Cultura Pop
E rolou aniversário de Hunky Dory, de David Bowie

Quarto disco de David Bowie, Hunky dory (lançado em 17 de dezembro de 1971) foi, para muita gente, o primeiro álbum do cantor. Space oddity, compactinho de 1969, fez sucesso, mas o próprio Bowie admitia que era cobrado por um prosseguimento da canção, “como se eu fosse um especialista em viagens espaciais”. David Bowie (1969), o disco dessa música, passou quase em branco. The man who sold the world, o terceiro álbum (1971), ficou marcado por uma viagem fracassada aos Estados Unidos e só serviu para exibir a pequenez do artista, dentro de um universo que ganhava uma nova sacudida a cada minuto.
O livro David Bowie e os anos 1970: O homem que vendeu o mundo, de Peter Doggett, diz que lá por 1971, Bowie era um artista sem público e sem gravadora. Mas finalmente tinha aprendido o mais importante: precisava ser a encarnação do seu público (ou seja: alguém com os mesmos medos e desejos deles). Também aprendera que deveria investir cada vez mais numa persona misteriosa e andrógina, mais à vontade no papel do que na foto de capa de The man who sold the world (onde Bowie, com semblante sério, usava uma túnica que chamou de “vestido de homem”).
O empresário de Bowie, o espertalhão Tony Defries, tinha livrado o cantor de suas obrigações com a gravadora Mercury. Antes disso, o cantor fizera algumas demos com uma banda chamada Runk, que virou seu primeiro “projeto” maluco, o Arnold Corns (sobre o qual você já leu no POP FANTASMA). As gravações já adiantavam material que estaria em Hunky dory e The rise and fall of Ziggy Stardust and The Spiders From Mars (1972). A própria Mercury, muito tardiamente, chegou a mudar de ideia sobre a saída de Bowie e quis esticar sua permanência no selo. Defries, que via Bowie simultaneamente como o novo Elvis Presley, o novo Beatles e o novo Marlon Brando, foi inflexível: disse que seu cliente não gravaria mais nada para eles, e marcou reuniões com outras grandes gravadoras.
Hunky dory, o disco que pôs Bowie definitivamente na história do rock, começou a ser feito como um projeto independente, entre ensaios na mansão em que o cantor morava, Haddon Hall, e o início das gravações, no Trident Studios, em Londres. Tony Visconti, que produzira os dois discos anteriores, estava afastado após desentendimentos com o cantor. Ken Scott produziu o disco. Acompanhando Bowie, o grupo que depois viraria os Spiders From Mars: Mick Woodmansey (bateria), Trevor Bolder (baixo) e o inigualável Mick Ronson (guitarra e arranjos de cordas), além de Rick Wakeman (piano).
Bowie entrou para a RCA com um contrato um tanto humilde, mas o que importava é que ele foi a Nova York assinar, e lá encontrou Andy Warhol (personagem de uma canção do disco novo), Lou Reed e Iggy Pop. E Hunky dory surgia como um disco preparado para fazer a crônica daqueles novos tempos, para cantar a passagem de bastão do hippismo para outra coisa (o glam rock, o pré-punk), para sonorizar os descaminhos da “caixa baixa” da turma que anteriormente circulava em torno de Warhol.
O som do álbum, curiosamente, parecia mais apropriado a uma leitura de peça ou a um café-teatro. Eram vários temas baseados no piano (morando numa mansão, Bowie finalmente havia conseguido espaço em casa para ter um), que lembravam mais um show dado para poucas pessoas do que um concerto para milhões. E o novo repertório surgia impactado pela viagem aos EUA, em 1971.
Changes, a faixa de abertura, falava sobre mudanças físicas, existenciais e psicológicas – o verso “vire-se e encare o estranho” era a cara daqueles tempos e anunciava Bowie. Oh, you pretty things podia ser encarada como o hino de uma nova geração, ou a quebra total de padrões (“todos os estranhos vieram aqui hoje, e parece que vieram para ficar”). Assim começava o disco.
Já Life on Mars?, principal música do álbum, era um tema de fim de sonho: a letra narrava o dia a dia de uma menina com penteado punk (um “cabelo de rato”, antes de “punk” indicar um movimento) que sofria com a incompreensão dos pais e com o afastamento dos amigos. E que assistia a um filme ruim que misturava a decadência dos EUA, da Inglaterra, do rock, das fantasias infantis (curiosamente, o cineasta maldito Kenneth Anger também enxergava decadência em Mickey Mouse, assim como Bowie na canção). A melodia era inspirada pela regravação que Frank Sinatra fizera de My way – e Bowie fez questão de incluir um abusado “inspirado por Frankie” na contracapa, forçando uma intimidade que obviamente ele não tinha com o cantor.
