Crítica
Ouvimos: Primitive Ignorant, “Psychic cinema”

- Psychic cinema é o segundo álbum do Primitive Ignorant, banda-de-uma-pessoa-só comandada pelo multi-instrumentista Symren Gharial, que foi baixista de bandas como Piano Wire e Eighties Matchbox B-Line Disaster.
- Symren diz que o álbum tem uma sequência de filme, “e um personagem se esforçando para voltar do abismo para contar ao mundo o que viu”.
- O álbum tem uma música em homenagem a Iggy Pop, Power (Song for Iggy), da qual ele também fala: “Quando você teve o passado mais sombrio, é importante usar essa moeda e transformá-la em uma arma formidável. Não há outra maneira. Obviamente, sempre fui inspirado por Iggy Pop e, particularmente, sua perseverança, então a música inadvertidamente se tornou uma homenagem a ele” (Fonte das aspas: Juno.co.uk).
No Instagram do Primitive Ignorant, convivem lado-a-lado uma imagem forte do filme Réquiem para um sonho, de Darren Aronofsky, e uma foto em preto e branco de Mick Jones, do Clash. Não é por acaso. Surgem aí duas obsessões da música do projeto capitaneado pelo multi-instrumentista Symren Gharial: o choque (no sentido de chocar mesmo, de perturbar os sentidos) e a revolução.
Na estreia do projeto, o crítico e político Sikh punk (2020), nomes como Joe Talbot (Idles) e (ora ora) Mick Jones apareciam como vocalistas convidados. Já em Psychic cinema, novo álbum do Primitive, Symren decidiu soltar a voz sem freios, em intervenções quase sempre selvagens, ameaçadoras e distorcidas. Um detalhe é que na música de abertura, A day with you, há até um trecho em português (a frase “é o DJ que faz o baile/diretamente”, repetida várias vezes e surgida como transmissão de um underground paralelo). Essa faixa alterna entre a leveza do synth pop e a força de uma batida encorpada – um contraste que define a atmosfera do álbum. Já Salty night, a segunda música, dá prosseguimento à viagem eletrônica, com a batida quase samba-punk garantindo o pouso, e um baixo distorcido que surge como marca registrada do disco.
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O som do Primitive Ignorant soa balizado por vibes herdadas de New Order, Laibach, Bauhaus e Nine Inch Nails, além dos sons industriais, que surgem como modelo até para os riffs fortes dos teclados. Symren faz questão de avisar que as guitarras “são banidas” do disco, e que há apenas baixo. A concepção de “dance music” do Primitive é metálica, pesada mesmo, em faixas como Trash, No soul (som psicodélico, dançante e suingado, lembrando um baile funk do demo) e 6am backwards smile. Já High rise vampires começa como um filme de terror: piano e voz desenham a escuridão, até que as batidas entram em cena, transformando tudo em uma pista sombria e irresistível. Lost in the riot abre em tom ambient, e ganha batidas na onda pós-disco.
Dentre as outras surpresas do álbum, tem Acid eagles, dance music de quem curte metal, blues e soul (e claro, dá para lembrar bastante do Depeche Mode ouvindo essa faixa). E em especial, tem o tom mágico, selvagem e arábico de Power (Song for Iggy), fantástica homenagem a Iggy Pop. Uma curiosidade é que Psychic cinema chega ao fim aproximando-se de um nu-metal leve, com os vocais agudos e o tom contemplativo e espiritualizado de In the forest. Uma canção que soa justamente como um fechamento de ciclo, ou como o rolar de créditos no final de um filme, servindo alguns minutos de calma após um passeio por uma torrente de sentimentos e climas.
No fim das contas, Psychic cinema é exatamente isso: um filme mental, onde cada faixa é um frame de um delírio sonoro que pulsa entre o estranho e o hipnótico.
Nota: 9
Gravadora: Something In Construction
Lançamento: 17 de janeiro de 2025.
Crítica
Ouvimos: Home Is Where – “Hunting season”

