Crítica
Ouvimos: Tunng, “Love you all over again”

O Tunng é estranhão, para dizer o mínimo – e, num mundo onde a música pop muitas vezes significa acomodação a padrões, isso é ótimo. Mas que Love you all over again, nono álbum do grupo, não é um disco para qualquer ouvido, não há dúvidas. Iniciados como uma banda folk da Inglaterra (veja bem: folk da Inglaterra – mesmo apresentando artistas britânicos notáveis durante os anos 1970, o estilo nunca foi o forte do país), eles encontraram um espaço formidável dentro da folktronica, uma vertente experimental que mistura violões, programações e beats a serviço da vanguarda musical. É um resumo perfeito tanto da trajetória do grupo quanto do novo álbum.
Na real, Love you all over again flerta com o progressivo em diversos momentos. Didn’t know why tem ecos do trabalho solo de Peter Gabriel, enquanto Snails evoca o lado mais clássico do prog na linha do Van der Graaf Generator, com vocais que parecem brotar dos violões, como algo escondido num arbusto. Além disso, passagens que lembram o Pink Floyd de 1970/1971 são comuns no álbum. Na porção mais pop (ou menos anti-pop, você escolhe) do grupo, há faixas como a pastoril Everything else – que, não sem surpresa, acaba se transformando em algo próximo do pós-punk – e Sixes, que soa como uma Suzanne Vega mais despojada. Já Laundry começa com uma harmonização que remete à MPB tocada no violão, mas aos poucos mergulha em uma vibração experimental, impulsionada por um som que remete a uma beatbox, e finalizada com um som “viajante” e espacial.
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Deep underneath, olha que curioso, tem um violão que remete às sonoridades da MPB mineira – é acústica, progressiva, discreta. Uma curiosidade é o tom jazzístico e percussivo de Drifting memory station, que funciona entre silêncios e sons, e só escapa da denominação de “tema instrumental” por ter uma letra composta por apenas uma frase (“bem, essas notas são simplesmente mais do que isso”, repetida algumas vezes). Outra canção peculiar é Yeekeys, centrada em beats, que soa como um tema de videogame relido como folk – e é marcada por vocais que lembram Simon & Garfunkel (Paul Simon é outra referência de composição deles, ao que parece).
Entre vibes eletrônicas e acústicas, o “eu vim para confundir” do Tunng faz bem aos ouvidos e proporciona viagens sonoras bem singulares.
Nota: 8
Gravadora: Full Time Hobby
Lançamento: 24 de janeiro de 2025.
Crítica
Ouvimos: The Lumineers, “Automatic”

Curto, tranquilo e girando em torno de variações do alt-country, Automatic, o novo disco do duo norte-americano The Lumineers (Jeremiah Fraites e Wesley Schultz são os integrantes), é um álbum carregado na ironia fina – e ela suplanta, muitas vezes, a própria nova seleção de melodias da dupla, que nem sempre acerta no alvo.
No álbum, dá para destacar a abertura com Same old song, country com referências de punk e até de emo, fala sobre insucessos, canções tristes e lança mão de versos como “ei, mamãe, você pagaria meu aluguel? / você me deixaria ficar no seu porão? / porque qualquer um de nós poderia fazer sucesso ou poderia acabar morto na calçada”. A auto-explicativa Asshole é marcada por um piano nostálgico e alguma grandiloquência, com letra falando de um desencontro bem estranho: “a primeira vez que nos encontramos / você me achou um babaca / provavelmente está certa”.
O lado melódico-ao-extremo do pós-britpop bate ponto na faixa-título e em You’re all I got, e também no piano “voador” de Sunflowers, cujo arranjo impressiona pela beleza. So long tem um clima mais classic rock e estradeiro que o resto do disco, com um arranjo que cresce e vai ganhando outros elementos. A doçura do grupo dá aquela enjoadinha básica no country-gospel de Plasticine e patina de vez nas acústicas e chatinhas Ativan e Keys on the table – para recuperar tudo na mistura de despojamento e rigor pianístico quase clássico de Better day, um anti-hino ao vazio que rege a vida de muitas pessoas (“sonhando com dias melhores / assistindo pornô e programa de imóveis na TV”).
Nota: 7
Gravadora: Dualtone
Lançamento: 14 de fevereiro de 2025.
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Crítica
Ouvimos: Tátio, “Contrabandeado”

A estreia solo do mineiro Tátio, produzida por Chico Neves, é um disco curto, direto, que poderia ter sido lançado pela antiga CBS em 1979 ou 1980 – ou seja: quando revelações da MPB eram lançadas a todo momento e encontravam espaço no rádio e nas trilhas de novela. Contrabandeado é um disco de afirmação, que fala sobre progresso sem regalias, amores fluidos e liberdade (sexual, inclusive) nas grandes cidades.
O tom quase mangue-bit de Radar é emoldurado por versos que dizem “vai ser difícil de controlar/tudo o que vive debaixo do sol”. A democracia e a fartura aparecem no samba-reggae-forró Será que eu sou louco. A MPB mineira clássica é evocada em Seres distantes e na meditativa Anhangabaú. A psicodelia surge no tom mutante do blues Sonho antigo e no ambient brasileiro da faixa-título.
A voz impressionante de Tátio ganha destaque em faixas como a balada do ex bem resolvido Longe de mim (com Zeca Baleiro como convidado) e o forrock apocalíptico de Reza milagreira, que ganha uma excelente participação de Juliana Linhares, e um arranjo em que o uso de eco faz parte do cenário. Contrabandeado é uma renovação da MPB da era da abertura, e um disco que funciona como vingança do oprimido.
Nota: 9
Gravadora: Estúdio 304
Lançamento: 29 de janeiro de 2025.
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Crítica
Ouvimos: Pedra Lunar, “O caminho rumo ao infinito”

Banda psicodélica de Novo Hamburgo (RS), o Pedra Lunar é um quarteto formado por Gabrieli Kruger (voz e percussão), Bruno A. Henneman (guitarra e backing vocal), Leonardo Winck (baixo e backing vocal) e Felipe Frodo (bateria, percussão e backing vocal). O caminho rumo ao infinito, primeiro álbum do grupo, revela uma sonoridade que quase sempre está mais para 1966 do que para 1968. Algo entre o mod e o psicodélico em faixas como Tudo está no lugar, a quase-faixa título Caminhando rumo ao infinito (esta, com vocais bastante criativos), Livres por aí e Eterna juventude – essa última, com piano lembrando Nicky Hopkins (Rolling Stones) e clima herdado não só de Kinks como do começo do glam rock (David Bowie, T Rex).
Aumentando a variedade do som, o Pedra Lunar ganha tons progressivos em Chuva passageira, clima estradeiro e rock-barroco em Toda essa confusão, vibe entre o power pop e o country rock em Dias de inverno e um som entre Bob Dylan e Raul Seixas em Eu também quero voar. O saldo do disco do Pedra Lunar é bem positivo e promissor, e pega direto na veia de quem curte rock brasileiro setentista, por causa das letras e da argamassa vintage.
Nota: 7,5
Gravadora: Áudio Garagem
Lançamento: 14 de dezembro de 2024.
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