Cinema
“Nada pode parar os Autoramas”, o filme

Como naquela história do relacionamento que traz a felicidade para ambas as partes quando termina, os Autoramas encontraram um caminho fértil quando a relação com sua primeira gravadora terminou. O grupo, que era formado por Gabriel Thomaz (voz, guitarra), Simone do Vale (baixo, voz) e Bacalhau (bateria) voltou à independência, arrumou um lugar ao sol no selo Monstro Discos e lançou o terceiro disco, Nada pode parar os Autoramas (2003) quase à própria custa.
Deu trabalho: a banda enfrentava descrédito de antigos amigos e fãs e lançava-se como grupo independente numa época em que a pirataria comia boa parte do mercado de CDs. E tinha pela frente um desafio enorme: manter a agenda de shows e colocar clipes na televisão sem uma máquina por trás. O resultado foi positivo: surgiram várias turnês internacionais no caminho do trio. E um tempinho depois do lançamento do disco, o clipe da nova Você sabe venceu em três categorias do Video Music Brasil 2005.
Muita coisa mudou na história dos Autoramas. A começar pela formação da época do disco, que não existe mais. Simone saiu, entraram (pela ordem) Selma Vieira e Flavia Couri em seu lugar, e depois Bacalhau deixou o grupo. Que hoje está com Gabriel, a esposa Erika Martins (voz, guitarra e moog), Jairo Fajersztajn (baixo) e Fabio Lima (bateria). Mas ficaram as histórias de Nada pode parar os autoramas, hoje contadas num documentário dirigido por Bruno Vouzella e Manoel Magalhães, e que está em cartaz (grátis) no festival In-Edit até domingo (20). Em vinte minutinhos, o filme (assista aqui) conta a história do disco, o entorno, o antes, durante e depois do álbum, com depoimentos dos três integrantes da banda à época (e com um depoimento humilde deste jornalista aqui 🙂 ).
Batemos um papo com Manoel Magalhães, um dos diretores do filme (e também músico, cantor e compositor) e ele nos disse que vem mais aí: a ideia é fazer uma série sobre música independente.
POP FANTASMA: Com relação ao disco Nada pode parar os Autoramas, eu não tinha a menor ideia de que rolava aquilo que o Gabriel comentou no filme, que as pessoas meio que escarneciam da banda quando saiu o disco, zoavam: ‘Ah, agora vocês são banda independente’… Você tinha ideia disso?
MANOEL MAGALHÃES: Não tinha ideia. Eu sabia que tinha sido algo complicado, mas não sabia que havia uma reação das pessoas a isso. Pelo que o Gabriel fala, muita gente falou mal da banda quando eles voltaram para a independência, comemorando como se fosse uma derrota. Já era algo que, pelo que eu me lembro, vinha desde o Little Quail (banda antiga do Gabriel), porque no documentário Sem dentes (de Ricardo Alexandre, sobre o selo Banguela) ele chega a falar isso, de que havia uma expectativa de que a banda desse super certo. “Ah, Raimundos deu certo e a gente não, o que eu posso fazer?”, ele diz. E no começo do Autoramas havia uma expectativa, porque era tido como uma superbanda: o Gabriel do Little Quail, o Bacalhau do Planet Hemp, a Simone do Dash. Se for pegar na imprensa da época, havia muita coisa nesse sentido.
A banda saiu na época de Anna Júlia, do Los Hermanos, e muita gente esperava que eles estourassem igual a eles, não? Tinha essa expectativa de que a banda fosse dar muito certo. Hoje é uma época muito diferente, difícil pensar com a cabeça da época, mas muita gente pensava assim. E muita gente se afastou, porque teve o oba-oba do sucesso. O Gabriel até fala no filme que conseguiu separar quem estava junto dele porque gostava da música e quem estava lá pelo oba oba. O que aconteceu foi quase um milagre, porque eles estavam dentro de uma gravadora grande e imaginaram que fosse haver uma virada
A banda tinha noção de que era algo que precisava ser comentado? O Gabriel tinha certa resistência de voltar numa coisa passada, porque era outro momento da banda, outra formação, mas tinha necessidade de falar sobre isso. Se eu fosse usar só a entrevista do Gabriel, já teria o filme todo, porque ele lembrava de tudo com riqueza de detalhes. Foi quase uma terapia. E uma coisa boa do Gabriel é que ele sempre que estar no presente, quer fazer o Autoramas ficar cada vez mais forte. Ele é um guerreiro.
