Crítica
Ouvimos: Rodrigo Campos, “Pode ser outra beleza”

- Pode ser outra beleza é o novo disco do cantor, compositor e violonista paulista Rodrigo Campos, com oito faixas inéditas. Sete das músicas têm letras e músicas de Rodrigo – a exceção é Chapéu lilás, dele e de Thiago França. O álbum fecha uma trilogia que inclui também os álbuns 9 sambas (2018) e Pagode novo (2023).
- A arte da capa foi feita pelo amigo e parceiro Romulo Froes, que tem feito séries de desenhos usando caneta Bic. “Quando vejo a imagem, o olhar da personagem, tocado por algo, traz a possibilidade da beleza na vulnerabilidade do olho esperançoso e brilhante. A beleza parece estar fora, quando acompanhamos seu olhar, mas, paradoxalmente, também está nela própria, que é vista por nós”, conta Rodrigo.
- “Um álbum que se anuncia com essa imagem pode estar dizendo sobre o ‘descuido’ que nos traz para o presente, para nossas vidas. O deslumbramento com a beleza fora, mas sem perceber que somos vistos como beleza também”, continua.
A discografia do paulista Rodrigo Campos é daquelas que deve ser escutada com calma e tempo para observar detalhes – não apenas pelo seu aspecto musical mas também pelo lado documental e geográfico, que o fez criar discos como São Mateus não é um lugar assim tão longe (2009) e promover um encontro entre samba e Japão em Conversas com Toshiro (2015). Mais recentemente, discos como Elefante (2023), gravado em dupla com Romulo Froes e repleto de participações, investem em outra faceta de Rodrigo e de praticamente todos os seus parceiros: a poesia que não precisa de muito esforço para virar denúncia, pelas imagens criadas e pelo direcionamento dos versos.
Pode ser outra beleza traz Rodrigo com uma proposta musical bastante simplificada: com exceção de intervenções de percussão, todo o disco (curto, oito músicas, menos de 25 minutos) é de voz e violão, viajando entre o samba e a experimentação musical, em letra e música. Muita coisa do álbum lembra o João Bosco dos primeiros álbuns, a conexão entre Rio, Minas e Nordeste que surgia no violão do mineiro nos anos 1970 – um grande exemplo é o violão percussivo de Amar à distância.
Mais ainda do que isso: Rodrigo parece ter se inspirado bastante no tom sanguíneo de Aldir Blanc, em letras como Pavio de felicidade (que cita os nomes de Paulinho da Viola e Nelson Cavaquinho), Seu lugar (que traz visões bem diferentes da Bahia e de São Paulo dialogando e convivendo na mesma letra). E em especial, nas referências médicas e químicas de Um xanax. O dia a dia da luta e da existência surgem em Matéria do sonho e Cadê meu dinheiro? (“como vou me sustentar/se eu só sei batucar?/como vai ser a vida?/quando vou ver o mar?”).
Nota: 8,5
Gravadora: YB
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Crítica
Ouvimos: Vitoria Faria – “Vacas exaustas”

RESENHA: Vitoria Faria estreia solo com Vacas exaustas, disco que mistura forró, funk e jazz para falar de empoderamento, corpo, relações e dores do feminino.
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Acordeonista de São Paulo, Vitoria Faria estreia como cantora solo no álbum Vacas exaustas e aproveita para, em meio à farra de ritmos, mexer em feridas eternas do feminino. O forró experimental e eletrônico Elefante pelo cano tem letra cru e concreta sobre um relacionamento que não dá certo porque só uma das partes cede e tenta caber na vida da outra. Asas à cobra une funk, jazz e eletrônico pra falar de empoderamento. A faixa-título une jazz, tango e experimentação rítmica – ao lado de Flaira Ferro – em meio a versos como “sustentar na teta o peso do mundo de dose em dose”.
Já a percussiva Zap de família fala sobre piadas escrotas na mesa de casa e de escolhas fora do padrão que se transformam em assunto e fofoca nos Natais – ganhando certo clima de valsa quando a palavra “dança” surge na letra. No final, Sou mulher fala em “muito prazer / e esse prazer é só meu”, abrindo com vocais quase místicos, até que um acordeom e um piano elétrico transportam a melodia para a MPB de 1981. Em Dois centímetros, ela recebe Assucena para uma mescla de reggae, blues e forró, mantendo o clima experimental e rítmico do álbum. Gula, por sua vez, une experimentação de estúdio, empoderamento, sexo, tentação, dança, até que no final a própria gravação é “engolida”.
O som de Vitoria também chega perto do tecnobrega (unido com forró, funk e eletrônico) em Crise de amor, e margeia o som de Chico Science & Nação Zumbi e Planet Hemp em Gosto de fel, funk mangue com guitarras em wah wah e vocal-repente em clima de duelo dela consigo própria.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Independente / Tratore
Lançamento: 29 de maio de 2025
- Ouvimos: Marya Bravo – Eterno talvez
- Ouvimos: Josyara – Avia
- Ouvimos: Assucena – Lusco fusco
- Ouvimos: Flaira Ferro – Afeto radical
Crítica
Ouvimos: Samuel de Saboia – “As noites estão cada dia mais claras”

