Cultura Pop
A fase comunista dos New York Dolls

Não havia caminho seguro para os New York Dolls após terem gravado dois álbuns (New York Dolls, de 1973, e Too much, too soon, de 1974), que não se revelaram a salvação da lavoura que banda e gravadora esperavam. David Johansen (voz), Arthur Kane (baixo), Jerry Nolan (bateria), Sylvain Sylvain e Johnny Thunders (ambos guitarra e vocais) estavam no desvio: colapsaram por causa do excesso de drogas, não saíam do lugar e tomaram um pé na bunda da Mercury, sua gravadora.
A solução parecia ser a entrada no time de um sujeito espertinho que Sylvain havia conhecido em 1971, numa feira de roupas em Nova York: ninguém menos que Malcolm McLaren, que por aqueles tempos comandava com a mulher Vivienne Westwood a marca Let It Rock. Vivienne, segundo Sylvain, teria dado a ideia da banda usar roupas femininas. Em 1975, com a banda já no olho da rua, Malcolm teria achado Sylvain no Chelsea Hotel e o músico revelou a ele que a banda estava caindo aos pedaços. Os Dolls vinham tocando em lugares pequenos e brigavam o tempo todo.
A solução que Malcolm arrumou para o grupo foi se tornar empresário dos Dolls e promover uma, digamos, mudança estética na banda. Os New York Dolls largaram as roupas pretas e o figurino lambisgoia e passaram a usar peças de couro vermelho. Para combinar, a banda resolveu… botar uma bandeira comunista (!) no palco. Quase ao mesmo tempo, o grupo vinha com uma canção nova chamada Red patent leather, que justificava toda aquela mudança. McLaren completou o circo mandando para a imprensa um release onde se lia frases como “BETTER RED THAN DEAD” (assim mesmo, em letras garrafais) e dizendo que a banda assumia o papel de “coletivo de informações públicas”, em associação com as Brigadas Vermelhas.
Começava aí a chamada “fase comunista” (er) dos Dolls, que duraria bem pouco, porque a banda não usaria esse figurino por muitos shows e não passaria de 1976. Inicialmente os planos eram para uma pequena turnê de cinco shows pelos distritos de Nova York, com Television e Pure Hell na abertura. Logo logo, isso segundo Sylvain, Malcolm McLaren começava a tramar os Sex Pistols e queria que o músico estivesse na formação.
“Ele disse que os Sex Pistols seriam minha banda e ele me escreveu uma carta de sete páginas que agora está no Hall da Fama do Rock and Roll. Ele disse: ‘Essa será sua banda! Vai ser chamada de Sex Pistols!’ Ele tinha algumas fotos de uma cabine de fotos e na parte de trás delas escrevia coisas como: ‘Estamos pensando em chamar esse Johnny Rotten. Ele não sabe cantar, mas definitivamente pode cantar melhor que David Johansen!’ Basicamente nunca quis entrar nessa. Eu assinei com a RCA e tinha minha própria banda. Eu costumava descrever essa carta para meus amigos e eles diziam: ‘Sylvain está cheio de merda'”, afirmou ele à Rolling Stone, certa vez.
Depoimentos dão conta de que o show foi curto, desajeitado, com músicas novas que não pegaram, e que os fãs da banda ficaram putos. E a ideia de Malcolm ao usar a bandeira comunista no palco, óbvio, não era outra a não ser chocar as plateias americanas. O empresário bem que poderia ter iniciado a tour do grupo pela Inglaterra. Em vez disso, preferiu afrontar os conservadores americanos usando as roupas vermelhas dos Dolls, apenas dois anos depois do fim da Guerra do Vietnã – entendida por vários americanos como uma batalha entre capitalistas e comunistas durante a qual haviam morrido 56.555 soldados ianques.
Vários amigos do grupo alertaram a banda de que, nos EUA, havia certa aceitação a respeito de drogados, de homens vestidos de mulher e de gays, mas que o comunismo ainda era um tabu forte demais. O grupo chegou a passar por situações bastante sérias durante o resto da turnê: foram até ameaçados no Sul dos Estados Unidos e tiveram que dar no pé.
