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Crítica

Ouvimos: Negro Leo, “Rela”

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Ouvimos: Negro Leo, “Rela”
  • Rela é o nono álbum do músico, cantor e compositor Negro Leo. O disco foi produzido, gravado e mixado por Renato Godoy, e contou com o auxílio de alguns co-produtores, como Lcuas Pires, Mbé e Kiko Dinucci.
  • “Eu tô pensando em sexo, não em trend. A fantasia dela é ser a Princesa Isabel. A minha é inconfessável (…) De repente, se você ganhar na loteria, o mais legal é curtir um sexo marciano. A cabine não tem janela. Várias visões da aceleração, trepidação, carne e maravilha: te ensino a me castigar”, escreve Negro Leo num dos textos de apresentação do disco.
  • Hélio Costa e Gilberth Ferreira, integrantes do boi Brilho de Lucas, contribuem na percussão do disco.

Se você der play em Rela, o novo disco de Negro Leo, e começar a julgar tudo o que ouve, vai perder o fio da meada. O álbum fala de sexo, mas não do jeito mais óbvio. É o sexo que rola no submundo dos aplicativos de relacionamento, no universo do OnlyFans, nas conversas online e nos desejos que não saem do digital. Um mundo em que parece que tudo está ao alcance da mão (opa!) e, ao mesmo tempo, nada realmente está ao alcance de nada.

Quem acompanha o trampo de Leo e do selo QTV já espera algo fora da curva: experimentalismo, afropunk, aquele som que traduz o dia a dia de alguém ou de vários alguéns, e entrega verdades. E é o que acontece aqui. Toda a música de Rela, por mais que aponte para vários lados, é filtrada pelas percussões do Boi maranhense (Negro Leo nasceu no Maranhão, na cidade de Pindaré-Mirim). O álbum flerta com um afropunkfunk — o funk carioca, no caso —, cheio de colagens, montagens e uma dose generosa de putaria nas letras. Está tudo lá: a pegada jazz-prog-nordestina de faixas como Date my age, o trap-maracatu infernal de Me ensina a te castigar, o synth-antipop de Got to please e o clima voz-balanço-efeitos de Gordinha canibal. Até a vinheta lo-fi Club Rela faz lembrar aquelas trilhas de comerciais de telessexo dos anos 90. Online agora passa as conversas safadas nos aplicativos por um filtro que inclui synthpop, Bumba meu Boi e Tati Quebra Barraco.

O álbum tem também momentos como a bossa-funk-eletrônica Te deixo, que traz um toque de sofrência com versos tipo “maltrata sem pena, faz assim/quero me apaixonar”. E Culona caninos de loba, com seu jeito de trilha sonora de soft porn esquecida num VHS empoeirado. Três outros destaques são o samba art-pop Te amo, criado em cima de uma batida quase oriental, e o batidão vaporwave de Tcha tchum na xana e Me esculacha, lembrando um MC Nego Bam convertido à psicodelia.

Musicalmente e ideologicamente, Rela tem muita força. E tem também uma grande virtude: falar de sexo sem moralismo, o que sempre rende discussões boas, e muitas vezes desconfortáveis – e cutuca moralismos alheios, o que é melhor ainda.

Nota: 8,5
Gravadora: QTV
Lançamento: 28 de novembro de 2024.

  • Lembrando que no dia 19 de janeiro tem festa de 10 anos do selo QTV no Circo Voador.
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Crítica

Ouvimos: Skunk Anansie – “The painful truth”

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Ouvimos: Skunk Anansie, "The painful truth"

RESENHA: Skunk Anansie encara o caos, o etarismo e a dor em The painful truth, disco intenso que mistura punk, grunge, no wave e neo soul.

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“Uma artista é uma artista / e ela não para de ser uma artista / porque ela é velha, sabe? / ela não arregaça as mangas / pega seu porta-retratos e vai embora / larga a caneta e coloca o chapéu / por causa da menopausa (…) / uma artista é uma artista / até que a morte nos faça partir”.

Poucas letras atuais falam mais profundamente a respeito de questões vitais no dia a dia do showbusiness (etarismo, machismo, expectativas da crítica, do mercado e do público) do que An artist is an artist, punk-rap que abre The painful truth, disco novo do Skunk Anansie, destacando os vocais ágeis e carismáticos da vocalista Skin. Trata-se de uma banda britânica dos anos 1990, com som mais associável ao pós-grunge e ao metal alternativo, que sempre foi meio desgarrada em relação a seus pares britânicos – volta e meia era incluída num saco de gatos chamado britrock, em oposição à turma mais viável comercialmente do britpop.

Leia também:

  • No nosso podcast, Oasis da pré-história ao começo da oasismania.
  • Blur entre 1993 e 1997 na volta do nosso podcast.
  • Ouvimos: Blur – Live at Wembley Stadium.
  • O som de 1994: descubra agora!

Lançado após tempos difíceis nas internas do grupo (o baterista Mark Richardson recupera-se de um câncer. e o baixista Richard “Cass” Lewis está em quimioterapia), The painful truth, sétimo álbum do Skunk Anansie, traz a banda encarando na maior parte do tempo questões de vida ou morte. O repertório fala de autocontrole (This is not your life), dores pessoais (Shame, dos versos dolorosos “eu recebi o amor da minha mãe / eu recebi a dor do meu pai / eu recebi a culpa do meu irmão”), caos pessoal (Lost and found), altos e baixos (My greatest moment) e desespero (Meltdown, dos versos “agora que tudo se resume / a quem você reza e quão alto”).

