Crítica
Ouvimos: Demob Happy, “Divine machines”

- Vindo de Newcastle, na Inglaterra, o Demob Happy é uma banda que une stoner metal e tons eletrônicos, e que existe desde 2008. Na atual formação, Matthew Marcantonio (voz, baixo), Thomas Armstrong (bateria, vocais) e Adam Godfrey (guitarra, vocais).
- O nome Demob Happy (literalmente “desmobilização feliz”) veio de uma expressão multiuso que costuma ser usada para o fim de tarefas que pareciam um fardo – seja o fim de uma guerra ou um trabalho enfadonho.
- O grupo não gravava desde 2018, quando saiu Holy doom. Já Divine machines é o terceiro álbum da banda.
- Marcantonio cita bandas como Beatles e Supertramp como referências de infância (era o que o pai dele escutava no carro). E diz que o disco novo fala “sobre os males do mundo, mas agora está mais centrado em cada um de nós para ver como podemos crescer e assumir a nossa responsabilidade na forma como o mundo funciona. Os poderes constituídos não precisam fazer o que querem, sabe?”
Lançado em maio, o terceiro disco do Demob Happy bem que poderia estar na área de discos relembrados do Pop Fantasma. Brincadeira, claro, mas assusta um retorno tão bacana ter passado despercebido pela gente. Vendidos costumeiramente numa pacoteira que inclui rótulos como metal alternativo e stoner metal, demonstram mais fôlego de banda indie, misturadeira, do que de grupo dedicado apenas ao rock pesado.
Divine machines começa mais dançante e irônico do que se imaginaria no caso de uma banda “stoner”, em Token appreciation society, uma zoação que mistura Video killed the radio star, dos Buggles, e a onda dos NFTs. Prossegue rezando mais na cartilha do Nine Inch Nails, sem a mesma disposição para o incômodo e para a sujeira, e com mais toques psicodélicos, em faixas como Voodoo science e anti-machista I have a problem (I ignore). Unem tons robóticos e blues-rock em Earth mover. Além de um lado zeppeliano em Tear it down, e quase sabbathiano na boa de riff Run baby run.
Mesmo nos momentos em que eles mais fazem questão de entregar que são uma banda de rock pesado, inserem detalhes diferentes do comum, como a dramaticidade de Muscular reflex (faixa com jeito de hit, a partir dos riffs e dos corais) e de Super-fluid, um blues-rock com senso melódico herdado do Depeche Mode. Para impressionar de verdade, tem a fluidez do soul-metal Hades, baby, que encerra o disco com metais e cordas escondidas em meio aos riffs de guitarra. E She’s as happy as a man can be, música lá com suas heranças do rock britânico dos anos 1960 (os Beatles do White album, os Pretty Things de Parachutes são o que surgem na mente), mas com o jeitão do grupo. Vale ouvir.
Gravadora: Liberator Music
Nota: 8,5
Foto: Reprodução da capa do álbum
Crítica
Ouvimos: Slick Rick – “Victory”

RESENHA: Slick Rick lança Victory, disco curto e afiado, com beats secos, histórias ácidas, críticas sociais e o charme narrativo que marcou sua estreia.
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Rapper, cantor e produtor, Slick Rick gravou pouco, não é um nome extremamente famoso do rap, mas tem um poder de influência enorme – The great adventures of Slick Rick (1988), primeiro álbum, unia beats, zoeira e narrativas que batiam no ouvido mais em tom de crônica do que de rap.
Era mais ou menos, e pessimamente mal comparando, quando Gabriel O Pensador surgiu com seu disco de estreia (1993). A narrativa do “meu nome é fulano e eu faço isso e aquilo” era acrescida de conselhos, histórias infantis levadas para o mundo adulto, parábolas e uma série de outros elementos que poderiam ser lidos além de apenas escutados ou dançados.
De lá para cá foram poucos discos e Victory é o quinto álbum de Rick – um disco visual (confira abaixo) de menos de meia hora, e em que o beat e as histórias chegam na frente. As melodias são riffs e sons combinados que dão uma estrutura quase elementar para as músicas, sem a festa de samples de discos de Kendrick Lamar (que herdou muito da veia de storyteller de Rick) e Snoop Dogg. O repertório evoca o boombap clássico do rap.
- Ouvimos: Snoop Dogg – Iz it a crime?
- Ouvimos: Stefanie – Bunmi
- Ouvimos: Will Smith – Based on a true story
- Ouvimos: Lil Wayne – Tha Carter VI
Slick, vale dizer, é um sujeito que em 1988 lançou Treat her like a prostitute, música que “aconselhava” os homens, de maneira não muito equilibrada ou sensata, sobre temas como sexo casual, casamento e namoro sério. Ou seja: não espere muito equilbrio em Victory, e o lance de Slick é universidade das ruas, mesmo quando fala de temas supostamente introspectivos (Stress, com vocal ágil sobre bateria e um riff de baixo) e conflitos de geração na música feita por artistas negros (a sinuosa Foreign).
Às vezes, incomoda que Slick mantenha um certo tom de tiozão do rap. Angelic, com batida soul e design melódico simples, traz mais conflitos com os novos tempos na letra – enquanto I did that, rappeada a cappella, com barulhos de mar no fundo, lembra às novas gerações quem é ele. A experiência quase sempre ajuda: Cuz I’m here, lembrando o clássico televisivo Soul train, conta histórias de atividade na noite. A vinheta Mother Teresa é uma oração hip hop com versos certeiros e lembranças da dureza (“fizemos tanto por tanto tempo com tão pouco / que agora estamos qualificados para fazer qualquer coisa / com nada”).
Slick Rick margeia também a psicodelia na dance track Come on let’s go, e o romantismo reggae do lovers rock em Landlord – cuja letra, nada romântica, é dedicada aos usurários de Nova York (e curiosamente, vê o universo dos aluguéis pelo ponto de vista de quem cobra por eles). A trilha básica de Documents, por sua vez, emoldura uma história de detetive, em que Slick é mandado para recuperar documentos importantes. No fim das contas, até o que parece bem estranho em Victory (e tem MUITAS coisas bem esquisitas ali) vale como história.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Mass Appeal Records / 7 Wallace
Lançamento: 13 de junho de 2025
Crítica
Ouvimos: Steve Queralt – “Swallow”

