Cultura Pop
De Beatles ao pós-punk: Fats Domino em dez releituras

De Antoine Dominique Domino Jr., o popular Fats Domino, pode-se dizer que passou de facão na mão pela estrada do rock quando tudo era mato. Morto nesta terça (24) aos 89 anos, o pianista e cantor americano, nascido em Nova Orleans – lugar que nunca deixou e do qual vinha se recusando a sair nas últimas décadas, nem que fosse para shows – foi o responsável por uma das primeiras canções a serem consideradas rock´n roll, The fat man, lançada em 1949.
Dono de um estilo bastante alegre, mais chegado ao r&b do que à rebeldia do rock (o que explica o fato de o nome dele aparecer pouco ao lado de pioneiros do estilo, como Elvis Presley e Chuck Berry), Fats resistiu a muita coisa. E nem estamos falando apenas do fato de ter escapado ileso do furacão Katrina, que destruiu sua casa e quase o matou, em 2005. Resistiu à forte segregação racial os anos 1950, quando canções suas passaram a ser ouvidas pelas plateias brancas. Várias de suas músicas foram gravadas quase em tempo real (na sequência de suas próprias gravações) por cantores pop como Pat Boone. Isso até poderia ter prejudicado seus discos, mas inúmeros originais de Fat chegaram no topo das paradas mesmo assim.
Fats também deu seu jeito para passar batido pelas injustiças do mercado musical. Ficou preso por contrato à sua primeira gravadora, Imperial, quando ela foi vendida para a Capitol. A troca de guarda geral no rock nos anos 1960, quando rolou a Invasão Inglesa, deixou Fats no limbo por um bom tempo, muito embora ele tenha sido redescoberto por vários artistas. Lady Madonna, dos Beatles, é uma homenagem ao som de Fats. E ele próprio, recontratado pela gravadora Reprise, acabaria gravando canções dos Beatles, como a própria Lady Madonna e Lovely Rita.
E abaixo você confere dez nomes do rock que regravaram músicas de Fats Domino – a influência dele chegou até o power pop e ao pós-punk.
JOHN LENNON – “AIN’T THAT A SHAME”. Primeira música que Lennon aprendeu a tocar na guitarra, tocada pelo próprio no disco Rock’n roll, de 1975. A versão original dessa música ficou em primeiro lugar nas paradas e virou símbolo da descoberta do r&b pela juventude branca, em épooca de alta segregação. Domino chegou a pensar em mudar o título da canção para um menos coloquial Isn’t that a shame?, mas a gravadora Imperial sugeriu que deixasse como estava.
https://www.youtube.com/watch?v=sqyUFF8O10U
CHEAP TRICK – “AIN’T THAT A SHAME”. O grupo norte-americano de power pop injetou peso na bela e animada canção de Domino. Saiu em 1978, no famigerado disco ao vivo da banda gravado no Japão, Live at Budokan. Chegou em 78º lugar numa votação de cem melhores covers do rock feita pelo New York Post.
https://www.youtube.com/watch?v=-C-jXJl0Zrg
TOM PETTY – “I’M WALKIN'”. Dizem que essa música foi feita por Fats Domino quando seu carro quebrou e, caminhando pela rua, um fã apontou para ele e disse: “Olha ali o Fats Domino, e ele está andando a pé!”. Foi gravada por Domino em 1957 e, quase ao mesmo tempo, por Ricky Nelson. A versão de Petty saiu num disco de tributo a Domino lançado há dez anos, Goin’ home: A tribute to Fats Domino.
DAVE BARTHOLOMEW – “I’M WALKIN'”. Lenda viva (com 96 anos!) do som de Nova Orleans e parceiro de Domino na canção – e em várias outras – Bartholomew fez sua versão de I’m walkin em 1967.
JAH WOBBLE – “BLUEBERRY HILL”. Não é uma canção composta por Domino – é um clássico dos anos 1940 que ele, em 1956, gravou e transformou em hit do rock. A história da releitura feita por Jah Wobble para seu primeiro disco solo, …In betrayal (1980), é bastante esquisita: recém-saído do Public Image Ltd, onde atuava como baterista e baixista, foi acusado pela banda de roubar trilhas de gravação do disco Metal box (1979) para seu disco solo. A versão de Blueberry foi inserida no meio do bolo.
