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Crítica

Ouvimos: Hayden Thorpe, “Ness”

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Ouvimos: Hayden Thorpe, “Ness”
  • Ness é o terceiro álbum solo do britânico Hayden Thorpe, ex-integrante da banda indie pop Wild Beasts. O álbum é uma interpretação musical do livro homônimo do autor e poeta Robert Macfarlane, sobre a reserva natural Orford Ness, em Suffolk, área verde onde ocorriam testes nucleares.
  • Ness  é “o antigo local de desenvolvimento de armas do Ministério da Defesa durante as Guerras Mundiais e a Guerra Fria. Adquirido pelo National Trust em 1993 e deixado para voltar à vida selvagem, até hoje continua sendo um lugar de paradoxo, mistério e evolução constante”, diz o release do álbum.
  • O disco tem participação do Propellor Ensemble, conjunto de músicos que une música clássica e performances audio-visuais. Hayden e o Ensemble estão fazendo shows juntos para divulgar o disco.

Tem uma coisa em Ness que faz pensar que Hayden Thorpe, mesmo querendo fazer um disco literário e experimental, estava tentando criar uma espécie de pop adulto de vanguarda. Muitas faixas do álbum, se rearranjadas, poderiam tocar no rádio e até lembrar algo de pop anos 1980, mas com certeza não é o principal traço do álbum. Musicalmente, Ness chama a atenção em especial por criar um som quase clássico em alguns momentos – já que é marcado pelas aparições do Propellor Ensemble – para recontar musicalmente a história de Ness, livro de Robert McFarlane sobre a reserva natural de Orford Ness, na Inglaterra, onde ocorriam testes nucleares.

E o contexto do disco, claro, sai bem na frente: faixas como He, She, Song of the bomb, Merman, WTF is that?, V e In the green chapel são a maneira que Hayden encontrou para falar de atitudes diferentes diante da natureza, e de todo o mistério e paradoxo que envolve o local – uma enorme área verde de propriedade militar, repleta de postos de observação, no qual já fora construídos radares, estações de rádio e bases de pesquisa de defesa.

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He, que soa como uma parceria imaginária entre Peter Gabriel e David Bowie, une beats e teclados num balanço latino, com uma letra que cita nomes de pássaros, em contraste com o andar misterioso de alguém pela região. They é um folk de base eletrônica que traz visões da natureza local – em contraste com a ação de pessoas na reserva. Song of the bomb, referindo-se ao som das bombas, do fogo e das almas na região, é uma faixa até tranquila – que vai ganhando guitarras e peso leve à medida que prossegue.

Algumas canções do álbum, como V. (que é continuação de Song of the bomb, mas com design sonoro mais ritmado, quase um house sussurrado), surgem como avisos sonoros e eletrônicos de que algo está para acontecer. Encerrando o disco, Closer away tem beleza quase progressiva, com vozes, piano, orquestração e efeitos, e leva o disco para um lugar confortável. Ainda que, no geral, Ness venha para causar inquietação. E muita.

Nota: 8,5
Gravadora: Domino

Crítica

Ouvimos: Joan Armatrading, “How did this happen and what does it now mean”

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Ouvimos: Joan Armatrading, “How did this happen and what does it now mean”
  • How did this happen and what does it now mean é o vigésimo-primeiro disco de estúdio da cantora e compositora britânica Joan Armatrading. A única coisa que ela não fez no disco foi a engenharia de gravação: ela compôs, tocou, cantou, produziu e programou tudo.
  • Ao The Guardian, ela explicou o título do disco (“como isso foi acontecer e o que significa agora?”): “Acho que nos tornamos polarizados porque quando você está cara a cara com alguém, coisas como linguagem corporal e contato visual nos impedem de fazer certas coisas. Isso não acontece nas mídias sociais, então se espalha para o mundo real. Não vamos nos livrar de todas as guerras e desentendimentos, mas o título do álbum está perguntando como diabos podemos sair dessa situação em que estamos e como voltamos para um lugar melhor”.

Descobrir, sem estar esperando, que Joan Armatrading lançou um novo álbum, é uma surpresa enorme. Ver que o disco é um projeto quase inteiramente solo (ela compôs, produziu, tocou e programou tudo sozinha) não chega a ser uma surpresa para quem conhece um pouco da história dela e pelo menos alguns hits e discos clássicos.