Autoramas já existe há mais de vinte anos. É bastante tempo e talvez as pessoas nem se deem conta, não é? Sim, a banda nunca foi um grande sucesso mas virou um clássico. Eu estou sentindo muito isso agora, com o filme. As pessoas têm um carinho enorme pela banda. É muito doido, porque a gente escolhe um personagem, sente algo afetivo em relação a ele, mas quando sai o filme você vê o quanto as pessoas gostam. Tem uma coisa afetiva com Autoramas que poucas bandas que a gente acompanhou nos últimos 30 anos têm.
A banda deixa algum legado? Deixa. O Gabriel sempre teve muita fé no que ele estava fazendo, independentemente dos momentos, das modas. No ambiente independente tem o fato de as pessoas tentarem abraçar o que está vindo. “Ah, a onda agora é folk pop, tipo o do Rubel”, e a pessoa segue naquele caminho. O Gabriel sempre foi focado no que era o som dele, no que eram os Autoramas. Passou uma moda aqui, outra ali e ele sempre fazendo aquele tipo de som. E, principalmente, sempre tentando viabilizar aquilo de forma comercial, que pudesse ser sustentável. Eles começaram a viajar pelo mundo nessa época, em 2002 eles já estavam viajando pelo Japão. Tem até imagens disso no filme. E já tinham uma ideia de como se bancar nessa viagem. Não era um “ah, vamos ficar ricos”, mas já tinha um negócio ali. Hoje eu vejo muita gente enganando o artista independente, querendo vender uma ideia de que você pode fazer muitas coisas para ganhar muita grana. Mas Gabriel sempre pensou em tornar o negócio pelo menos sustentável, ter viabilidade econômica. Poucas bandas conseguem ficar vinte anos conseguindo se sustentar sem ter grande exposição na mídia, sem aparecer toda hora na Globo. E hoje são 48 turnês internacionais.
E pelo que eu me recordo, o filme dos Autoramas faria parte de uma série sobre música independente, certo? Em que pé ficou isso? Estamos lançando o filme com essa intenção. Fizemos esse projeto e o Autoramas seria o piloto. A ideia era contar a história da música independente, desde o Antonio Adolfo (com o LP Feito em casa, de 1977), passando pela galera da internet. Seriam treze episódios, cada um baseado num disco que fez essa história avançar. Já tínhamos assinado contrato com a Music Box para realizar isso, mas depois a Ancine, que vinha financiando muitos filmes pelo Fundo Setorial do Audiovisual, parou no final do governo Temer. E depois veio Bolsonaro, então desde 2018 que não tem financiamento de projeto nenhum. Pensamos: vamos ficar três, quatro anos parados com isso? Daí tivemos a ideia de lançar o filme e ver se conseguimos viabilizar de outra forma.
Cinema
Urgente!: Cinema pop – “Onda nova” de volta, Milton na telona

Por muito tempo, Onda nova (1983), filme dirigido por Ícaro Martins e José Antonio Garcia – e censurado pelo governo militar –, foi jogado no balaio das pornochanchadas e produções de sacanagem.
Fácil entender o motivo: recheado de cenas de sexo e nudez, o longa funciona como uma espécie de Malhação Múltipla Escolha subversivo, acompanhando o dia a dia de uma turma jovem e nada comportada – o Gayvotas Futebol Clube, time de futebol formado só por garotas, e que promovia eventos bem avançadinhos, como o jogo entre mulheres e homens vestidos de mulher. Por acaso, Onda nova foi financiado por uma produtora da Boca do Lixo (meca da pornochanchada paulistana) e acabou atropelado pela nova onda (sem trocadilho) de filmes extremamente explícitos.
O elenco é um espetáculo à parte. Além de Carla Camuratti, Tânia Alves, Vera Zimmermann e Regina Casé, aparecem figuras como Osmar Santos, Casagrande e até Caetano Veloso – que protagoniza uma cena soft porn tão bizarra quanto hilária. Durante anos, o filme sobreviveu em sessões televisivas da madrugada, mas agora ressurge restaurado e remasterizado em 4K, estreando pela primeira vez no circuito comercial brasileiro nesta quinta-feira (27).
Meu conselho? Esqueça tudo o que você já ouviu sobre Onda nova (ou qualquer lembrança de sessões anteriores). Entre de cabeça nessa comédia pop carregada de referências roqueiras da época, um cruzamento entre provocação punk e ressaca hippie. O filme abre com Carla Camuratti e Vera Zimmermann empunhando sprays de tinta para pixar os créditos, mostra Tânia Alves cantando na noite com visual sadomasoquista, segue com momentos dignos de um musical glam – cortesia da cantora Cida Moreyra, que brilha em várias cenas – e trata com surpreendente modernidade temas como maconha, cultura queer, relacionamentos sáficos, mulheres no poder, amores fluidos e, claro, futebol feminino.