RESENHA: No segundo disco, Hunting season, o Home Is Where troca o emo por um alt-country estranho e criativo, misturando Dylan, screamo e folk-punk em faixas imprevisíveis.
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O Home Is Where é uma banda emo – mas no segundo disco, Hunting season, eles decidiram que estava na hora de mudar tudo, ou quase tudo. O grupo volta fazendo um alt-country pra lá de esquisito, com referências que vão de Bob Dylan a Flying Burrito Brothers. Sendo que a ideia de Bea McDonald (voz, guitarra) parece inusitada demais para ser explicada em poucas palavras (“um disco que dá para ouvir num churrasco, mas que também dá para chorar”, disse).
Com essa migração sonora pouco usual, o Home Is Where se tornou algo entre Pixies, Sonic Youth, Neil Young e Cameron Winter, com vocal empostado lembrando um som entre Black Francis e Redson (Cólera). Reptile house é pós-punk folk, Migration patterns é blues-noise-rock, Artificial grass tem vibe ligeiramente funkeada e é o tipo de música que uma banda como Arctic Monkeys transformaria num hit – mas é mais esparsa, mais indie, e os vocais chegam perto do screamo.
Hunting season tem poucas coisas que são confusas demais para serem consideradas apenas inovadoras ou experimentais – Bike week, por exemplo, parece uma demo dos Smashing Pumpkins da época de Siamese dream (1993). Funcionando em perfeta união, tem o slacker rock country de Black metal mormon, o folk punk de Stand up special e uma balada country nostálgica com vibe ruidosa, a ótima Mechanical bull. Os melhores vocais do álbum estão na balada desolada Everyone won the lotto, enquanto Roll tide, mesmo assustando pela duração enorme (dez minutos!), vale bastante a ouvida.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7
Gravadora: Wax Bodega
Lançamento: 23 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: Satanique Samba Trio – “Cursed brazilian beats Vol. 1” (EP)

RESENHA: Satanique Samba Trio mistura guitarrada, lambada, carimbó e jazz experimental em Cursed brazilian beats Vol. 1
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Como o Brasil insiste em não ouvir o Satanique Samba Trio, vale dizer que a banda brasiliense não é um trio e o som vai bem além do samba – é puramente jazz unido a ritmos brasileiros variados, com ambientação experimental e (só às vezes) sombria. O novo disco é Cursed brazilian beats vol. 1 – que apesar do nome, é o segundo lançamento de uma trilogia (em português: Batidas brasileiras amaldiçoadas).
Dessa vez, a banda caiu para cima de ritmos do Norte, como guitarrada, lambada e carimbó, transformando tudo em música instrumental brasileira ruidosa. O grupo faz lambada de videogame em Lambaphomet, faz som regional punk em Brazilian modulok e Sacrificial lambada, e um carimbó que parece ter sido feito pelos Residents em Azucrins. Já Tainted tropicana, ágil como um tema de telejornal, responde pelo lado “normal” do disco.
A surpresa é a presença, pela primeira vez, de uma música cantada num disco do SST: Aracnotobias tem letra e voz de Negro Leo – talvez por isso, é a faixa do grupo que mais soa próxima dos experimentalismos do selo carioca QTV.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Rebel Up Records
Lançamento: 21 de março de 2025.
Leia também:
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- Ouvimos: Negro Leo, Rela
- Ouvimos: Residents, Doctor Dark
- Relembrando: The Residents, Meet The Residents (1974)
Crítica
Ouvimos: Mugune – “Lua menor” (EP)

RESENHA: O Mugune faz psicodelia experimental e introspectiva no EP Lua menor, entre Mutantes e King Gizzard.
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Trio introspectivo musicalmente vindo da cidade de Torres (RS), o Mugune é uma banda experimental, psicodélica, com design musical esparso e “derretido”. O EP Lua menor abre com a balada psicodélica Capim limão, faixa de silêncios e sons, como se a música viesse lá de longe – teclados vão surgindo quase como um efeito, circulando sobre a música. Duna maior é uma espécie de valsa chill out, com clima fluido sobre o qual aparecem guitarras, baixo e bateria.
A segunda metade do EP surge em clima sessentista, lembrando Mutantes em Lua, e partindo para uma MPB experimental, com algo de dissonante na melodia, em Coração martelo – música em que guitarras e efeitos parecem surgir para confundir o ouvinte, com emanações também de bandas retrô-modernas como King Gizzard & The Lizard Wizard.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 17 de abril de 2025.
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