Claro que a banda não sabia nem o que estava se metendo, nem tinha relacionamento algum com política – só com drogas, bebida, zoação e tietes. Nos shows, Johansen costumava brandir O livro vermelho do camarada Mao no palco, que McLarem tinha dado ao grupo. O livro Too much, too soon – The makeup and breakup of The New York Dolls, de Nina Antonia, conta que a fase vermelha dos Dolls foi um teste que Malcolm fez para ver até onde ele poderia chocar as plateias. E acabou encontrando um terreno mais (er) tranquilo no anarquismo, com os Sex Pistols.
Malcolm, por sua vez, via naquela fase maluca dos Dolls uma reação à Factory, de Andy Warhol, que basicamente trabalhava na mesma linha de produção pop comum e tinha produtos à venda. “Pensei: ‘Foda-se. Vou tentar fazer dos Dolls o oposto total. Não vou deixá-los à venda”, afirmou.
A tal fase vermelha dos Dolls rendeu até um lançamento – o semipirata Red patent leather (que já era o nome oficioso da nova encarnação dos NYD), gravado numa das primeiras datas da turnê da banda, no bar Little Hippodrome. Arthur Kane, mais pra lá do que pra cá, caiu feito fruta podre antes do show e o roadie Peter Jordan tocou em seu lugar. O álbum foi lançado só em 1984 quando já nem havia New York Dolls e até mesmo os Sex Pistols tinham terminado deixando apenas um disco.
E, sim, tem uma coisa ou outra em vídeo no YouTube da fase comunista dos Dolls – logo no comecinho desse vídeo tem a banda tocando ao vivo bem nessa fase. Dá pra ver a bandeira comunista atrás do grupo quando estoura um flash.
Cultura Pop
Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

Tá aí o que muita gente queria: Bruce Springsteen vai lançar uma caixa com sete álbuns “perdidos”, nunca lançados oficialmente. O box vai se chamar Tracks II: The lost albums (é a continuidade de Tracks, caixa de 4 CDs lançada em 1998) e nasceu de uma limpeza que Bruce fez nos seus arquivos durante a pandemia. Pelo que se sabe até agora, o material inclui sobras das sessões de Born in the USA (1984) e gravações da fase eletrônica dele, no comecinho dos anos 1990 – inclusive um disco inteiro desse período, que nunca viu a luz do dia.
Essa notícia caiu nos sites na semana passada e trouxe de volta um detalhe que os fãs de Bruce já conhecem bem: ele tem muito material inédito guardado – e material bom. Em uma entrevista à Variety em 2017, ele mesmo comentou que sabia ter feito mais discos do que os que lançou, mas que havia motivos sérios para manter alguns deles nas gavetas.
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“Por que não lançamos esses discos? Não achei que fossem essenciais. Posso ter achado que eram bons, posso ter me divertido fazendo, e lançamos muitas dessas músicas em coleções de arquivo ao longo dos anos. Mas, durante toda a minha vida profissional, senti que liberava o que era essencial naquele momento. E, em troca, recebi uma definição muito precisa de quem eu era, o que eu queria fazer, sobre o que estava cantando”, disse na época (o link do papo tá aqui – é uma entrevista longa e bem legal).
Com o tempo, vários desses registros acabaram saindo em boxes e coletâneas. Um deles foi The ties that bind, um disco de pegada punk-power pop que seria lançado no Natal de 1979 – e que acabou virando uma espécie de esboço inicial do disco duplo The river, de 1980. Pelo menos saiu uma caixa em 2015 chamada The ties that bind: The River collection, com todo o material dessa época, inclusive o tal disco descartado (além de um material que formava quase um suposto disco de punk + power pop que teria sido abandonado).
Um texto publicado na newsletter do músico Giancarlo Rufatto recorda que Bruce infelizmente deixou de fora do novo box alguns álbuns que realmente mereciam ver a luz do dia. Um deles é um álbum solo (sem a E Street Band, enfim), com uma sonoridade country ’n soul, que foi gravado em 1981. Esse disco teria sido abandonado durante um período de depressão, que resultou em isolamento e na elaboração do disco cru Nebraska (1982), feito em casa com um gravador de quatro canais, só voz e violão.
