Crítica
Ouvimos: Miragem, “Muitos caminhos prum lindo delírio”

- Muitos caminhos prum lindo delírio é o álbum de estreia da banda paulistana Miragem, formada por Camilla Loureiro (guitarra, sintetizadores, voz), Rafael Biondo (baixo), Gustavo Esparça (guitarra), Lucas Soares (bateria).
- Num papo com o site Trabalho Sujo, do jornalista Alexandre Matias, Camilla explica que o disco começou a ser concebido há quatro anos, “quando inventei de compor músicas com letras e harmonias mais complexas”. O álbum foi gravado de forma totalmente caseira. Todas as músicas foram gravadas por nós dois em uma garagem de 3×4 metros, usando uma interface de dois canais e fé”, diz.
- As ilustrações, design e animação do clipe da faixa-título foram todos criados por Camilla.
Se você já fez sua lista de melhores de 2024 e não incluiu o álbum do Miragem… Olha, considere rever a sua lista. Não dá para não prestar atenção numa banda que consegue se envolver simultaneamente com música brasileira dos anos 1970, psicodelia, rock progressivo, pós-punk e guitar rock noventista. Tudo bastante unificado musicalmente.
A banda liderada por Camilla Loureiro soa muitas vezes como se a música do Miragem viesse realmente de um sonho – em faixas como a psicodélica e estradeira Apelo, fechada com microfonias e distorções, ou Expectativa, um paredão de som e uma massa bruta de guitarra e baixo que consegue não soar próxima do shoegaze. Ócio, com ar voador dado por guitarras e teclados, coloca o Miragem na fileira dos discípulos de Kevin Ayers, e fala sobre burnout (“eu preciso de ócio/minha cabeça não deixa, não/ela impõe essa obrigação de trabalhar”). Turbilhão é som acústico lembrando Secos & Molhados e Luli & Lucina, além de referências atuais como Weyes Blood.
Entre as outras curiosidades de Muitos caminhos prum lindo delírio, o tom floydiano e simultaneamente pós-punk de Eterna distração, a ponte anos 1960-1980 de Desvio colorido, e uma curiosa ponte entre Pink Floyd, Vanessa Carlton e Queen na imagética e pop Não aguento mais sonhar com você – por acaso, Tão tão distante parece uma homenagem a Sheer heart attack, punk pauleira da banda de Brian May e Freddie Mercury. A faixa-título dá vontade de conferir ao vivo: abre com ruídos, tom sombrio, e algo parecido com o começo do Soft Machine – até desembocar numa parede de barulho.
Com letras incríveis e cheias de abstrações, imagens e referências a sonhos, o Miragem vai além do horizonte na última faixa do disco, Nada é urgente, um curioso e poderoso synth pop com letra lembrando Rita Lee – aliás, lembrando bem mais a Rita Lee dos anos 1980 do que a dos Mutantes (“eu queria que amanhã fosse domingo de novo/a festa é um compromisso, somos bons nesse serviço/e na trilha pro sucesso, o melhor é o caminho”). Um disco gigante na reta final de 2024.
Nota: 10
Gravadora: Independente.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
Crítica
Ouvimos: Skunk Anansie – “The painful truth”

RESENHA: Skunk Anansie encara o caos, o etarismo e a dor em The painful truth, disco intenso que mistura punk, grunge, no wave e neo soul.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
“Uma artista é uma artista / e ela não para de ser uma artista / porque ela é velha, sabe? / ela não arregaça as mangas / pega seu porta-retratos e vai embora / larga a caneta e coloca o chapéu / por causa da menopausa (…) / uma artista é uma artista / até que a morte nos faça partir”.
Poucas letras atuais falam mais profundamente a respeito de questões vitais no dia a dia do showbusiness (etarismo, machismo, expectativas da crítica, do mercado e do público) do que An artist is an artist, punk-rap que abre The painful truth, disco novo do Skunk Anansie, destacando os vocais ágeis e carismáticos da vocalista Skin. Trata-se de uma banda britânica dos anos 1990, com som mais associável ao pós-grunge e ao metal alternativo, que sempre foi meio desgarrada em relação a seus pares britânicos – volta e meia era incluída num saco de gatos chamado britrock, em oposição à turma mais viável comercialmente do britpop.
Leia também:
- No nosso podcast, Oasis da pré-história ao começo da oasismania.
- Blur entre 1993 e 1997 na volta do nosso podcast.
- Ouvimos: Blur – Live at Wembley Stadium.
- O som de 1994: descubra agora!
Lançado após tempos difíceis nas internas do grupo (o baterista Mark Richardson recupera-se de um câncer. e o baixista Richard “Cass” Lewis está em quimioterapia), The painful truth, sétimo álbum do Skunk Anansie, traz a banda encarando na maior parte do tempo questões de vida ou morte. O repertório fala de autocontrole (This is not your life), dores pessoais (Shame, dos versos dolorosos “eu recebi o amor da minha mãe / eu recebi a dor do meu pai / eu recebi a culpa do meu irmão”), caos pessoal (Lost and found), altos e baixos (My greatest moment) e desespero (Meltdown, dos versos “agora que tudo se resume / a quem você reza e quão alto”).
Musicalmente, é um disco que reúne partículas de no wave, grunge e até neo soul, dependendo do momento. This is now your life soa como um Depeche Mode afrotecnopunk, Shame invade a pequena área do nu metal, Cheers insere peso no punk pop e até toques de dub invadem Shoulda been you – uma mistura com a qual os fãs do grupo já estão acostumados. O rock eletrônico sombrio dá conta de Animal e até mesmo algo próximo dos climas robóticos do krautrock surge misturado em alguns momentos do álbum.
Ainda que não seja um álbum brilhante como Stoosh (o segundo, de 1995), A painful truth é um atestado de sobrevivência. E um disco que, mesmo falando alto, é cercado de silêncios nos arranjos e nos vocais.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: FLG
Lançamento: 23 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: akaStefani e Elvi – “Acabou a humanidade”

