Crítica
Ouvimos: Amyl and The Sniffers, “Cartoon darkness”

- Cartoon darkness é o terceiro álbum de Amyl and The Sniffers, banda australiana formada pela vocalista Amy Taylor, o baterista Bryce Wilson, o guitarrista Declan Mehrtens e o baixista Gus Romer.
- O grupo, você deve saber, vem ao Brasil em 2025: vai abrir os shows do festival punk do Offspring, The punk is coming, e vai fazer um show em separado no Cine Joia, em São Paulo, no dia 6 de março de 2025.
- Jerkin’, um dos singles do disco, ganhou um clipe “proibidão” para maiores de 18 anos, com órgãos sexuais de homens e mulheres à mostra – o vídeo, claro, ganhou uma versão mais próxima do “família” no YouTube. O grupo faz questão de avisar no início do clipe que ele foi criado com objetivos artísticos e de body positivity, e não para a satisfação sexual alheia (assista só se você tiver 18 anos e NÃO abra no trabalho, óbvio).
- “O nível de ofensa que uma vagina ou um pênis podem gerar é absolutamente bizarro. Uma vez, Amy me disse: ‘Se o mundo não fosse tão fodido, eu nunca usaria roupas’. É o contexto que imprimimos em nossos órgãos sexuais que os torna inatamente ‘ofensivos’. É por isso que queríamos tirar o artifício e examinar o corpo de uma forma aberta e conversacional”, diz um dos diretores do clipe de Jerkin’, John Angus Stewart (tirado do site Popload).
Amy Taylor, a Amyl dos Sniffers, canta no álbum Cartoon darkness o fato de estar perto do sucesso – e ter que enfrentar dia após dia um monte de críticos, além de gente desejando que ela não faça sucesso, e de gente pronta para acabar com a animação dela em poucos minutos. Não é um personagem: impossível imaginar o cenário rocker nos dias de hoje sem Amyl and The Sniffers. E, sim, nunca falta gente botando para baixo quem está em curva ascendente.
Cartoon é um disco feito para jogar Amyl e seus Sniffers nas alturas – está claro nos arranjos, na produção, na composição, e no fato de ser o melhor som do grupo gravado até hoje. Ainda que Amy esteja sendo bastante comparada a nomes como Poly Styrene (X-Ray Spex), a voz que mais vem à cabeça é de uma cantora da geração dela – Tina Halladay, da banda norte-americana Sheer Mag, que também adora cantar como quem fala num megafone, com ecos, sujeiras e imperfeições. O material de Cartoon darkness é rápido, pesado, e influenciado por uma mescla de grunge, punk e new wave. Mas sem recorrer a clichês – tanto que, ao ouvir o disco, quando começa a vir uma banda como referência à mente, o cenário muda rápido.
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O disco tem até um stoner rock ligeiramente funkeado, e levado adiante pelo que parece ser uma guitarra de 12 cordas repleta de distorção – Me and the girls, que fecha o disco com versos como “eu e as garotas estamos indo à festa/você e os rapazes podem calar a porra da boca”. E abre com o quase ska-punk de Jerkin’, mandando os inimigos ficarem no canto deles se masturbando enquanto Amy observa seu próprio sucesso. Entre uma música e outra, o vocal quase falado dela fica a serviço de letras brigonas, que provocam machistas, críticos e reis do punk – estes, transformados em pó na letra de U should not be doing that, uma espécie de rap punk que fala de inimigos perseguidores em todos os lugares.
A tentação que quase todo crítico musical tem, de sair comparando com Debbie Harry toda cantora punk que aparece, só faz sentido em uma única faixa de Cartoon darkness. É Bailing on me, que soa como se a cantora do Blondie fosse cantar no Hole – ou como se Courtney Love virasse vocalista do Blondie, dá quase no mesmo. Já canções como Pigs, que vem numa onda skate-punk de rachar assoalhos, investem em rivalidades pessoais, num clima que faz lembrar até letras de funk carioca (no caso, com versos como: “você é um babaca, está preso na correnteza/sou uma rocker e vivo o sonho molhado/você acha que é selvagem mas eu acho que você é dócil”). Doing in me head espalha brasa para influencers e magos da estética (“estou de saco cheio de prometer para todo mundo/que eu sou igual às outras”).
