Crítica
Ouvimos: “Banda da capital”, do Som Imaginário

- Banda da Capital traz o registro de um show do Som Imaginário no Colégio Marista, em Brasília (DF), em 4 de outubro de 1976, feito para celebrar o Dia da Natureza, unido a duas faixas bônus (Armina, de Wagner Tiso, e Manuel, o audaz, de Toninho Horta) gravadas num show realizado quase um ano antes (6 de outubro de 1975), no salão de exposições do Museu de Arte Moderna, no Rio.
- A formação do grupo na época incluía Fredera (guitarra, violão e vocais), Jamil Joanes (baixo), Nivaldo Ornelas (saxofone e flauta), Paulinho Braga (bateria e percussão) e Wagner Tiso (órgão e piano elétrico). Novelli (baixo) e Toninho Horta (guitarra, voz) estão nas faixas bônus. Do Som Imaginário, anteriormente, haviam feito parte músicos como Zé Rodrix e Tavito. Jamil Joanes, em 1976, começou também a fazer parte da Banda Black Rio.
- Formado para acompanhar Milton Nascimento, o Som Imaginário vinha de vários shows com o cantor antes das apresentações que deram origem ao disco. Em 1974 gravaram com ele o duplo ao vivo Milagre dos peixes.
- Material de Banda da capital deveria ter sido o quarto disco individual do grupo, mas acabou engavetado por décadas. Faixas como Cafezais sem fim, Banda da capital e A igreja majestosa vazaram em outras versões para os primeiros discos solo de Wagner Tiso, a partir de 1978.
Primeiro: ao contrário do que dizem duas das principais plataformas digitais, Banda da capital não foi gravado no Museu de Arte Moderna no Rio – só as duas últimas faixas do álbum foram gravadas lá. Segundo: com crédito errado ou certo, em vinil, CD ou streaming, ouça correndo o disco, lançado pelo selo britânico Far Out. A gravação do álbum em Brasília foi mais do que um show: foi um concerto de rock progressivo, como os álbuns ao vivo de bandas como Yes e Emerson, Lake & Palmer mostravam. Até a quinta faixa (o fusion-funk-prog Banda da capital, conduzido justamente por Jamil Joanes, futuro Black Rio, no baixo), todo o material surge sem interrupções, como se fosse praticamente uma só peça.
A crueza da gravação ao vivo mostra que Armina, de Wagner Tiso, deve muito mais a I want you (She’s so heavy), dos Beatles, do que transparecia no original gravado pela banda no disco Matança do porco (1973), e dá um clima. Sábado, na voz e no violão de Fredera, com backing vocals dos colegas, transforma-se numa valsa folk. Cafezais sem fim une Mahavishnu Orchestra e Luiz Gonzaga (há um trecho de Qui nem jiló na música, tocado ao piano). A maior surpresa revelada pela gravação é a contribuição de Jamil Joanes para o repertório do Som Imaginário: o emocionante soul-folk-jazz Imaginados, um instrumental de seis minutos que estava escondido até o lançamento desse disco, com o baixista tocando violão e fazendo vocalises.
No final do disco, um sinal da passagem breve de Toninho Horta pela banda, com a releitura voz-e-guitarra “do grupo” para o futuro hit Manoel, o audaz, surgindo quase como um recado no disco. Como a música entra de repente, sem introdução, lembra o final do disco Acabou chorare, dos Novos Baianos, com a versão redux de Preta pretinha. Boa parte do rock progressivo brasileiro dos anos 1970 teria alcançado voos mais altos se tivesse a criatividade e a capacidade de misturar estilos do Som Imaginário.
Nota: 10 (e pena que só vai até 10)
Crítica
Ouvimos: Cynthia Erivo – “I forgive you”

RESENHA: Cynthia Erivo transforma dor e perdão em arte no sensível I forgive you, disco de soul contemplativo, emocional e camerístico, com 20 faixas marcantes.