Se fosse um disco, Onda nova seria daqueles para ouvir no volume máximo, prestando atenção em cada detalhe e referência. A trilha sonora passeia entre o boogie oitentista e o synthpop, com faixas de Michael Jackson e Rita Lee brotando em alguns momentos. E o que já era provocação nos anos 1980 agora ressurge como registro de uma juventude que chutava o balde sem medo. Vá assistir correndo.
*****
Já Milton Bituca Nascimento, de Flavia Moraes, que estreou na última semana, segue outro caminho: o da reverência, mesmo que seja um filme documental. Durante dois anos, Flavia seguiu Milton de perto e produziu um retrato que, mais do que um relato biográfico, é uma celebração. E uma hagiografia, aquela coisa das produções que parecem falar de santos encarnados.
A narração de Fernanda Montenegro dá um tom solene – e, enfim, logo no começo, fica a impressão de um enorme comercial narrado por ela, como os daquele famoso banco que não patrocina o Pop Fantasma. Aos poucos, vemos cenas da última turnê, reações de fãs, amigos contando histórias. Marcio Borges lê matérias do New York Times sobre Milton, para ele. Wagner Tiso chora. Quincy Jones sorri ao falar dele. Mano Brown solta uma pérola: Milton o ensinou a escutar. E Chico Buarque assiste ao famigerado momento do programa Chico & Caetano em que se emociona ao vê-lo cantar O que será – um vídeo que virou meme recentemente.
Isso tudo é bastante emocionante, assim como as cenas em que a letra da canção Morro velho é recitada por Djavan, Criolo e Mano Brown – reforçando a carga revolucionária da música, que usava a imagem das antigas fazendas mineiras para falar de racismo e capitalismo. Mas, no fim, o que fica de Milton Bituca Nascimento é a certeza de que Milton precisava ser menos mitificado e mais contado em detalhes. Vale ver, e a música dele é mito por si só, mas a sensação é a de que faltou algo.
Por acaso, recentemente, Luiz Melodia – No coração do Brasil, de Alessandra Dorgan, investiu fundo em imagens raras do cantor, em que a história é contada através da música, sem nenhum detalhe do tipo “quem produziu o disco tal”. Mas o homem Luiz Melodia está ali, exposto em entrevistas, músicas, escolhas pessoais e atitudes no palco e fora dele. Quem não viu, veja correndo – caso ainda esteja em cartaz.
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Cinema
Urgente!: Filme “Máquina do tempo” leva a música de Bowie e Dylan para a Segunda Guerra

Descobertas de antigos rolos de filme, assim como cartas nunca enviadas e jamais lidas, costumam render bons filmes e livros — ou, pelo menos, são um ótimo ponto de partida. É essa premissa que guia Máquina do tempo (Lola, no título original), estreia do irlandês Andrew Legge na direção. A ficção científica, ambientada em 1941, acompanha as irmãs órfãs Martha (Stefanie Martini) e Thomasina (Emma Appleton), e chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (13), dois anos após sua realização.
As duas criam uma máquina do tempo — a Lola do título original, batizada em homenagem à mãe — capaz de interceptar imagens do futuro. O material que elas conseguem captar é todo registrado em 16mm por uma câmera Bolex, dando origem aos tais rolos de filme.
E, bom, rolo mesmo (no sentido mais problemático da palavra) começa quando o exército britânico, em plena Segunda Guerra Mundial, descobre a invenção e passa a usá-la contra as tropas alemãs. A princípio, a estratégia funciona, mas logo começa a sair do controle. As manipulações temporais geram consequências inesperadas, enquanto as personalidades das irmãs vão se revelando e causando conflitos.
Com apenas 80 minutos de duração e filmado em 16 mm (com lentes originais dos anos 1930!), Máquina do tempo pode soar confuso em algumas passagens. Não apenas pelas idas e vindas temporais, mas também pelo visual em preto e branco, valorizando sombras e vozes que quase se tornam personagens da história. Em alguns momentos, é um filme que exige atenção.