Do it do it, uma das faixas que mais guiam o disco para a mescla punk + new wave, mostra que a banda ainda está se acostumando com as críticas e com as cascas de banana do sucesso, em versos como “e quando chegar o dia do julgamento/e o juiz estiver bem na sua cara? (…)/quando você chegar no topo da montanha/vai enfiar a neve (cocaína) toda no seu nariz?”. Amyl and The Sniffers saem mais fortes e mais felizes, apesar dos perigos, de Cartoon darkness.
Nota: 9
Gravadora: Rough Trade
Crítica
Ouvimos: YMA – “Sentimental palace”

RESENHA: Em Sentimental palace, YMA cria um hotel onírico de sons psicodélicos, misturando dream pop, jazz e eletrônica com charme e imaginação.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Matraca Records
Lançamento: 23 de outubro de 2025
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“Um hotel onírico, ocupado pelo inconsciente, vira abrigo e pista de dança”, diz a primeira frase do release de Sentimental palace, segundo álbum de estúdio da paulistana YMA. Na real, vale dizer que Sentimental, pela sua psicodelia inerente, e pelas várias portas da percepção abertas por instrumentos musicais, vozes, climas e ruídos, soa como uma versão noturna, eletrônica e chique de Hoje é o primeiro dia do resto da sua vida, álbum dos Mutantes creditado apenas a Rita Lee e lançado em 1972.
Musicalmente, são dois discos que caminham por lugares bem distantes, mas há uma ligação sonhadora e psíquica entre eles que não dá para ignorar. A faixa-título, que abre Sentimental palace, apresenta um passeio pelo tal hotel onírico, guiado pela voz jazzística e doce de YMA, que parece narrar várias cenas, em meio a ruídos de passos e de portas abrindo. Fritar na areia!!!, aberta por barulho de fritura (!), soa como um ambient praiano, em que a voz dela lembra a de Rite Lee – e em que climas lembrando Kraftwerk, blues, jazz, dream pop e até uma versão drum n’ bass do Pink Floyd vão se seguindo.
- Ouvimos: Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo – Música do esquecimento
- Ouvimos: Jup do Bairro – Juízo final
O passeio pelo hotel continua com a bossa pop e jazzística de 2001, com a vibração meio Secos & Molhados, meio Melody’s Echo Chamber de La femme, a onda dream pop e sexy de Dentro de mim (cuja melodia, em alguns momentos, chega a lembrar uma trilha de filme antigo da Disney) e um experimentalismo sonoro próximo do pós-punk em Te quero fora (com Lucas Silveira, do Fresno) e na balada melancólica e ruidosa Ruído branco. Já Lagosta, ostra, ruídos de mastigação abrem a declamação jazz-punk de Jup do Bairro e YMA sobre alimentos caros em pratos fundos de metal, luxos vetados para muita gente, e que na verdade escondem lixos.
Existe um lado pop-clássico em Sentimental palace, e ele surge em faixas como Passageira S. (que soa como uma Marina Lima mutante), no clima doce e tranquilo de Rita, com participação de Sophia Chablau, e no som beatle-britpop de O anjo cometa, que encerra o disco com emanações de John Lennon e até de pop triste setentista, daqueles que iriam parar rapidamente numa trilha de novela.
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Crítica
Ouvimos: Guerilla Toss – “You’re weird now”

RESENHA: No álbum You’re weird now, o Guerilla Toss mistura slacker rock, synthpop e punk psicodélico com humor, barulho e espírito livre.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Sub Pop Records
Lançamento: 12 de setembro de 2025
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“Se eu sou muito louco / não vou me curar”, já diziam os Mutantes. Ao que parece, essa lição foi aprendida em regra pela banda novaiorquina Guerilla Toss, um grupo que soa como um cozidão de Sparks, Todd Rundgren, Utopia, Devo, Yoko Ono, Blondie, James Chance and The Contortions, Pink Floyd dos anos 1970 e o próprio grupo de Rita Lee e dos irmãos Baptista. O novo disco da rapaziada, You’re weird now, parece uma cláusula de libertação da mente, mesmo nem chegando a ser um disco “psicodélico” de verdade. Está mais para um slacker rock abusando do senso de humor – e vale citar que Stephen Malkmus (do Pavement, orgulho slacker) produziu o álbum.