Bruce até parece fazer referência a esse álbum perdido na entrevista da Variety. “Esse disco é influenciado pela música pop da Califórnia dos anos 70”, contou. “Glen Campbell, Jimmy Webb, Burt Bacharach, esse tipo de som. Não sei se as pessoas vão ouvir essas influências, mas era isso que eu tinha em mente. Isso me deu uma base pra criar, uma inspiração pra escrever. E também é um disco de cantor e compositor. Ele se conecta aos meus discos solo em termos de composição, mais Tunnel of love e Devils and dust, mas não é como eles. São apenas personagens diferentes vivendo suas vidas.”
Outro material bastante esperado pelos fãs – e que também não está na caixa – é o Electric Nebraska, a tentativa de Bruce de gravar com a E Street Band as músicas que acabaram no Nebraska. Nem ele, nem o empresário Jon Landau, nem os co-produtores Steven Van Zandt e Chuck Plotkin gostaram do resultado, e as gravações foram trancadas a sete chaves. Nem em bootlegs esse material apareceu até hoje. Pra você ter ideia, Glory days, que só sairia no Born in the USA (1984), chegou a ser ensaiada e gravada junto.
Quase todo mundo próximo a Bruce acredita que ele nunca vai lançar oficialmente essas gravações elétricas do Nebraska. Max Weinberg, baterista da E Street Band desde 1974 (com algumas pausas), confirmou a existência desse material em 2010, numa entrevista à Rolling Stone, e disse que adoraria ver tudo lançado.
“A E Street Band realmente gravou todo o Nebraska, e foi matador. Era tudo muito pesado. Por melhor que fosse, não era o que Bruce queria lançar. Existe um álbum completo do Nebraska, todas essas músicas estão prontas em algum lugar”, revelou. Bruce pode até guardar discos inteiros na gaveta, mas esse é um daqueles casos em que o silêncio guarda várias histórias – que podem render surpresas bem legais.
E ese aí é o lyric video de Rain in the river, uma das faixas programadas para Tracks II (a faixa sai num disco montado durante a elaboração do box, Perfect world).
Cultura Pop
Urgente!: Supergrass, Spielberg e um atalho recusado

Coisas que você descobre por acaso: numa conversa de WhatsApp com o amigo DJ Renato Lima, fiquei sabendo que, nos anos 1990, Steven Spielberg teve uma ideia bem louca. Ele queria reviver o espírito dos Monkees – não com uma nova versão da banda, como uma turma havia tentado sem sucesso nos anos 1980, mas com uma nova série de TV inspirada neles. E os escolhidos para isso? O Supergrass.
O trio britânico, que fez sucesso a reboque do britpop, estava em alta em 1995, quando lançou seu primeiro álbum, I should coco. Hits como Alright grudavam na mente, os vídeos eram cheios de energia, e Gaz Coombes, o vocalista, tinha cara de quem poderia muito bem ser um monkee da sua geração. Spielberg ouviu a banda por intermédio dos filhos, gostou e fez o convite.
Os ingleses foram até a Universal Studios para uma reunião com o diretor – com direito a recepção no rancho dele e papo sobre fase bem antigas da série televisiva Além da imaginação. O papo sobre a série, diz Coombes, foi proposital, porque a banda sacou logo onde aquilo poderia dar. “Talvez eu estivesse tentando antecipar a abordagem cafona que seria sugerida, tipo a banda morando junta como os Monkees”, contou Coombes à Louder, que publicou um texto sobre o assunto.
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A proposta era tentadora. Mas eles disseram não. “Foi lisonjeiro e muito legal, mas ficou óbvio para nós que não queríamos pegar esse atalho”, explicou o vocalista, afirmando ter pensado que aquilo poderia significar o fim do grupo. “Você pode acabar morrendo em um quarto de hotel ou algo assim, ou então a produção quer apenas um de nós para a próxima temporada. Foi muito engraçado, respeitosamente muito engraçado”.
O tempo passou. E agora, em 2025, I should coco completa 30 anos (mas já?). O Supergrass, que se separou no fim dos anos 2000, voltou para tocar o disco na íntegra e alguns hits em festivais como Glastonbury e Ilha de Wight.
Aqui, o trio no Glastonbury de 2022.