PAUL McCARTNEY – “I’M GONNA BE A WHEEL SOMEDAY”. Um sucesso de Domino que não foi gravado primeiro por ele – saiu primeiro na voz de Bobby Mitchell & The Toppers, em 1957, e depois foi gravada por uma porrada de gente (o próprio Fats, claro, também fez seu registro). Paul fez sua versão no famigerado disco CHOBA B CCCP, gravado em 1988 para o mercado soviético.
THE ANIMALS – “I’M IN LOVE AGAIN”. A gravação original de Domino ficou sete semanas no topo da parada de r&b em 1956. Nos anos 1960 foi gravada por Ricky Nelson, Bill Haley & His Comets e pelos Animals, em seu primeiro disco.
https://www.youtube.com/watch?v=ki9vt5ZhQdE
LENNY KRAVITZ – “WHOLE LOTTA LOVING”. Composição de Domino e Batholomew feita em 1958, com uma letra quase tão safada quanto a de Whole lotta love, do Led Zeppelin, lançada doze anos depois. Outra do Goin’ home: A tribute to Fats Domino.
RICHARD HELL – “I LIVE MY LIFE”. Outra que Domino imortalizou mas não é dele – é do amigo e parceiro Bartholomew e de outra figura de Nova Orleans, o pianista Tommy Ridgley. A gravação de Fats saiu em 1954. O mestre punk Richard Hell fez sua releitura em 1984.
VLADIMIR PUTIN – “BLUEBERRY HILL”. Sim, teve isso. O primeiro ministro da Rússia participou em 2010 de um evento de caridade criado para ajudar crianças com câncer, repleto de estrelas, e cantou a música popularizada por Domino. Também deixou cair no piano. Foi a partir desse vídeo que alguém criou aquela famosa versão fake de Putin cantando Creep, do Radiohead.
E já que você chegou até aqui, pega aí as músicas que a gente falou lá no começo do texto: The fat man e as versões dele para Lady Madonna e Lovely Rita, dos Beatles.
https://www.youtube.com/watch?v=3S2rnieM3_4
Cultura Pop
Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

Tá aí o que muita gente queria: Bruce Springsteen vai lançar uma caixa com sete álbuns “perdidos”, nunca lançados oficialmente. O box vai se chamar Tracks II: The lost albums (é a continuidade de Tracks, caixa de 4 CDs lançada em 1998) e nasceu de uma limpeza que Bruce fez nos seus arquivos durante a pandemia. Pelo que se sabe até agora, o material inclui sobras das sessões de Born in the USA (1984) e gravações da fase eletrônica dele, no comecinho dos anos 1990 – inclusive um disco inteiro desse período, que nunca viu a luz do dia.
Essa notícia caiu nos sites na semana passada e trouxe de volta um detalhe que os fãs de Bruce já conhecem bem: ele tem muito material inédito guardado – e material bom. Em uma entrevista à Variety em 2017, ele mesmo comentou que sabia ter feito mais discos do que os que lançou, mas que havia motivos sérios para manter alguns deles nas gavetas.
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“Por que não lançamos esses discos? Não achei que fossem essenciais. Posso ter achado que eram bons, posso ter me divertido fazendo, e lançamos muitas dessas músicas em coleções de arquivo ao longo dos anos. Mas, durante toda a minha vida profissional, senti que liberava o que era essencial naquele momento. E, em troca, recebi uma definição muito precisa de quem eu era, o que eu queria fazer, sobre o que estava cantando”, disse na época (o link do papo tá aqui – é uma entrevista longa e bem legal).
Com o tempo, vários desses registros acabaram saindo em boxes e coletâneas. Um deles foi The ties that bind, um disco de pegada punk-power pop que seria lançado no Natal de 1979 – e que acabou virando uma espécie de esboço inicial do disco duplo The river, de 1980. Pelo menos saiu uma caixa em 2015 chamada The ties that bind: The River collection, com todo o material dessa época, inclusive o tal disco descartado (além de um material que formava quase um suposto disco de punk + power pop que teria sido abandonado).
Um texto publicado na newsletter do músico Giancarlo Rufatto recorda que Bruce infelizmente deixou de fora do novo box alguns álbuns que realmente mereciam ver a luz do dia. Um deles é um álbum solo (sem a E Street Band, enfim), com uma sonoridade country ’n soul, que foi gravado em 1981. Esse disco teria sido abandonado durante um período de depressão, que resultou em isolamento e na elaboração do disco cru Nebraska (1982), feito em casa com um gravador de quatro canais, só voz e violão.