RESENHA: akaStefani e Elvi misturam funk, krautrock, screamo e eletrônica em um disco caótico e divertido sobre o fim do mundo e o absurdo do cotidiano.
- Apoie a gente em apoia.se/popfantasma e mantenha nossos projetos e realizações sempre de pé, diários e saudáveis!
O pessoal ligado à banda Duo Chipa não consegue ficar sem produzir coisas. akaStefani é Audria Lucas, integrante e produtora do grupo, e em Acabou a humanidade, ela se une a Elvi, produtor e músico de Santo André (SP), para fazer um som que, nos momentos mais calmos, parece uma mistura insana de funk, screamo, Faust e Kraftwerk. Já a ficha técnica entrega elementos de Ciccone Youth (projeto pop-anti-pop do Sonic Youth, que gravou um disco em 1988) e de Mutantes em meio aos ruídos, vocais e sons eletrônicos.
Faixas como Paga meu salário (“chefe arrombado / paga meu salário”) e Roda punk, repleta de barulhos e loops, têm ar de música infantil destruidora, enquanto Maquiagem, com voz distorcida e zoada, unem rock experimental e batidão de funk. A zoeira volta numa espécie de paródia da ítalo house, Cupido arrombado (“flechou o lugar errado!”) e na house music texturizada de Porque eu tento.
No final, loucura na versão videogame de Panis et circenses, com sample do original dos Mutantes (Pani no circo), e na brilhante Sortudos no fim do mundo, que lembra uma vinheta de rádio, ou uma cantiga de roda pervertida, com versos como “nós somos sortudos / vamos ver o fim do mundo / acabou a humanidade / virus, bomba e armamento / pandemia é só o começo do fim”. Você acaba rindo, nem que seja de nervoso.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 30 de maio de 2025
Leia também:
- Ouvimos: Duo Chipa – Lugar distante
- Ouvimos: Doce Creolina – Debaixo do chapéu de um cogumelo (EP)
- Ouvimos: Monte Resina – Nem era
Crítica
Ouvimos: Chime Oblivion – “Chime Oblivion”

RESENHA: Chime Oblivion estreia com supergrupo punk-experimental que mistura pós-punk, no wave, funk torto e maluquices à la Devo e Stooges.
Uma grande surpresa: o Chime Oblivion parece ter surgido do nada, soa como mais uma banda de moleques de 20 anos fanáticos por pós-punk e garage rock, mas é bem mais que isso. Trata-se de um supergrupo iniciado por dois veteranos, David Barbarossa (Adam & The Ants/Bow Wow Wow) e John Dwyer (Osees, The Oh Sees e outras nomenclaturas).
É também um grupo de três guitarras – Barbarossa, Dwyer e Weasel Walter, este dos barulhentos Flying Luttenbachers – que inclui ainda um sujeito tocando marimba (Tom Dolas, também do Osees), um saxofonista em clima free jazz punk (Brad Caulkins, da banda Bent Arcana) e vocais femininos charmosos e zoeiros em vibe punk (HL Nelly, do Naked Lights). Só gente acostumada com experimentações e maluquices de estúdio.
Leia também:
- Ouvimos: Osees – Sorcs 80
- Oh Sees lançam caixa com discos em fita de 8 pistas (!!)
- Ouvimos: Artificial Go – Musical chairs
No primeiro álbum, essa turma tem como principais emanações pós-punk na onda do Gang Of Four, punk a la Buzzcocks e no-wave. Entre vinhetas quase inaudíveis feitas com um sintetizador, evocam também X Ray Spex e Slits em Neighborhood dog, fazem pós-disco-rap-punk cru e ríspido (Kiss her or be her), pré-punk percussivo (The fiend, com um curioso batidão lembrando Nação Zumbi na abertura), funk torto (Heated horses), levam o idioma da no wave para os anos 1960 (The uninvited guest). Por aí.
Somando 15 faixas em menos de meia hora, o Chime Oblivion vai se tornando mais próximo de um pré-punk formal (formal?) conforme as faixas se sucedem – cabendo perversões via Devo e Stooges da batida de Bo Diddley em And again e The mythomaniac, punk garageiro e anfetamínico em Smoke ring e I’m not a mirror e sons tribais em Grass, Cold pulse e The catalogue – esta, depois, ganha cara dub. Uma música tão confortável que quase não parece ter sido feita para tirar o rock do conforto – mas foi, sim.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Deathgod Corp
Lançamento: 18 de abril de 2025.
-
Cultura Pop5 anos ago
Lendas urbanas históricas 8: Setealém
-
Cultura Pop5 anos ago
Lendas urbanas históricas 2: Teletubbies
-
Notícias7 anos ago
Saiba como foi a Feira da Foda, em Portugal
-
Cinema7 anos ago
Will Reeve: o filho de Christopher Reeve é o super-herói de muita gente
-
Videos7 anos ago
Um médico tá ensinando como rejuvenescer dez anos
-
Cultura Pop8 anos ago
Barra pesada: treze fatos sobre Sid Vicious
-
Cultura Pop6 anos ago
Aquela vez em que Wagner Montes sofreu um acidente de triciclo e ganhou homenagem
-
Cultura Pop7 anos ago
Fórum da Ele Ela: afinal aquilo era verdade ou mentira?