Andy Warhol, a homenagem ao esteta pop, deixou Warhol se sentindo mais sacaneado do que homenageado. O artista declarou ter se ofendido com o verso “Warhol parece uma aberração” e disse detestar observações a respeito de sua aparência (bom, anos depois Bowie declarou que o amigo “parecia um morto-vivo”). A folk Song for Bob Dylan era uma curiosidade: numa época em que Dylan ganhava fama de “traidor do movimento” por não comentar a respeito da Guerra do Vietnã, e rolava até uma bizarra “Frente pela Libertação de Dylan” criada por fãs descontentes, Bowie tinha esperanças de que o cantor de Blowin’ in the wind guiasse a nova geração. Nada demais, mas era o criador do Major Tom aprendendo que a experiência com personagens da vida real dava mais repercussão. Ainda mais numa época em que guias eram mais do que necessários.
O hard rock Queen bitch sempre foi tido como uma homenagem a Lou Reed – embora a letra não pareça descrever o ex-cantor do Velvet Underground. Na prática, era uma celebração do estilo de vida glam. Por fim, cada lado do disco era fechado por canções sérias e repletas de simbolismos. Quicksand foi definida por Doggett como “uma canção para o próprio Bowie, e para seu inconsciente”, misturando várias referências e personagens que ele tentava assumir – e que, mais do que tudo, representavam o caos da época, a legião de desajustados para quem Hunky dory tinha sido feito, o fim das certezas dos anos 1960.
Bewlay brothers, por sua vez, era um mistério. Era definida por Bowie como “uma canção muito pessoal” e geralmente interpretada como um último recado sobre sua relação com o irmão Terry, que sofria de esquizofrenia. O final, com voz distorcida e melodia quase infantil, era um dos raros momentos de tensão no disco. Por acaso, Bowie voltaria às cantigas aterrorizantes no final de Ashes to ashes, seu testamento dos anos 1970 (na hora do verso “é melhor você não se meter com o Major Tom”).
Dificilmente alguém que ouviu Hunky dory conseguiu captar a mensagem logo na primeira audição. O mais provável é que a pessoa tenha relido as letras (ou traduzido as letras, se for o caso), e tenha escutado duas, três vezes. Até que ficasse claro que o grande personagem do disco somos nós mesmos, nossa insegurança, nosso assombro diante das mudanças, nosso pedido de socorro diante da complexidade das coisas. E nosso entendimento de que o mundo, como era antes, mudou. E que é preciso colocar outra coisa no lugar. Mas que outra coisa seria essa?
Cultura Pop
No nosso podcast, Alanis Morissette da pré-história a “Jagged little pill”

Você pensava que o Pop Fantasma Documento, nosso podcast, não ia mais voltar? Olha ele aqui de novo, por três edições especiais no fim de 2025 – e ano que vem estamos de volta de vez. No segundo e penúltimo episódio desse ano, o papo é um dos maiores sucessos dos anos 1990. Sucesso, aliás, é pouco: há uns 30 anos, pra onde quer que você fosse, jamais escaparia de Alanis Morissette e do seu extremamente popular terceiro disco, Jagged little pill (1995).
Peraí, “terceiro” disco? Sim, porque Jagged era só o segundo ato da carreira de Alanis Morissette. E ainda havia uma pré-história dela, em seu país de origem, o Canadá – em que ela fazia um som beeeem diferente do que a consagrou. Bora conferir essa história?
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch (foto: Capa de Jagged little pill). Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.
Ouça a gente preferencialmente no Castbox. Mas estamos também no Mixcloud, no Deezer e no Spotify.
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Cultura Pop
No nosso podcast, Radiohead do começo até “OK computer”

Você pensava que o Pop Fantasma Documento, nosso podcast, não ia mais voltar? Olha ele aqui de novo, por três edições especiais no fim de 2025 – e ano que vem estamos de volta de vez. Para abrir essa pequena série, escolhemos falar de uma banda que definiu muita coisa nos anos 1990 – aliás, pra uma turma enorme, uma banda que definiu tudo na década. Enfim, de técnicas de gravação a relacionamento com o mercado, nada foi o mesmo depois que o Radiohead apareceu.
E hoje a gente recorda tudo que andava rolando pelo caminho de Thom Yorke, Jonny Greenwood, Colin Greenwood, Ed O’Brien e Phil Selway, do comecinho do Radiohead até a era do definidor terceiro disco do quinteto, OK computer (1997).
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch (foto: reprodução internet). Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.
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4 discos
4 discos: Ace Frehley

Dizem por aí que muita gente só vai recordar de Gene Simmons e Paul Stanley, os chefões do Kiss, quando o assunto for negócios e empreendedorismo no rock – ao contrário das recordações musicais trazidas pelo nome de Ace Frehley, primeiro guitarrista do grupo, morto no dia 16 de outubro, aos 74 anos.
Maldade com os criadores de uma das maiores bandas de rock de todos os tempos, claro – mas quando Frehley deixou o grupo em 1982, muita coisa morreu no quarteto mascarado. Paul Daniel Frehley, nome verdadeiro do cara, podia não ser o melhor guitarrista do mundo – mas conseguia ser um dos campeões no mesmo jogo de nomes como Bill Nelson (Be Bop De Luxe), Brian May (Queen) e Mick Ronson (David Bowie). Ou seja: guitarra agressiva e melódica, solos mágicos e sonoridade quase voadora, tão própria do rock pesado quanto da era do glam rock.