RESENHA: Disco de estreia de Samuel de Saboia mistura rock nordestino, MPB maldita, tropicalismo e pós-punk em um retrato intenso de desejo e identidade.
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As noites estão cada dia mais claras, primeiro álbum do pernambucano Samuel de Saboia, é um disco de rock brasileiro setentista lançado em 2025. Mas nada de Casa das Máquinas ou Made In Brazil. É uma estética de rock nordestino, influenciada por artistas malditos da MPB – a capa, com várias fotos, lembra o lay-out de Eu quero é botar meu bloco na rua, de Sérgio Sampaio, e o de Sweet Edy, de Edy Star – e que se utiliza de vibes e batidas latinas e ciganas em vários momentos.
O repertório de Samuel é construído em torno da força dos versos e dos vocais, como no clima épico de Vingança colorida (que prega: “vou mostrar como cobra pode voar”, em meio a violas e percussões) e na psicodelia espacial de Gira, evocando Paulo Diniz. Surge até algo de pós-punk em Deusa dos prazeres bobos – um dos melhores arranjos do disco, com metais simples e guitarra limpa lembrando Smiths.
Mesmo assim, a cara de As noites… é dada mesmo pela vibe tropicalista de faixas como Meteoros de haxixe (com andamento herdado de Taxman, dos Beatles) e Eu preciso de distância, ambas com vocais lembrando Edy Star e Gilberto Gil – a segunda é retomada ao fim do disco com uma releitura ao vivo.
Dando uma variedade maior ao disco, tem o clima quase soul de Amigo (que tem lembranças do já citado Sergio Sampaio), e a balada blues Rei de nada, que abre num clima parecido com o de Êxtase, de Guilherme Arantes, e vai mudando de cara. A força da voz de Samuel surge especialmente nos ecos e silêncios de Sangue, cheia de escalas árabes, e no beat nordestino, cantado em falsete, de Mainha.
As noites estão cada dia mais claras (definido por Samuel como um álbum de “desejo físico”) é repleto de descobertas e auto-descobertas. Ouça.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Independente.
Lançamento: 7 de maio de 2025
Crítica
Ouvimos: Marcos Lamy – “Braço de mar”

RESENHA: Marcos Lamy mistura forró, samba, rap e jazz com bom humor e criatividade no disco Braço de mar.
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O meio do ano chegou e, com ele, vão surgindo os discos legais para ouvir justamente na época das festas juninas. O maranhense Marcos Lamy, em Braço de mar, une o bom humor do forró a toques de outros estilos. Lá vem, logo na abertura, abre como forró-reggae e vai ficando mais ágil. O som parte para o forró marítimo da faixa-título, para a sacanagem de Mulecagem (com Lucas Ló) e para a união com samba de Passarinho (com os vocais de Clara Madeira).
Marcos lembra o desdobre universitário das sanfonas, triângulos e zabumbas em Dois beijos e, com Hermes Castro, acresenta um pouco da prosódia do rap em O que não é de mim, enquanto Virá traz um pouco da MPB setentista e lembra Caetano Veloso. Um lado mais experimental, por sua vez, surge em Baião dividido – com ritmo que vai ganhando intervalos pouco usuais até virar baião de vez – e no final, com o instrumental Olha o fole, Vinicius!, oscilando entre baião e jazz.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Independente
Lançamento: 22 de maio de 2025.
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