Foro: Keira Vallejo/Wikipedia
Crítica
Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

Tudo que é mais difícil de explicar, é mais complicado de entender – mesmo que as intenções sejam as melhores possíveis e haja um verniz cultural-intelectual robusto por trás. Isso vale até para desfiles de escolas de samba, quando a agremiação mais armada de referências bacanas e pesquisas exaustivas não vence, e ninguém entende o que aconteceu.
Carnaval, injustiças e polêmicas à parte, o novo Mayhem foi prometido desde o início como um retorno à fase “grêmio recreativo” de Lady Gaga. E sim, ele entrega o que promete: Gaga revisita sua era inicial, piscando para os fãs das antigas, trazendo clima de sortilégio no refrão do single Abracadabra (que remete ao começo do icônico hit Bad romance), e mergulhando de cabeça em synthpop, house music, boogie, ítalo-disco, pós-disco, rock, punk (por que não?) e outros estilos. Todas essas coisas juntas formam a Lady Gaga de 2025.
Algo vinha se perdendo ou sendo deixado de lado na carreira de Lady Gaga há algum tempo, e algo que sempre foi essencial nela: a capacidade de usar sua música e sua persona para comentar o próprio pop. David Bowie fazia isso o tempo todo – e ele, que praticamente paira como um santo padroeiro sobre Mayhem, é uma influência evidente em Vanish into you, uma das faixas que melhor representam o disco. Aqui, Gaga entrega dance music com alma roqueira, um baixo irresistível e um batidão que evoca tanto a fase noventista de Bowie quanto o synthpop dos anos 1980.
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Mais coisas foram sendo deixadas de lado na carreira dela que… Bom, sao coisas quase tão difíceis de explicar quanto as razões que levaram Gaga a criar um álbum considerado “difícil” como Artpop (2013), enquanto simultaneamente mergulhava no jazz com Tony Bennett e preparava-se para abraçar o soft rock no formidável Joanne (2016), um disco autorreferente que talvez tenha deixado os fãs da primeira fase perdidos. Em outro tempo, Madonna parecia autorizada a mudar como quisesse, mas quando Gaga fazia o mesmo, deixava no ar notas de desencontro e confusionismo. O pop mudou, as décadas passaram, o público mudou – e todas as certezas evaporaram.
É nesse cenário que Mayhem equilibra as coisas, entregando um pop dançante, consciente e orgulhoso de sua essência, mas ao mesmo tempo sombrio e marginal. Há momentos de caos organizado, como em Disease e Perfect celebrity – esta última começa soando como Nine Inch Nails, mas, se você mexer daqui e dali, pode até enxergar um nu-metal na estrutura. Killah traz uma eletrônica suja, um refrão meio soul, meio rock que caberia num disco do Aerosmith, enquanto Zombieboy aposta no pós-disco punk, evocando terror e êxtase na pista (por acaso, Gaga chegou a dizer que o disco tem influências de Radiohead, e confirmou o NiN como referência).
Na reta final, o álbum se aventura por outros terrenos: How bad do U want me e Don’t call tonight flertam com o pop dinamarquês dos anos 90 (e são, por sinal, as únicas faixas pouco inspiradas do disco); The beast tem cara de trilha sonora de comercial de cerveja; e Lovedrug mergulha na indefectível tendência soft rock que surge hoje em dia em dez entre dez discos pop. Essa faixa soa como um híbrido entre Fleetwood Mac e Roxette – como se Gaga estivesse pensando também na programação das rádios adultas de 2035.
O desfecho de Mayhem chega como um presente para o ouvinte: Blade of grass é uma balada melancólica de violão e piano, que ecoa tanto a tristeza folk dos anos 70 quanto a melancolia do ABBA, crescendo em inquietação à medida que avança. E então, como quem perde um pouco o tom, o álbum termina com… Die with a smile, a já conhecida balada country-soul gravada em parceria com Bruno Mars, lançada há tempos como single. Dentro do contexto do disco, ela soa mais como um apêndice do que como um encerramento – uma nota de rodapé onde se esperava um ponto final. Nada que chegue a atrapalhar a certeza de que Lady Gaga conseguiu, mais do que retornar ao passado, unir quase todos os seus fãs em Mayhem.
Nota: 8,5
Gravadora: Interscope
Lançamento: 7 de março de 2025.
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