Pra não dizer que a banda não soa psicodélica em momento algum, You’re weird now ganha a definição de “punk psicodélico” em faixas como Psychosis is just a number (que traz algo sério de no-wave encartado, mesmo assim), o synthpop torto Life’s a zoo e a hora do teclado maluco de CEO of personal & pleasure – cuja letra parece as hipotéticas confissões de uma época em que o Louco, da Turma da Mônica, decidiu virar CEO ou coach. Os versos concluem que “você sabe que os teimosos nunca mudam / eles simplesmente ficam realmente cansados disso / se você está se sentindo estranho / você provavelmente deveria continuar com isso” – sinal de que o Guerilla Toss decidiu rir da vibe Linkedisney das empresas que só falam em tracionar, escalar, e coisas do tipo.
- Ouvimos: Pavement – Cautionary tales: Jukebox classiques
O grupo cria misturas sonoras como o synthpop slacker (Red flag to angry bull) e o punk funk progressivo (Panglossian mannequin, canção com mumunhas eletrônicas que, se mexer aqui e ali, ganha semelhanças com Gong e Can). Deep sight une Gang Of Four e Sonic Youth – balanço e barulho -, When dogs bark junta Pixies, Velvet Underground e teclados cintilantes, e Favorite sun parece uma sobra da fase new wave de araque do Yes, ou um desdobre progressivo-fake de bandas como Buggles e Blondie. Tem ainda Crocodile cloud, punk sintetizado psicodélico (olha outro exemplo aí!) com batida new wave puladinha e letra falando em LSD, liberdade e nuvens com formato de crocodilo.
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Crítica
Ouvimos: Matheus Gomes Lima – “Carnaval”

RESENHA: Matheus Gomes Lima estreia com Carnaval, disco de bom astral que mistura rock 80s, ska, soul e power pop em canções leves e cheias de humor.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Independente
Lançamento: 25 de setembro de 2025
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Cantor e compositor de São Gonçalo (RJ), Matheus Gomes Lima merece bastante sua atenção por ter lançado uma das músicas nacionais mais bacanas desse ano: o bubblegum Encruzilhada, licor e dente-de-leão , inspirado numa mescla de Oasis, Skank e The Cure. Em Carnaval, seu disco de estreia, há outras canções na mesma onda, em melodia, letra ou na combinação das duas.
A ótima Marataízes é música de férias: soa como uma mescla de Jorge Ben, Mundo Livre S/A e Beach Boys, se é que é possível. Quando eu envelhecer, um power pop sobre maturidade e envelhecimento, cita nominalmente um certo ex-presidente inominável e uma tal de intervenção militar – ambos (felizmente) tidos na faixa como indesejáveis. A gozada Pobre em Teresópolis é um ska + power pop que lembra Blitz e fala em programas como idas a Bauernfest e viagens a Guapimirim (RJ).
- Ouvimos: Pélico – A universa me sorriu – Minhas canções com Ronaldo Bastos
Um certo lado do disco lembra o rock dos anos 1980 e bandas como Barão Vermelho e Paralamas do Sucesso – como Porta da frente blues (que faz referência a BB King e acaba lembrando Noite do prazer, do Brylho), o punk pop No turno noturno e Será que vai chover?, que não é uma regravação dos Paralamas, mas é um reggae que cita a composição de Herbert Vianna.
Além das referências roqueiras, há um lado de pop romântico na balada com ar soul Chuva de verão e em A casa sem você – e essa faceta aparece bem resolvida na última faixa, Supersônico, pop com ar britpop. Um disco de bom astral.
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