Ace não foi apenas o melhor guitarrista da história do Kiss: levando em conta que o grupo de Gene e Paul sempre foi uma empresa muito bem sucedida, o “spaceman” (figura pela qual se tornou conhecido no grupo) sempre foi um funcionário bastante útil, que lutou para se sentir prestigiado em seu trabalho, e que abandonou a banda quando viu suas funções sendo cada vez mais congeladas lá dentro. Deixou pra trás um contrato milionário e levou adiante uma carreira ligada ao hard rock e a uma “onda metaleira” voltada para o começo do heavy metal, com peso obedecendo à melodia, e não o contrário.
Como fazia tempo que não rolava um 4 Discos aqui no Pop Fantasma, agora vai rolar: se for começar por quatro álbuns de Ace, comece por esses quatro.
Texto: Ricardo Schott – Foto: Reprodução
“KISS: ACE FREHLEY” (Casablanca, 1978). Brigas dentro do Kiss fizeram com que Gene, Paul, Ace e o baterista Peter Criss lançassem discos solo padronizados em 1978 – adaptando uma ideia que o trio folk Peter, Paul and Mary havia tido em 1971, quando saíram álbuns solo dos três cujas capas e logotipos faziam referência ao grupo. Ace lembra de ter ouvido uma oferta disfarçada de provocação numa reunião do Kiss, quando ficou definido que cada integrante lançaria um disco solo: “Eles disseram: ‘Ah, Ace, a propósito, se precisar de ajuda com o seu disco, não hesite em nos ligar ‘. No fundo, eu dizia: ‘Não preciso da ajuda deles’”, contou.
Além de dizer um “que se foda” para os patrões, Ace conseguiu fazer o melhor disco da série – um total encontro entre hard rock e glam rock, destacando a mágica de sua guitarra em ótimas faixas autorais como Ozone e What’s on your mind? (essa, uma espécie de versão punk do som do próprio Kiss) além do instrumental Fractured mirror. Foi também o único disco dos quatro a estourar um hit: a regravação de New York Groove, composta por Russ Ballard e gravada originalmente em 1971 pela banda glam britânica Hello. Acompanhando Frehley, entre outros, o futuro batera da banda do programa de David Letterman, Anton Fig, que se tornaria seu parceiro também em…
“FREHLEY’S COMET” (Atlantic/Megaforce, 1987). Seguindo a onda de bandas-com-dono-guitarrista (como Richie Blackmore’s Rainbow e Yngwie Malmsteen’s Rising Force), lá vinha Frehley com seu próprio projeto, co-produzido por ele, pelo lendário técnico de som Eddie Kramer (Jimi Hendrix, Beatles, Led Zeppelin) e Jon Zazula (saudoso fundador da Megaforce). Frehley vinha acompanhado por Fig (bateria), John Regan (baixo, backing vocal) e Tod Howarth (guitarras, backing vocal e voz solo em três faixas).
O resultado se localizou entre o metal, o hard rock e o rock das antigas: Frehley escreveu músicas com o experiente Chip Taylor (Rock soldiers), com o ex-colega de Kiss Eric Carr (Breakout) e com John Regan (o instrumental Fractured too). Howarth contribuiu com Something moved (uma das faixas cantadas pelo guitarrista). Russ Ballard, autor de New York groove, reaparece com Into the night, gravada originalmente pelo autor em 1984 em um disco solo. Típico disco pesado dos anos 1980 feito para escutar no volume máximo.
“TROUBLE WALKING” (Atlantic/Megaforce, 1989). Na prática, Trouble walking foi o segundo disco solo de Ace, já que os dois anteriores saíram com a nomenclatura Frehley’s Comet. A formação era quase a mesma do primeiro álbum da banda de Frehley – a diferença era a presença de Richie Scarlet na guitarra. O som era bem mais repleto de recordações sonoras ligadas ao Kiss do que os álbuns do Comet, em músicas como Shot full of rock, 2 young 2 die e a faixa-título – além da versão de Do ya, do The Move. Peter Criss, baterista da primeira formação do Kiss, participava fazendo backing vocals. Três integrantes do então iniciante Skid Row (Sebastian Bach, Dave Sabo, Rachel Bolan), também.
“10.000 VOLTS” (MNRK, 2024). Acabou sendo o último álbum da vida de Frehley: 10.000 volts trouxe o ex-guitarrista do Kiss atuando até como “diretor criativo” e designer da capa. Ace compôs e produziu tudo ao lado de Steve Brown (Trixter), tocou guitarra em todas as faixas – ao lado de músicos como David Julian e o próprio Brown – e convocou o velho brother Anton Fig para tocar bateria em três faixas. A tradicional faixa instrumental do final era a bela Stratosphere, e o spaceman posou ao lado de extraterrestres no clipe da ótima Walkin’ on the moon. Discão.
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