francês no mesmo rol de inovadores musicais dos quais Paul McCartney e Brian Wilson fazem parte.
Qualquer dúvida a respeito disso já desaparece na primeira faixa, Every little thing, orquestral e dançante, como numa versão pop de canção francesa. E na sequência, ainda tem Soft echo, pop como Island in the sun, do Weezer, mas (pode levar fé) alguns pontos acima em termos de doçura e apuro melódico. Poison flower é indie rock com cara Mutante (observe só a guitarra) sob base power pop. Lose my head é soul chique francês, com melodia sofisticada. Pulando um pouco, Our lives tem riqueza musical unindo Paul McCartney, Carpenters e Brian Wilson, com melodia doce, ideia dominante quase clássica e vocais mágicos.
No meio do caminho, uma curiosa união de rock oitentista e clima beatle transparece em Lose my head e 1+1 – duas faixas que poderiam até estar no repertório do Tears For Fears, mas a magia aqui é outra. O mesmo clima camp da música francesa sessentista que inspirava até a jovem guarda (Reginaldo Rossi, por exemplo), bate ponto no chacundum About us. Tem synth pop classe A no encerramento, com Any way e Vertigo, mas definições são pouco para uma banda como o Tahiti 80, que insere climas de sonho em todas as faixas de Hello, hello. Prepare-se para se apaixonar.
Nota: 10
Gravadora: Human Sounds
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Crítica
Ouvimos: Skunk Anansie – “The painful truth”

RESENHA: Skunk Anansie encara o caos, o etarismo e a dor em The painful truth, disco intenso que mistura punk, grunge, no wave e neo soul.
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“Uma artista é uma artista / e ela não para de ser uma artista / porque ela é velha, sabe? / ela não arregaça as mangas / pega seu porta-retratos e vai embora / larga a caneta e coloca o chapéu / por causa da menopausa (…) / uma artista é uma artista / até que a morte nos faça partir”.
Poucas letras atuais falam mais profundamente a respeito de questões vitais no dia a dia do showbusiness (etarismo, machismo, expectativas da crítica, do mercado e do público) do que An artist is an artist, punk-rap que abre The painful truth, disco novo do Skunk Anansie, destacando os vocais ágeis e carismáticos da vocalista Skin. Trata-se de uma banda britânica dos anos 1990, com som mais associável ao pós-grunge e ao metal alternativo, que sempre foi meio desgarrada em relação a seus pares britânicos – volta e meia era incluída num saco de gatos chamado britrock, em oposição à turma mais viável comercialmente do britpop.
Leia também:
- No nosso podcast, Oasis da pré-história ao começo da oasismania.
- Blur entre 1993 e 1997 na volta do nosso podcast.
- Ouvimos: Blur – Live at Wembley Stadium.
- O som de 1994: descubra agora!
Lançado após tempos difíceis nas internas do grupo (o baterista Mark Richardson recupera-se de um câncer. e o baixista Richard “Cass” Lewis está em quimioterapia), The painful truth, sétimo álbum do Skunk Anansie, traz a banda encarando na maior parte do tempo questões de vida ou morte. O repertório fala de autocontrole (This is not your life), dores pessoais (Shame, dos versos dolorosos “eu recebi o amor da minha mãe / eu recebi a dor do meu pai / eu recebi a culpa do meu irmão”), caos pessoal (Lost and found), altos e baixos (My greatest moment) e desespero (Meltdown, dos versos “agora que tudo se resume / a quem você reza e quão alto”).
Musicalmente, é um disco que reúne partículas de no wave, grunge e até neo soul, dependendo do momento. This is now your life soa como um Depeche Mode afrotecnopunk, Shame invade a pequena área do nu metal, Cheers insere peso no punk pop e até toques de dub invadem Shoulda been you – uma mistura com a qual os fãs do grupo já estão acostumados. O rock eletrônico sombrio dá conta de Animal e até mesmo algo próximo dos climas robóticos do krautrock surge misturado em alguns momentos do álbum.
Ainda que não seja um álbum brilhante como Stoosh (o segundo, de 1995), A painful truth é um atestado de sobrevivência. E um disco que, mesmo falando alto, é cercado de silêncios nos arranjos e nos vocais.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: FLG
Lançamento: 23 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: akaStefani e Elvi – “Acabou a humanidade”