Bruce até parece fazer referência a esse álbum perdido na entrevista da Variety. “Esse disco é influenciado pela música pop da Califórnia dos anos 70”, contou. “Glen Campbell, Jimmy Webb, Burt Bacharach, esse tipo de som. Não sei se as pessoas vão ouvir essas influências, mas era isso que eu tinha em mente. Isso me deu uma base pra criar, uma inspiração pra escrever. E também é um disco de cantor e compositor. Ele se conecta aos meus discos solo em termos de composição, mais Tunnel of love e Devils and dust, mas não é como eles. São apenas personagens diferentes vivendo suas vidas.”
Outro material bastante esperado pelos fãs – e que também não está na caixa – é o Electric Nebraska, a tentativa de Bruce de gravar com a E Street Band as músicas que acabaram no Nebraska. Nem ele, nem o empresário Jon Landau, nem os co-produtores Steven Van Zandt e Chuck Plotkin gostaram do resultado, e as gravações foram trancadas a sete chaves. Nem em bootlegs esse material apareceu até hoje. Pra você ter ideia, Glory days, que só sairia no Born in the USA (1984), chegou a ser ensaiada e gravada junto.
Quase todo mundo próximo a Bruce acredita que ele nunca vai lançar oficialmente essas gravações elétricas do Nebraska. Max Weinberg, baterista da E Street Band desde 1974 (com algumas pausas), confirmou a existência desse material em 2010, numa entrevista à Rolling Stone, e disse que adoraria ver tudo lançado.
“A E Street Band realmente gravou todo o Nebraska, e foi matador. Era tudo muito pesado. Por melhor que fosse, não era o que Bruce queria lançar. Existe um álbum completo do Nebraska, todas essas músicas estão prontas em algum lugar”, revelou. Bruce pode até guardar discos inteiros na gaveta, mas esse é um daqueles casos em que o silêncio guarda várias histórias – que podem render surpresas bem legais.
E ese aí é o lyric video de Rain in the river, uma das faixas programadas para Tracks II (a faixa sai num disco montado durante a elaboração do box, Perfect world).
Cultura Pop
Urgente!: Supergrass, Spielberg e um atalho recusado

Coisas que você descobre por acaso: numa conversa de WhatsApp com o amigo DJ Renato Lima, fiquei sabendo que, nos anos 1990, Steven Spielberg teve uma ideia bem louca. Ele queria reviver o espírito dos Monkees – não com uma nova versão da banda, como uma turma havia tentado sem sucesso nos anos 1980, mas com uma nova série de TV inspirada neles. E os escolhidos para isso? O Supergrass.
O trio britânico, que fez sucesso a reboque do britpop, estava em alta em 1995, quando lançou seu primeiro álbum, I should coco. Hits como Alright grudavam na mente, os vídeos eram cheios de energia, e Gaz Coombes, o vocalista, tinha cara de quem poderia muito bem ser um monkee da sua geração. Spielberg ouviu a banda por intermédio dos filhos, gostou e fez o convite.
Os ingleses foram até a Universal Studios para uma reunião com o diretor – com direito a recepção no rancho dele e papo sobre fase bem antigas da série televisiva Além da imaginação. O papo sobre a série, diz Coombes, foi proposital, porque a banda sacou logo onde aquilo poderia dar. “Talvez eu estivesse tentando antecipar a abordagem cafona que seria sugerida, tipo a banda morando junta como os Monkees”, contou Coombes à Louder, que publicou um texto sobre o assunto.
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A proposta era tentadora. Mas eles disseram não. “Foi lisonjeiro e muito legal, mas ficou óbvio para nós que não queríamos pegar esse atalho”, explicou o vocalista, afirmando ter pensado que aquilo poderia significar o fim do grupo. “Você pode acabar morrendo em um quarto de hotel ou algo assim, ou então a produção quer apenas um de nós para a próxima temporada. Foi muito engraçado, respeitosamente muito engraçado”.
O tempo passou. E agora, em 2025, I should coco completa 30 anos (mas já?). O Supergrass, que se separou no fim dos anos 2000, voltou para tocar o disco na íntegra e alguns hits em festivais como Glastonbury e Ilha de Wight.
