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Ouvimos: April June, “Baby’s out of luck again” (EP)

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Ouvimos: April June, "Baby's out of luck again" (EP)
  • Baby’s out of luck again é o segundo EP da cantora April June, vinda da Espanha (ela mora entre Nova York e Madri), e que costuma ser mais identificada com a onda dream pop. O disco foi puxado pelo single Carry you on my broken wings, cuja história foi inspirada por séries como The Sopranos. O clipe da faixa foi dirigido por Marco Braia e se inspira no estilo do diretor de cinema italiano Dario Argento.
  • April grava desde 2020 e estreou com o single Heaven’s getting closer e o EP Feelings on the internet.

A maioria dos artistas nacionais que tentam fazer algo parecido com o que April June faz – ou seja, indie pop levemente lo-fi, levemente entorpecido – esbarra num problema básico: esse tipo de som ainda não é devidamente conhecido por aqui e tem uma ligeira tendência a fazer parte de uma espécie de zona fantasma do pop nacional, com gente achando tudo mal gravado e amador. Baby’s out of luck again, o novo EP de April, soa como uma espécie de lo-fi agridoce, influenciado tanto por Lana Del Rey quanto por algo próximo de Stevie Nicks e Christine McVie.

A ideia é que tudo no disco pareça bastante artesanal, como se tivesse saído do quarto de April, desde a gravação tosca e estudada, até o desenho da capa. A personagem das letras, por sua vez, luta para perder os traços da adolescência. E duela com o desejo de levar uma vida normal, e com a certeza de que tem algo ali meio fora dos padrões, como acontece na faixa-título e em Pretty like a rockstar, que soa como um filme adolescente dos anos 1980

Num universo de sete faixas, o destaque vai para o dream pop de garagem de Sweeter than drugs, o pós-punk triste de It’s all my fault (que lembra um encontro de The Cure e Cranberries) e a baladinha leve Starstruck. Já Emotional problems, com vocal lavado e passado no autotune, tem cara de hit e provavelmente foi feita para estourar, mas já não empolga tanto. O single Carry you on my broken wings entrega mais histórias na letra do que uma melodia pronta para virar hit, digamos.

Nota: 6,5
Gravadora: Nettwerk 

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Ouvimos: Backxwash, “Only dust remains”

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Ouvimos: Backxwash, “Only dust remains”

Backxwash é o nome artístico de Ashanti Mutinta, um rapper nascido na Zâmbia e radicado no Canadá. Sua história de vida não foi nada fácil, e basicamente seus discos falam de coisas que ele viu ou viveu, com uma prosódia que lembra os clássicos do zamrock (o heavy metal feito na Zâmbia) somada à vibe ágil que o rap pratica nos dias de hoje, com flows e ritmos incomuns.

Não são histórias fáceis ou tranquilas de ouvir: a guerra que ficou na mente de Backxwash ganha às vezes clima de filme de terror – com direito a influências até de punk e heavy metal na sonoridade. Only dust remains, o álbum novo, continua a tradição, com letras sobre depressão, morte, suicídio, busca de identidade e momentos em que ele olhou em volta e não viu deus ao lado dele.

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A faixa de abertura, Black Lazarus, lida com uma tristeza tão imensa que dá para imaginar Ashanti chorando no estúdio, em meio a uma argamassa de blues pesado (“não há ninguém aqui me salvando / e a única morte que temo é sem dor”). Wake up traz recordações de violências, gritos, abusos e pessoas sendo usadas, com um batidão quase industrial e um clima de gospel antigo do meio para o fim. E a revolta toma conta de Undesirable, um rap sombrio e sonhador ao mesmo tempo, com letra falando sobre solidão e sobre traidores do meio do caminho (“agora é irônico, mas vou te dar um pensamento preocupante / eu me pergunto se você já pensou nos manos que perdeu / porque cada compasso é só um sintoma de quão falso você é”, vocifera).

A vibe de Backxwash é a depressão que vem da pressão social, dos fantasmas carregados pelos antepassados, e de temas como racismo, homofobia – e a solidão que surge do atendimento de expectativas da sociedade (“estou tão afastado da minha alma / que provavelmente terei que reconectá-la por uma espécie de proxy”, diz ele em Black Lazarus). É uma onda que dá para sentir até nos beats e nas melodias, como na emocional e pesada 9th heaven e no metal hip hop de Dissociation. O mesmo rola no rap pesado de History of violence, uma música sobre guerras – a guerra do dia a dia, as disputas entre países e as batalhas em nossa própria mente (“do rio ao mar, a Palestina será livre / pensando em todas as pessoas mortas na rua / quão jovem era esse garoto, tipo onze ou três? / enquanto os presidentes sentam e sorriem nos assentos da embaixada”).

Em faixas como Stairway to heaven, a vinheta Love after death e Only dust remains, o tema é o fim de tudo, o que resta depois disso, quais questões pessoais e sociais lembraram isso – sempre com peso e tom dramático. Sendo que em Stairway, o clima é de bluesão de FM, com guitarra lembrando Eric Clapton, e letra parecendo evocar uma reportagem sobre os últimos minutos de alguém (“não tema a perda e as emoções que vêm com ela / porque você não tem controle / sobre como eles vão se lembrar de você. “). Ouça num momento em que nada poderá te entristecer.

Nota: 8,5
Gravadora: Ugly Hag Records
Lançamento: 28 de março de 2025.