O longa também tem apelo para quem gosta de cruzar cultura pop com história. Martha e Thomasina ficam fascinadas ao ver David Bowie cantando Space oddity (o clipe brota na máquina delas), tornam-se fãs de Bob Dylan, adiantam a subcultura mod em alguns anos (visualmente, inclusive) e coadjuvam um arranjo de big band para o futuro hit You really got me, dos Kinks, que elas também conseguem “ouvir” na máquina. Um detalhe curioso: a própria Emma Appleton operou a câmera em cenas em que sua personagem Thomasina se filma (“para deixar as linhas dos olhos perfeitas”, segundo revelou o diretor ao site Hotpress).
Ainda que a cultura pop esteja presente, Máquina do tempo é, acima de tudo, um exercício de futurologia convincente, explorando uma futura escalada do fascismo na Inglaterra — que, no filme, chega até mesmo à música, com a criação de um popstar fascista.
A ideia faz sentido e nem é muito distante do que aconteceu de verdade: punks e pré-punks usavam suásticas para chocar os outros, Adolf Hitler quase figurou na capa de Sgt. Pepper’s, dos Beatles, Mick Jagger não se importou de ser fotografado pela “cineasta de Hitler” Leni Riefenstahl, artistas como Lou Reed e Iggy Pop registraram observações racistas em suas letras, e o próprio Bowie teve um flerte pra lá de mal explicado com a estética nazista. Mas o que rola em Máquina do tempo é bem na linha do “se vocês soubessem o que vai acontecer, ficariam enojados”. Pode se preparar.
Cinema
Ouvimos: Lady Gaga, “Harlequin”

- Harlequin é um disco de “pop vintage”, voltado para peças musicais antigas ligadas ao jazz, lançado por Lady Gaga. É um disco que serve como complemento ao filme Coringa: Loucura a dois, no qual ela interpreta a personagem Harley Quinn.
- Para a cantora, fazer o disco foi um sinal de que ela não havia terminado seu relacionamento com a personagem. “Quando terminamos o filme, eu não tinha terminado com ela. Porque eu não terminei com ela, eu fiz Harlequin”, disse. Por acaso, é o primeiro disco ligado ao jazz feito por ela sem a presença do cantor Tony Bennett (1926-2023), mas ela afirmou que o sentiu próximo durante toda a gravação.
Lady Gaga é o nome recente da música pop que conseguiu mais pontos na prova para “artista completo” (aquela coisa do dança, canta, compõe, sapateia, atua etc). E ainda fez isso mostrando para todo mundo que realmente sabe cantar, já que sua concepção de jazz, voltada para a magia das big bands, rendeu discos com Tony Bennett, vários shows, uma temporada em Las Vegas. Nos últimos tempos, ainda que Chromatica, seu último disco pop (2020) tenha rendido hits, quem não é 100% seguidor de Gaga tem tido até mais encontros com esse lado “adulto” da cantora.
A Gaga de Harlequin é a Stefani Joanne Germanotta (nome verdadeiro dela, você deve saber) que estudou piano e atuação na adolescência. E a cantora preparada para agradar ouvintes de jazz interessados em grandes canções, e que dispensam misturas com outros estilos. Uma turminha bem específica e, vá lá, potencialmente mais velha que a turma que é fã de hits como Poker face, ou das saladas rítmicas e sonoras que o jazz tem se tornado nos últimos anos.
O disco funciona como um complemento a ao filme Coringa: Loucura a dois da mesma forma que I’m breathless, álbum de Madonna de 1990, complementava o filme Dick Tracy. Mas é incrível que com sua aventura jazzística, Gaga soe com mais cara de “tá vendo? Mais um território conquistado!” do que acontecia no caso de Madonna.
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O repertório de Harlequin, mesmo extremamente bem cantado, soa mais como um souvenir do filme do que como um álbum original de Gaga, já que boa parte do repertório é de covers, e não necessariamente de músicas pouco conhecidas: Smile, Happy, World on a string, (They long to be) Close to you e If my friends could see me now já foram mais do que regravadas ao longo de vários anos e estão lá.
De inéditas, tem Folie à deux e Happy mistake, que inacreditavelmente soam como covers diante do restante. Vale dizer que Gaga e seu arranjador Michael Polansky deram uma de Carlos Imperial e ganharam créditos de co-autores pelo retrabalho em quatro das treze faixas – até mesmo no tradicional When the saints go marching in.
Michael Cragg, no periódico The Guardian, foi bem mais maldoso com o álbum do que ele merece, dizendo que “há um cheiro forte de banda de big band do The X Factor que é difícil mudar”. Mas é por aí. Tá longe de ser um disco ruim, mas ao mesmo tempo é mais uma brincadeirinha feita por uma cantora profissional do que um caminho a ser seguido.
Nota: 7
Gravadora: Interscope.
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