Aqui, o trio no Glastonbury de 2022.
Foro: Keira Vallejo/Wikipedia
Crítica
Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

Tudo que é mais difícil de explicar, é mais complicado de entender – mesmo que as intenções sejam as melhores possíveis e haja um verniz cultural-intelectual robusto por trás. Isso vale até para desfiles de escolas de samba, quando a agremiação mais armada de referências bacanas e pesquisas exaustivas não vence, e ninguém entende o que aconteceu.
Carnaval, injustiças e polêmicas à parte, o novo Mayhem foi prometido desde o início como um retorno à fase “grêmio recreativo” de Lady Gaga. E sim, ele entrega o que promete: Gaga revisita sua era inicial, piscando para os fãs das antigas, trazendo clima de sortilégio no refrão do single Abracadabra (que remete ao começo do icônico hit Bad romance), e mergulhando de cabeça em synthpop, house music, boogie, ítalo-disco, pós-disco, rock, punk (por que não?) e outros estilos. Todas essas coisas juntas formam a Lady Gaga de 2025.
Algo vinha se perdendo ou sendo deixado de lado na carreira de Lady Gaga há algum tempo, e algo que sempre foi essencial nela: a capacidade de usar sua música e sua persona para comentar o próprio pop. David Bowie fazia isso o tempo todo – e ele, que praticamente paira como um santo padroeiro sobre Mayhem, é uma influência evidente em Vanish into you, uma das faixas que melhor representam o disco. Aqui, Gaga entrega dance music com alma roqueira, um baixo irresistível e um batidão que evoca tanto a fase noventista de Bowie quanto o synthpop dos anos 1980.
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Mais coisas foram sendo deixadas de lado na carreira dela que… Bom, sao coisas quase tão difíceis de explicar quanto as razões que levaram Gaga a criar um álbum considerado “difícil” como Artpop (2013), enquanto simultaneamente mergulhava no jazz com Tony Bennett e preparava-se para abraçar o soft rock no formidável Joanne (2016), um disco autorreferente que talvez tenha deixado os fãs da primeira fase perdidos. Em outro tempo, Madonna parecia autorizada a mudar como quisesse, mas quando Gaga fazia o mesmo, deixava no ar notas de desencontro e confusionismo. O pop mudou, as décadas passaram, o público mudou – e todas as certezas evaporaram.
É nesse cenário que Mayhem equilibra as coisas, entregando um pop dançante, consciente e orgulhoso de sua essência, mas ao mesmo tempo sombrio e marginal. Há momentos de caos organizado, como em Disease e Perfect celebrity – esta última começa soando como Nine Inch Nails, mas, se você mexer daqui e dali, pode até enxergar um nu-metal na estrutura. Killah traz uma eletrônica suja, um refrão meio soul, meio rock que caberia num disco do Aerosmith, enquanto Zombieboy aposta no pós-disco punk, evocando terror e êxtase na pista (por acaso, Gaga chegou a dizer que o disco tem influências de Radiohead, e confirmou o NiN como referência).
Na reta final, o álbum se aventura por outros terrenos: How bad do U want me e Don’t call tonight flertam com o pop dinamarquês dos anos 90 (e são, por sinal, as únicas faixas pouco inspiradas do disco); The beast tem cara de trilha sonora de comercial de cerveja; e Lovedrug mergulha na indefectível tendência soft rock que surge hoje em dia em dez entre dez discos pop. Essa faixa soa como um híbrido entre Fleetwood Mac e Roxette – como se Gaga estivesse pensando também na programação das rádios adultas de 2035.
O desfecho de Mayhem chega como um presente para o ouvinte: Blade of grass é uma balada melancólica de violão e piano, que ecoa tanto a tristeza folk dos anos 70 quanto a melancolia do ABBA, crescendo em inquietação à medida que avança. E então, como quem perde um pouco o tom, o álbum termina com… Die with a smile, a já conhecida balada country-soul gravada em parceria com Bruno Mars, lançada há tempos como single. Dentro do contexto do disco, ela soa mais como um apêndice do que como um encerramento – uma nota de rodapé onde se esperava um ponto final. Nada que chegue a atrapalhar a certeza de que Lady Gaga conseguiu, mais do que retornar ao passado, unir quase todos os seus fãs em Mayhem.
Nota: 8,5
Gravadora: Interscope
Lançamento: 7 de março de 2025.
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