RESENHA: Estreia solo de Steve Queralt (Ride) mergulha no progressivo espacial, com guitarras pesadas, climas melancólicos e ecos de pós-punk e ambient saturado.
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A estreia solo de Steve Queralt, baixista do Ride, tem a ver com o som de sua banda, ainda que seja completamente diferente. Mesmo que o Ride seja considerado um dos bastiões do shoegaze, eles sempre buscaram trocar figurinhas com outros estilos do rock – tanto que os ruídos e as paredes de guitarra respondem por apenas uma parte do escopo do grupo.
Swallow é um disco de rock progressivo e espacial mergulhado na sujeira sonora, com sons melancólicos e imersivos que já se iniciam na primeira faixa, Mission creep – cujo roteiro inclui uma narração que vem pelo rádio, e um clima de voo sideral. A segunda faixa, Lonely town, com os vocais de Emma Anderson (ex-Lush) parte para o pós-punk do espaço, lembrando The Cure e New Order, mas com tom viajante e sons ecoando como uma massa sonhadora de guitarra e teclados, engolida por efeitos no final.
- Ouvimos: Ride – Interplay
- Ouvimos: Everyone Says Hi – Everyone Says Hi
- Ouvimos: Andy Bell – Pinball wanderer
O começo de Swiss Air, também com Emma nos vocais, chega a ameaçar algo próximo do nu-metal, por causa da guitarra da abertura – mas logo os teclados e guitarras caminham para algo progressivo e pesado, que enfim caminha para uma parede guitarrística próxima do estilo do Ride. Há também sons mais meditativos ainda no quase post-rock de High teens e A Porsche shaped hole (esta, soa como um redemoinho em alguns momentos), nos mares tempestuosos de Motor boats.
Essa onda meditativa surge combinada com guitarras distorcidas e pesadas em I don’t know how to sing, e em duas faixas que têm o estilo de produção de Brian Eno, só que voltadas para climas mais saturados, Messengers e 1988 – dois sons que flutuam até desmanchar.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Sonic Cathedral
Lançamento: 13 de junho de 2025.
Crítica
Ouvimos: Echo Upstairs – “Estranhos lugares para os olhos”

RESENHA: Álbum do Echo Upstairs traz noise, psicodelia e folk distorcido, com climas que vão do sombrio ao meditativo e emanações sonoras bem inusitadas.
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O Echo Upstairs é um supergrupo indie e experimental, que já lançou faixas feitas remotamente e terminadas num iPhone, e estreou com o EP Il mondo (2023, resenhado aqui). O álbum de estreia, Estranhos lugares para os olhos, traz formação mudada. Ana Zumpano (guitarra, vocais, poemas, sintetizadores, loops e viola caipira) e Bigu Medine (contrabaixo, vocais, organelle e guitarra) ganham a companhia de Beeau Gomez (guitarra e contrabaixo) e João Casaes (bateria, piano, organelle e mellotron), e o som torna-se um caminho que vai sendo percorrido e descoberto aos poucos.
Estranhos lugares abre com o paredão instrumental de Beautiful noise, avisando ao/à ouvinte que a matéria-prima da banda é o barulho. Vai para o caminho da canção ruidosa em Correspondência e alterna com os rangidos e sombras de Cavalgo marinho, cujo ritmo vai surgindo após algumas experimentações. Já Green quartz é mais tranquila, quase um folk ligado na tomada, e cheio de distorções – ou uma valsa shoegaze.
Várias surpresas começam a aparecer a partir daí, como a balada Ficou pra trás – que por trás dos efeitos, dos ecos e das vibrações, mostra um toque disfarçado de soul e de progressões setentistas. Músicas como Sono leve e a declamada Despedida lembram a paixão do Som Imaginário e dos músicos do Clube da Esquina por guitarras saturadas, enquanto Forbidden abre com uma guitarra fuzz que lembra o início de I wanna be your dog, dos Stooges – mas ganha logo tom meditativo e psicodélico.
Três lados diferentes do Echo Upstairs surgem unidos em músicas como Voo em falso, Facilitar e a faixa-título, que trazem ruídos, vibes sombrias e clima meditativo. Uma equação que em Estranhos lugares para os olhos nem sempre aparece equilibrada (o que provavelmente é uma intenção da banda), mas rende boas surpresas.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Midsummer Madness
Lançamento: 11 de junho de 2025.
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