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Ouvimos: Ryan Adams, “Another wednesday”

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Ouvimos: Ryan Adams, “Another wednesday”

Wednesdays, disco de 2020 de Ryan Adams, foi um lançamento problemático – aliás um lançamento problemático de um cantor (bastante) problemático, para não dizer outra coisa. Foi anunciado em 2019 e adiado assim que surgiu um vendaval de acusações de abuso e má-conduta sexual em cima de Adams. O álbum saiu finalmente no ano da pandemia, com as edições físicas chegando as lojas apenas em 2021.

Como resultado, muita gente ignorou o disco. Já as poucas resenhas publicadas não separaram a conduta de Adams do material de Wednesdays, descrito por muita gente como um lançamento repleto de autopiedade, pés na bunda e toxicidades mil. Adams sempre demonstrou todos esses sentimentos bisonhos ao compor, e a própria seleção de canções de Blackhole – disco “perdido” dele, lançado oficialmente há poucos meses, com várias faixas feitas entre 2003 e 2006 – tem muito desse clima aí.

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Especificamente no caso de Wednesday, Adams parecia antever que o karma iria pegá-lo na esquina: as letras relembram paixões não-correspondidas, amores que se foram, épocas em que o mundo parecia mais risonho e, mesmo que tudo seja bem bonito, quem não gosta de chororô deve passar longe desse disco. Another wednesday por sua vez, é uma maneira de fazer os fãs redescobrirem o álbum. O cantor mudou a ordem das faixas, gravou tudo ao vivo com um público animado e deu uma baixada de bola até em Dreaming you backwards e I’m sorry and I love you, as músicas “com bateria” do álbum original.

Quem ama Ryan Adams já deve ter até uma cópia física de Another wednesday em casa, daí o papo é com quem tem 300 discos na fila das plataformas. E lá vai: mesmo tendo canções legais, Wednesdays já podia ser visto como uma emulação meio piorada de artistas como John Denver, Jim Croce, James Taylor e outros – portanto não era um disco que apresentava nada de novo. Another wednesdays vai na mesma onda, só que na frente de um público, com Adams exorcizando histórias de amor e desamor que foram originalmente lançadas em má hora.

No disco, Ryan insere terror, tristeza e morte em Mamma, descreve um amor que evanesce em Wednesdays, lembra dias mais venturosos em Birmingham e emula Elton John e Supertramp em I’m sorry and I love you, além de incluir covers de músicas como Moon river (sucesso de Frank Sinatra) na lista. O resultado tem beleza, mas ao mesmo tempo tem muita egolatria, e muitas lágrimas de crocodilo, que saem bem na frente – e dão uma estragada na audição.

Nota: 6
Gravadora: Pax AM
Lançamento: 14 de fevereiro de 2025

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Ouvimos: Snapped Ankles, “Hard times furious dancing”

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Ouvimos: Snapped Ankles, “Hard times furious dancing”

“Ainda podemos manter a linha da beleza, forma e batida. Não é uma pequena conquista em um mundo tão desafiador quanto este… Tempos difíceis exigem dança furiosa. Cada um de nós é a prova”. Esse trecho, escrito em 2010 por Alice Walker – autora estadunidense mais conhecida pelo romance A cor púrpura, que virou filme – inspirou o quinto disco do Snapped Ankles, grupo londrino que por falta de denominação melhor, pode ser chamado de pós-punk.

Isso porque, na prática, o Snapped Ankles veio para confundir, causar e criar um som difícil de colocar em caixinhas. Você percebe um Kraftwerk torto aqui e ali, influências de grupos como Wire, Suicide e The Fall (o vocal lembra o de Mark E Smith), mas o mais bizarro é que os integrantes não revelam suas identidades e todos se apresentam com roupas camufladas (!). Hard times furious dancing, a visão deles a respeito da dança furiosa dos tempos difíceis asseverada por Alice Walker, põe em música o espanto com o capitalismo, com as corporações, com o descaso das pessoas e com a transformação de todo mundo em números e algoritmos.

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Viajando pelas faixas, Pay the rent, um samba eletrônico torto, com clima meio sujo e simultaneamente meio psicodélico, abre o álbum soando como um The Clash mais experimental – mandando bala numa letra que praticamente prevê o fim do mundo por falta de verbas. Personal responsibilities mete bala nas empresas que só querem saber de lucrar sem se preocupar com mais nada, em meio a um som que evoca um Devo do mal, ou um Suicide moderno. Raoul une Kraftwerk e Ministry. Dancing in transit é dance music de altas energias, mas com ritmos tortos, consistindo num jazz-rock doidão e ríspido.

E isso aí é só o começo. Dai para a frente, somos apresentados ao sarcasmo de Where’s the caganer?, som uptempo com uma letra citando a velha tradição do duende cagalhão, um boneco que faz parte da decoração de Natal da Catalunha. Smart world é um tecnorock que soa como uma música daqueles novelty records de música eletrônica dos anos 1970 – com uma letra que conclui que “todo mundo que eu conheço está ficando mais preguiçoso da cabeça quase dia após dia”.

As razoáveis Hagen im garten e Bai lan, músicas com partículas de reggae, industrial e até eletrohardcore, servem de ponte para Closely observed, que encerra o álbum. Uma canção bem mais meditativa que o restante do disco, e que em meio a sons espaciais, propõe a fuga do sistema maluco atual (“economize, prepare / empacote o que puder / fuja, fuja / para outro plano de inverno / aterrissamos em uma cidade vazia”). Resta saber para onde…

Nota: 8
Gravadora: The Leaf Label
Lançamento: 28 de março de 2025.

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