Musicalmente, é um disco que reúne partículas de no wave, grunge e até neo soul, dependendo do momento. This is now your life soa como um Depeche Mode afrotecnopunk, Shame invade a pequena área do nu metal, Cheers insere peso no punk pop e até toques de dub invadem Shoulda been you – uma mistura com a qual os fãs do grupo já estão acostumados. O rock eletrônico sombrio dá conta de Animal e até mesmo algo próximo dos climas robóticos do krautrock surge misturado em alguns momentos do álbum.

Ainda que não seja um álbum brilhante como Stoosh (o segundo, de 1995), A painful truth é um atestado de sobrevivência. E um disco que, mesmo falando alto, é cercado de silêncios nos arranjos e nos vocais.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8
Gravadora: FLG
Lançamento: 23 de maio de 2025.

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Crítica

Ouvimos: akaStefani e Elvi – “Acabou a humanidade”

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Ouvimos: akaStefani e Elvi, "Acabou a humanidade"

RESENHA: akaStefani e Elvi misturam funk, krautrock, screamo e eletrônica em um disco caótico e divertido sobre o fim do mundo e o absurdo do cotidiano.

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O pessoal ligado à banda Duo Chipa não consegue ficar sem produzir coisas. akaStefani é Audria Lucas, integrante e produtora do grupo, e em Acabou a humanidade, ela se une a Elvi, produtor e músico de Santo André (SP), para fazer um som que, nos momentos mais calmos, parece uma mistura insana de funk, screamo, Faust e Kraftwerk. Já a ficha técnica entrega elementos de Ciccone Youth (projeto pop-anti-pop do Sonic Youth, que gravou um disco em 1988) e de Mutantes em meio aos ruídos, vocais e sons eletrônicos.

Faixas como Paga meu salário (“chefe arrombado / paga meu salário”) e Roda punk, repleta de barulhos e loops, têm ar de música infantil destruidora, enquanto Maquiagem, com voz distorcida e zoada, unem rock experimental e batidão de funk. A zoeira volta numa espécie de paródia da ítalo house, Cupido arrombado (“flechou o lugar errado!”) e na house music texturizada de Porque eu tento.

No final, loucura na versão videogame de Panis et circenses, com sample do original dos Mutantes (Pani no circo), e na brilhante Sortudos no fim do mundo, que lembra uma vinheta de rádio, ou uma cantiga de roda pervertida, com versos como “nós somos sortudos / vamos ver o fim do mundo / acabou a humanidade / virus, bomba e armamento / pandemia é só o começo do fim”. Você acaba rindo, nem que seja de nervoso.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 30 de maio de 2025

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  • Ouvimos: Duo Chipa – Lugar distante
  • Ouvimos: Doce Creolina – Debaixo do chapéu de um cogumelo (EP)
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Ouvimos: Chime Oblivion – “Chime Oblivion”

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Ouvimos: Chime Oblivion - "Chime Oblivion"

RESENHA: Chime Oblivion estreia com supergrupo punk-experimental que mistura pós-punk, no wave, funk torto e maluquices à la Devo e Stooges.

Uma grande surpresa: o Chime Oblivion parece ter surgido do nada, soa como mais uma banda de moleques de 20 anos fanáticos por pós-punk e garage rock, mas é bem mais que isso. Trata-se de um supergrupo iniciado por dois veteranos, David Barbarossa (Adam & The Ants/Bow Wow Wow) e John Dwyer (Osees, The Oh Sees e outras nomenclaturas).

É também um grupo de três guitarras – Barbarossa, Dwyer e Weasel Walter, este dos barulhentos Flying Luttenbachers – que inclui ainda um sujeito tocando marimba (Tom Dolas, também do Osees), um saxofonista em clima free jazz punk (Brad Caulkins, da banda Bent Arcana) e vocais femininos charmosos e zoeiros em vibe punk (HL Nelly, do Naked Lights). Só gente acostumada com experimentações e maluquices de estúdio.

Leia também:

  • Ouvimos: Osees – Sorcs 80
  • Oh Sees lançam caixa com discos em fita de 8 pistas (!!)
  • Ouvimos: Artificial Go – Musical chairs

No primeiro álbum, essa turma tem como principais emanações pós-punk na onda do Gang Of Four, punk a la Buzzcocks e no-wave. Entre vinhetas quase inaudíveis feitas com um sintetizador, evocam também X Ray Spex e Slits em Neighborhood dog, fazem pós-disco-rap-punk cru e ríspido (Kiss her or be her), pré-punk percussivo (The fiend, com um curioso batidão lembrando Nação Zumbi na abertura), funk torto (Heated horses), levam o idioma da no wave para os anos 1960 (The uninvited guest). Por aí.

Somando 15 faixas em menos de meia hora, o Chime Oblivion vai se tornando mais próximo de um pré-punk formal (formal?) conforme as faixas se sucedem – cabendo perversões via Devo e Stooges da batida de Bo Diddley em And again e The mythomaniac, punk garageiro e anfetamínico em Smoke ring e I’m not a mirror e sons tribais em Grass, Cold pulse e The catalogue – esta, depois, ganha cara dub. Uma música tão confortável que quase não parece ter sido feita para tirar o rock do conforto – mas foi, sim.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 9
Gravadora: Deathgod Corp
Lançamento: 18 de abril de 2025.

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