No caso de How did this happen and what does it now mean, o estilo conhecido de pop-rock confessional dela, já a partir do título, vem com um subtexto de sobrevivência e superação. Ainda que algumas histórias contadas nas letras apontem para ressacas amorosas e falsidades do amor em geral, como no pop-rock Someone else e no r&b I gave you my keys (“eu te dei minhas chaves para tudo que eu tinha/você era minha divindade, você governou meu mundo/governou minha terra, governou meu céu/como você pôde me machucar tanto?”).

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Já o blues-rock-soul percussivo I’m not moving põe violência urbana no disco, com Joan recordando as cenas que viu durante um assalto, e levando a história para uma situação em que a minoria tem as maiores cartas na mão (“posso ser pequeno/mas sou poderoso/você pode ser muito mais velho/mas ainda assim eu governo você”). O pop com argamassa soul e musicalidade herdada do folk, especialidade dela, volta em faixas como 25 kisses, Here’s what I know e a faixa-título, que conta outra história de amor que acaba com problemas e dúvidas (“onde está aquela versão de nós mesmos/que nós amávamos, que era tão preciosa/em nosso mundo, em nossos corações?”).

Para quem tem saudades do lado baladão de AM de Joan, registre-se a presença de Irresistible e Say it tomorrow e do gospel Redemption love. No disco novo, ela fez questão de que todos os seus lados musicais convivessem sem problemas, cabendo até dois instrumentais, Now what e Back to forth, nos quais ela se mostra uma excelente guitarrista de blues e rock. Aos 74 anos e sabendo fazer de tudo num estúdio, Joan é o poder, mesmo que falte um certo empoderamento nas histórias amorosas das letras.

Nota: 7,5
Gravadora: BMG

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Crítica

Ouvimos: Lazy Day, “Open the door”

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Ouvimos: Lazy Day, “Open the door”
  • Open the door é o primeiro álbum do Lazy Day, codinome usado pela cantora e compositora Tilly Scantlebury. Ela compôs tudo, tocou guitarra, baixo, piano e synths e produziu o álbum ao lado de Gethin Pearson.
  • Ao Songwriting Magazine, ela disse que o ritmo das faixas ajudou a dar uma forma para as canções. “Essa é uma das coisas que definitivamente impulsionou o processo de composição. Seja um padrão de bateria… Estou obsessivamente cortando, fazendo loops e retrabalhando, o que então impulsiona as letras, que então impulsionam o padrão das palavras”, disse.
  • “Espero que as músicas alegres façam as pessoas se sentirem felizes. Espero que as músicas tristes façam as pessoas se sentirem validadas e em casa. Espero que as angustiadas e melancólicas façam as pessoas se sentirem fortes e determinadas. Espero que as animadas façam as pessoas se levantarem e dançarem”, afirma sobre o disco.

Os primeiros lançamentos de Tilly Scantlebury, que usa o codinome Lazy Day, eram mais lo-fi, como se fossem feitos no quarto – eram apenas alguns singles e um EP, que mostravam o começo do projeto. Curiosamente, ela escolheu o nome Open the door para seu primeiro álbum, indicando não apenas o mergulho em sua intimidade nas letras, como também a abertura para um mundo novo de criações musicais.

Batendo em temas como relacionamentos complicados e cascas de banana da vida adulta, Open the door é música pop de quem escutou muito Nirvana, Smashing Pumpkins, Smiths e… música eletrônica, tudo combinado. Killer, uma canção sobre emoções fortes no amor (ela diz que é sobre “como o amor encontra seu apetite”) é pop adulto em tom misterioso e ruidoso.

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Getting good põe a síndrome de impostor e as desilusões com o mundo do trabalho na frente (“acho que estou ficando boa/em coisas que eu queria não ser/sempre adiei/então acumulei todos os problemas”), em meio a um tom de rock adulto que lembra Hole e Fleetwood Mac, simultaneamente. Strangest relief abre com violão e banjo, e põe certo clima de trilha de filme da Sessão da tarde no ar. Já Falling behind é um rock que provavelmente não existiria sem que o Dinosaur Jr tivesse aparecido.

