Crítica
Ouvimos: Ghostwoman, “Hindsight is 50/50”

- Liderado pelo músico canadense Evan Uschenko, o Ghostwoman lançou em 24 de novembro seu terceiro álbum, Hindsight is 50/50. É o primeiro disco em que a banda adota o nome sem separação entre “ghost” e “woman”. Para ele, é o disco que captura “a verdadeira natureza da banda”. Como principal parceira, Evan tem a baterista Ille Van Dessel.
- Hindsight is 50/50 é uma brincadeira com a expressão “hindsight is 20/20” (“retrospectiva 20/20”), popular nos Estados Unidos. Uma frase que costuma ser usada para zoar “profetas do acontecido” – aquela turma que adora tirar conclusões sobre decisões do passado. A banda escolheu o título por causa de uma acontecimento besta: um amigo bêbado mandou tatuar a frase e saiu tudo errado. “Talvez isso signifique que a vida é só acaso. Talvez signifique que o bom senso não é tão comum”, diz o grupo.
- O selo da banda, Full Time Hobby, abriu portas em 2004 em Londres, inspirado por selos como Rough Trade e Elektra, com a ideia de gravar artistas criativos que não achavam espaço nas gravadoras.
Algumas coisas mudaram bem rapidamente no front do Ghostwoman. Há bem pouco tempo, eles eram um grupo que nos dois primeiros álbuns – Ghost Woman (2022) e Anne, if (2023) – soava como uma banda stoner com músicas compostas e produzidas pela turma do Brill Building. Uma mescla de Jesus & Mary Chain, Syd Barrett e Byrds, enfim. Lançado no fim do ano passado, Hindsight is 50/50 acentua o lado pesado e quase gótico do grupo.
O terceiro disco do Ghostwoman soa menos inventivo que os primeiros álbuns, com certeza. Mas traz a banda invadindo o terreno da música pesada e hipnotizante, com distorções, climas desérticos, muito eco nas gravações, tom bastante cru nas letras, e design sonoro baseado na escuridão e nas sombras. No fim do disco, o grupo recebe o Depeche Mode rápido em Juan e na faixa-título, e explora o lado girl group do Velvet Underground em Buik. Mas até lá, o ouvinte passa pelo clima estradeiro e biker de Alright alright e Ottessa – essa, com riff circular e grave dando o tom. Também segue pelo tom de pesadelo de Along pt.2, lembrando uma quase cruza de Black Sabbath e Joy Division. A ágil Yoko começa punk e ganha uma parede de guitarras de meter medo no final.
Hindsight is 50/50 tem mais compromisso com o barulho do que com a variedade dos dois primeiros discos. Ficam fazendo falta as surpresas da estreia, mas o novo caminho merece a audição de fãs de bandas como Swans, …And You Will Know Us By The Trail Of Dead, Black Rebel Motorcycle Club e até Bauhaus.
Nota: 7
Gravadora: Full Time Hobby
Foto: Reprodução da capa do álbum.
Crítica
Ouvimos: Artificial Go – “Musical chairs”

RESENHA: O Artificial Go mistura punk, indie, folk e psicodelia em Musical chairs, disco barulhento, divertido e cheio de colagens lo-fi com alma vintage.
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Musical chairs, segundo álbum do Artificial Go, soa como uma colagem barulhenta e divertida de várias obsessões musicais ao mesmo tempo. Esse trio de Cincinatti, Ohio, formado por Angie Willcult (voz, guitarra, xilofone), Cole Gilfilen (guitarra, baixo, bateria, teclados) e Micah Wu (guitarra, baixo, bateria, teclados) une punk, indie rock, country alternativo, psicodelia e referências dos anos 1960 a 1990 com o espírito de quem grava no quarto, mas pensa grande.
A julgar pelo começo do álbum, com Lasso, o tom indie country punk é forte por ali. Só que tem mais elementos, como os ecos de Pixies nas guitarras e no andamento de várias faixas, os vocais falados e teatrais que lembram Debbie Harry. Circles vem na sequência com um pé no folk punk de quarto, com voz feminina doce e um charme caseiro que faz a música soar quase como um experimento lúdico. Tão lúdico quanto a capa do álbum, que é um desenho feito por Angie.
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Referências ao balanço distorcido da Gang Of Four e ao experimentalismo guitarrístico do Television brotam em faixas como Yaya, The world is my runway e Late to the party, e também em Red convertible, que puxa o disco para uma new wave crua, com vocal falado e guitarras ruidosas — entre o espírito lo-fi do The Fall e a urgência suja do Television, mas sem a mesma precisão técnica desta última. Playing puppet tem energia herdada de bandas como Pixies e The Cars.
O Artificial Go tem também um lado vintage forte, que eles botam para rodar na alma mod e punk de Hallelujah e no indie folk retrô de Tight rope walker (unindo climas que lembram The Hollies e Beatles, com uma escaleta desafinada lá pelas tantas). No final, quem sabe como um recado para o que vem no próximo disco, a psicodelia, os ruídos e as atmosferas espaciais e sombrias de Sky burial. No geral, um som que parece familiar, mas que se apresenta com cara própria, feito para ser ouvido alto e com atenção.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Feel It Records
Lançamento: 16 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: BDRMM – “Microtonic”