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Todah Opeyemi, jornalista da BBC Africa, escreveu no Medium que chorou ao ouvir o segundo disco da cantora e atriz Cynthia Erivo, I forgive you. De fato, o novo álbum de Cynthia, cantora sensível a ponto de ter interpretado Aretha Franklin (na série Genius: Aretha) e de ter feito shows cantando os repertórios de Billie Holiday, Ella Fitzgerald e Nina Simone (um deles no Hollywood Bowl, em julho de 2021), é um mergulho corajoso na alma, em letras, melodias e honestidade emocional.
Cynthia, ao lado de mais nove produtores (ela também cuida da produção), cria em I forgive you novas texturas para o r&b, a ponto de transformar tudo o que toca em pop de câmara, com vocais angelicais – a ponto do álbum já ter sido reeditado em uma versão com várias canções a cappella. Tanto que, de modo geral, se trata de um disco pop recomendado para quem compreende estilo como r&b e soul por uma perspectiva mais elaborada e independente – fãs de artistas como Moses Sumney, Anohni and The Johnsons e Hozier, por exemplo, vão gostar bastante.
Usando o perdão, a autodescoberta e a palavra como possibilidades de cura, Cynthia abre o álbum com uma vinheta baseada em Why (faixa de Annie Lennox de 1992) e prossegue com as batidas insinuadas de Best for me, o soul vaporoso de More than twice, o voo ambient e orquestral de You first, a parede de vocais (e o tom de trilha de filme) de Save me from you e o pop noventista e repleto de texturas de Worst of me.
- Ouvimos: Moses Sumney – Sophcore (EP)
- Ouvimos: Little Simz – Lotus
- Ouvimos: Anohni and The Johnsons – My back was a bridge for you to cross
São vinte faixas e, durante todo o disco, Cynthia investe no lado mais contemplativo do pop, aproximando-se de um folk soul mágico em She said, de fusões com jazz e blues em What you want e de truques levemente psicodélicos na derretida Push and pull. Além do clima gospel e quase clássico de Holy refrain, que fala sobre um amor quase existencial – mesmo tema do soul leve e empoderado de I choose love, por sinal.
No álbum, Cynthia fala bastante, às vezes como um subtexto, sobre não se perder de si própria – um tema que aparece com força na meditativa Replay e no soul orquestral Brick by brick. Já o final, com Grace, esconde uma história triste: a voz infantil que aparece na faixa é de uma menina – a Grace do título da faixa – que trocava vídeos com Cynthia e morreu aos 13 anos. A letra é uma homenagem a ela, e encerra I forgive you como um último recado, uma despedida que fica ressoando por um bom tempo.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Verve
Lançamento: 6 de junho de 2025
Crítica
Ouvimos: Yungblud – “Idols”

RESENHA: Yungblud lança Idols, disco cheio de referências (Bowie, Manson, Suede), letras sobre identidade e amores, e clima de ópera-rock moderna.
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“Misture Robbie Williams, o falecido vocalista do Prodigy Keith Flint e o personagem Dennis, o Pimentinha, num liquidificador e, depois de alguns segundos, você terá Yungblud”, escreveu Ollie Macnaughton no jornal The Independent, tentando diagnosticar – sem deixar a ironia de lado – qual é a de Dominic Richard Harrison, o popular Yungblud.
Britânico de Yorkshire, ele está há quatro discos cumprindo, mais do que uma carreira musical, um projeto de vida: tornar-se um daqueles nomes do rock que se tornam tão imensos que, mais do que caberem no guarda-chuva do pop, transformam-se eles próprios em imensos guarda-chuvas. Nomes como Freddie Mercury e David Bowie volta e meia são citados por jornalistas e fãs na hora de falar dele (eu faria uma comparação com o senso comum que joga Jão e Cazuza no mesmo saco de gatos, aqui no Brasil).
- Quem é quem (e o que é o que) na ficha técnica de Ziggy Stardust, de David Bowie
- Ouvimos: David Bowie – Rock and roll star!