RESENHA: akaStefani e Elvi misturam funk, krautrock, screamo e eletrônica em um disco caótico e divertido sobre o fim do mundo e o absurdo do cotidiano.
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O pessoal ligado à banda Duo Chipa não consegue ficar sem produzir coisas. akaStefani é Audria Lucas, integrante e produtora do grupo, e em Acabou a humanidade, ela se une a Elvi, produtor e músico de Santo André (SP), para fazer um som que, nos momentos mais calmos, parece uma mistura insana de funk, screamo, Faust e Kraftwerk. Já a ficha técnica entrega elementos de Ciccone Youth (projeto pop-anti-pop do Sonic Youth, que gravou um disco em 1988) e de Mutantes em meio aos ruídos, vocais e sons eletrônicos.
Faixas como Paga meu salário (“chefe arrombado / paga meu salário”) e Roda punk, repleta de barulhos e loops, têm ar de música infantil destruidora, enquanto Maquiagem, com voz distorcida e zoada, unem rock experimental e batidão de funk. A zoeira volta numa espécie de paródia da ítalo house, Cupido arrombado (“flechou o lugar errado!”) e na house music texturizada de Porque eu tento.
No final, loucura na versão videogame de Panis et circenses, com sample do original dos Mutantes (Pani no circo), e na brilhante Sortudos no fim do mundo, que lembra uma vinheta de rádio, ou uma cantiga de roda pervertida, com versos como “nós somos sortudos / vamos ver o fim do mundo / acabou a humanidade / virus, bomba e armamento / pandemia é só o começo do fim”. Você acaba rindo, nem que seja de nervoso.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 30 de maio de 2025
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Crítica
Ouvimos: Chime Oblivion – “Chime Oblivion”

RESENHA: Chime Oblivion estreia com supergrupo punk-experimental que mistura pós-punk, no wave, funk torto e maluquices à la Devo e Stooges.
Uma grande surpresa: o Chime Oblivion parece ter surgido do nada, soa como mais uma banda de moleques de 20 anos fanáticos por pós-punk e garage rock, mas é bem mais que isso. Trata-se de um supergrupo iniciado por dois veteranos, David Barbarossa (Adam & The Ants/Bow Wow Wow) e John Dwyer (Osees, The Oh Sees e outras nomenclaturas).
É também um grupo de três guitarras – Barbarossa, Dwyer e Weasel Walter, este dos barulhentos Flying Luttenbachers – que inclui ainda um sujeito tocando marimba (Tom Dolas, também do Osees), um saxofonista em clima free jazz punk (Brad Caulkins, da banda Bent Arcana) e vocais femininos charmosos e zoeiros em vibe punk (HL Nelly, do Naked Lights). Só gente acostumada com experimentações e maluquices de estúdio.
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No primeiro álbum, essa turma tem como principais emanações pós-punk na onda do Gang Of Four, punk a la Buzzcocks e no-wave. Entre vinhetas quase inaudíveis feitas com um sintetizador, evocam também X Ray Spex e Slits em Neighborhood dog, fazem pós-disco-rap-punk cru e ríspido (Kiss her or be her), pré-punk percussivo (The fiend, com um curioso batidão lembrando Nação Zumbi na abertura), funk torto (Heated horses), levam o idioma da no wave para os anos 1960 (The uninvited guest). Por aí.
Somando 15 faixas em menos de meia hora, o Chime Oblivion vai se tornando mais próximo de um pré-punk formal (formal?) conforme as faixas se sucedem – cabendo perversões via Devo e Stooges da batida de Bo Diddley em And again e The mythomaniac, punk garageiro e anfetamínico em Smoke ring e I’m not a mirror e sons tribais em Grass, Cold pulse e The catalogue – esta, depois, ganha cara dub. Uma música tão confortável que quase não parece ter sido feita para tirar o rock do conforto – mas foi, sim.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Deathgod Corp
Lançamento: 18 de abril de 2025.
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