Por outro lado, tem uma faceta tecnopop e oitentista presente em algumas músicas de Tilly, como na dançante (e inspirada em Robyn e Mitski) Bright yellow e na smithiana Concrete. Não é o que mais aparece, já que a principal função de Open the door é aquecer corações com faixas como All the things, uma canção de voz e violão com vocais despedaçados, e Not now – esta, chamando atenção pelo clima folk-jazz que permite vocais tranquilos e linhas de baixo aparentes. A balada Alright tem efeito quase calmante: uma canção com guitarras tranquilas, vocais cantaroláveis e balanço de rock dos anos 1990, mas sem peso. E quase representa toda a riqueza musical do álbum, musicalmente.

Nota: 9
Gravadora: Brace Yourself Records

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Crítica

Ouvimos: Gwen Stefani, “Bouquet”

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Ouvimos: Gwen Stefani, “Bouquet”
  • Bouquet é o quinto disco de Gwen Stefani, ex-vocalista da banda de ska e música pop No Doubt (lembra-se de Don’t speak?). Ela chegou a afirmar que o disco marcaria sua volta às raízes reggae e ska – não foi o que aconteceu, já que o novo álbum tem até produção de um sujeito tarimbadíssimo no country, Scott Hendricks.
  • Mesmo com a cara country do disco, Gwen vê Bouquet como um disco de yacht rock, influenciado pelos sucessos do rádio pop dos anos 1970. Ela contou em entrevistas que o álbum inspirou-se em “todas as coisas que eu ouvia na van a caminho da igreja” quando criança, e que ele tem um “motivo floral”, já que há referências a flores por todos os lados. Por acaso, ela está recentemente divulgando um app religioso (e não custa lembrar que seu disco anterior era um álbum de Natal).

Com a felicidade não se discute. Certo? Bom, nem tanto, porque é naqueles momentos em que a gente se alegra e fica bobo que, muitas vezes, tudo se perde. No caso de Bouquet, disco novo de Gwen Stefani, a felicidade levou muita coisa embora.

Gwen, depois de um divórcio tumultuado (ela ficou casada por mais de uma década com Gavin Rossdale, cantor do Bush), encontrou o cantor de country Blake Shelton, com quem dividia a bancada do The Voice, e começou um relacionamento com ele – que evoluiu para um casamento e para uma temporada passada no rancho dele durante a pandemia. Com a vida pessoal plena, Gwen decidiu aderir ao country e a letras sobre o dia a dia feliz de casada em Bouquet. A faixa-título, um baladão country, tem versos como “I drive you crazy/you drive the truck” (nem vou traduzir porque o jogo de palavras com “drive” até que é bacana) e “eu até tenho seu sobrenome”.

Se alguém esperava que Gwen, cuja discografia tem discos solo bem legais, voltasse fazendo a dance music bacana de seu primeiro álbum (Love. Angel. Music. Baby., de 2004), ou um som mais próximo do ska-reggae-pop do No Doubt… bom, é pra dar com a cara na porta. Mas assusta bastante que o disco novo dela prime até mais pelo conservadorismo do que tão somente pelo romantismo em todos os aspectos: letras, composições, arranjos, produção.

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Não é tudo ruim em Bouquet. Vale dizer que Somebody else, a primeira faixa, engana: é um rock com cara new wave, bem formulaico, cuja letra parece dizer umas verdades a Rossdale, já que trata de empoderamento após o fim de um relacionamento tóxico (sente os versos: “você é o problema de outra pessoa/eu não sabia que algo tão falso/poderia realmente fazer doer tanto”, “cada dia com você foi o fundo do poço”). E também Purple irises, um country-rock com guitarra lembrando The Police na abertura, participação de Blake nos vocais, e versos como “não é 1999, mas esse rosto ainda é meu”. Ou Marigolds, soft rock com alma pós-punk, ainda que bem discreta.

Basicamente o novo da Gwen é um disco que vende um sonho de enamoramento romântico e de felicidade que só aparece quando alguém especial aparece – o anti-Brat, vá lá. Empty box é uma mistura de romantismo com louvor (“nossa oração termina em abril/eu fui à igreja, mas você foi o primeiro/a me mostrar o que significa ser fiel”), Pretty é uma balada de empoderamento “romântico” bem duvidosa (“não me sentia bonita até que você apareceu”). Nem dá para dizer que é mais do mesmo, porque dava para esperar bem mais de Gwen levando em conta seu passado.

Nota: 5
Gravadora: Interscope.

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