Se a ideia é ter o mesmo nível de fama dessa turma, pode até rolar. Mas em termos de criação musical e de manutenção dos tubos de ensaio do pop, 2025 é um ano, digamos, bem diferente de 1972, quando Bowie estourou com Ziggy Stardust. Hoje, discos são criados por times, equipes fazem estudos para entender qual é de determinados artistas, as referências estão ao alcance da mão – às vezes tão ao alcance que tudo pode beirar o mero plágio.
E aí que Yungblud, nascido em 1997, é mais filho dessas criações de laboratório do que de uma época em que você ficava esperando horas para ouvir sua música preferida no rádio – e, honestamente, tudo bem. Idols, quarto disco do rapaz (e primeira parte de uma ópera-rock dupla sobre a “loucura da vida”, entre outros temas), é um bom exercício de – vamos dizer assim – fantasmagoria pop.
Em Idols, Yungblud veio com uma boa safra de canções e o repertório parece assombrado por vários espectros. Há uma mescla de Depeche Mode, Led Zeppelin, Queen e Bowie na épica e quilométrica Hello heaven, hello. Também há algo entre Sisters Of Mercy, My Chemical Romance e Marilyn Manson em Zombie (balada emo com ar gótico que pergunta: “você iria continuar me querendo se eu parecesse um zumbi?”). Vai por aí.
Tem mais: o pós-punk pesado de The greatest parade lembra Suede e Placebo. Monday murder e Ghosts unem U2, The Cure e britpop anos 90 no mesmo caldeirão – a segunda tem elementos de Pride (In the name of love), de Bono & cia, e vai se transformando num gospel pesado aos poucos. E falando em britpop, o disco em vários momentos soa como um redesenho emo na época e no estilo – a tal resenha do The Independent cravou The Verve como referência, eu cravaria além deles, os já citados Suede e Placebo. Em termos de letras, a “loucura da vida” inclui conversas honestas sobre masculinidade, formação de identidade, idolatria, amores que vão e vem etc.
Vale repetir: Idols é bom. Se você em algum momento acha que não tem mais idade para ouvir Yungblud, repense. A biblioteca de referências do disco, inclusive, não aponta para nenhuma atrocidade ou mistura malfeita – nem mesmo quando ele resolve fazer uma espécie de Oasis brega, na balada Change (olha, acho que faz sentido).
Texto: Ricardo Schott.
Nota: 8
Gravadora: Locomotion/Capitol
Lançamento: 20 de junho de 2025
Crítica
Ouvimos: Florence Road – “Fall back” (EP)

RESENHA: Florence Road mistura indie pop com rock 90s, grunge e britpop, mirando fãs de Olivia Rodrigo e pais fãs de PJ Harvey.
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Tem muita coisa no som do Florence Road que lembra o Sunday (1994), que resenhamos outro dia. A diferença é que o Sunday investe numa espécie de shoegaze baixos teores, próprio para tocar no rádio, e esses irlandeses, no EP Fall back, fazem guitar rock com molho pop, investidos da mesma disposição para voltar à música dos anos 1990.
Um pouco de olho nos fãs de Olivia Rodrigo e Taylor Swift, um pouco de olho nos pais deles, o Florence Road mistura introversão e barulho em Hand me downs, leva tom pop ao indie rock com emanações de Pixies e Weezer em Goodnight e faz folk melancólico de FM em Caterpillar. Os vocais de Lily Allon tem aquele tom agridoce típico do rock feminino dos anos 1990, herdado de Alanis Morrisette, PJ Harvey, Dolores O’ Riordan (The Cranberries) – além de servirem uma versão light de Dana Margolin (Porridge Radio) em alguns momentos.
Essa receita “infalível” (vamos dizer assim) prossegue oscilando entre o grunge e o britpop em Figure it out, e invadindo a grande área do pós-punk em Heavy. No fim, Fall back é uma pequena demonstração de um som que ainda pode render.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7,5
Gravadora: Warner
Lançamento: 20 de junho de 2025.
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