RESENHA: BDRMM expande seu som em Microtonic, disco hipnótico que flerta com eletrônica, post-rock e shoegaze, entre luzes e sombras sonoras.
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Vindo de Hull, na Inglaterra, o BDRMM, cujo nome é “bedroom” sem as vogais e com um “M” de sobra, foi chamado assim porque começou como um projeto de quarto do cantor/guitarrista Ryan Smith. Era também um grupo ruidoso, dedicado às paredes sonoras do shoegaze, mas as coisas mudaram: Microtonic, terceiro disco, traz a paleta do grupo devidamente ampliada, já que o BDRMM bandeou-se para a música eletrônica.
O título do disco novo tem história, e teoria. Microtons são os intervalos localizado entre os semitons de um instrumento, ou uma “nota entre as notas”, como muita gente diz. Artistas como o compositor renascentista Nicola Vicentino e o músico suíço-brasileiro Walter Smetak (1913-1984) trabalhavam nessa área cinzenta sonora. Hoje em dia, bandas como King Gizzard and the Lizard Wizard são chegadas nessa história, que mexe diretamente com tudo que pode soar como “desafinado” para o ouvido médio.
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Esse puro suco de experimentação musical é a razão de Microtonic existir, já que do começo ao fim, o álbum do BDRMM mexe com sons que se confundem no ouvido e climas que vão do mais solar ao mais sombrio e noturno. É o disco da hipnose pós-punk, sexy e underground de Clarkykat, dos synths etéreos de Infinite peaking, do ambient urbano e sonhador de Snares, do hi-NRG punk de Goit – esta, com vocais de Sydney Minsky Sargeant, do Working Men’s Club, e uma letra terra-arrasada, com versos como “espasmos / terror / morte / tudo aconteceu”.
No geral, Microtonic flerta com o trip hop sem, de fato, ser um disco do gênero – o estilo aparece mais como uma senha de acesso ao álbum. O mesmo vale para as paredes sonoras do shoegaze, que surgem de forma sutil, como pano de fundo. O BDRMM soa hipnótico na maior parte do tempo, como em faixas como John on the ceiling, In the electric field, Sat in the heat e o drum’n bass ligeiro de Lake dissapointment – uma faixa que começa em tom sombrio e encosta com elegância no rock eletrônico.
Alguns momentos de Microtonic são próximos do post-rock, com aquele mesmo clima de imagem vista de cima, como na faixa-título, e no começo de The noose, música que depois se torna uma peça melancólica e dançante, com discreto acid bass (aquele efeito dançante, distorcido e grave que virou febre nos anos 1990). No geral, entre muitos acertos e pouquíssimos exageros. Microtonic é uma trilha sonora íntima para noites insones e pensamentos em expansão.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Rock Action
Lançamento: 28 de fevereiro de 2025.
Crítica
Ouvimos: House Of Protection – “Outrun you all” (EP)

RESENHA: House Of Protection renova o nu-metal com climas ligados ao hardcore, vibes herdadas de Prodigy e ao começo dos Deftones, e faixas explosivas que colidem passado e urgência.
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Do House Of Protection, dá para dizer que oferecem uma renovação ao cansadíssimo ambiente do nu metal – se não em termos de estrutura, pelo menos na maneira como a banda usa antigas armas do estilo (influências de música eletrônica, de hip hop, vocais dramáticos e em alto volume, etc).
Criado pelos músicos Stephen Harrison e Aric Improta e produzido por Jordan Fish (ex-Bring Me The Horizon), o grupo mostra uma revolta mais próxima do hardcore, dos primeiros anos dos Deftones e – em alguns momentos – da onda eletrorock deflagrada nos anos 1990 pelo Prodigy. É o que rola na apocalíptica Afterlife, na rápida e destruidora Gospeed e na porradaria com ares de hip hop Fire.
Aliás, mesmo nos momentos em que um som parecido com o do Linkin Park é evocado aqui e ali, eles dão um jeito de fazer a coisa do jeito deles, como na derramada e pesada I need more than this. No fim, tudo soa como uma colisão entre passado e urgência.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Red Bull Records
Lançamento: 23 de maio de 2025.
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