Crítica
Ouvimos: The Black Keys – “No rain, no flowers”

RESENHA: No rain, no flowers mostra o Black Keys dividido: lado A meio banal e lado B mais inspirado, misturando soul, blues e rock psicodélico.
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Não, eu não tenho o menor talento para dar uma de profeta – tanto que, quando resenhei Ohio players, o ótimo disco anterior dos Black Keys, escrevi que era um álbum que “possivelmente vai fazer a diferença para Dan Auerbach e Patrick Carney hoje e daqui a dez anos”. Fez sim, mas pelos motivos errados: o disco falhou miseravelmente e os ingressos dos shows da dupla foram igualmente pouco procurados.
Deu merda: Dan e Patrick cancelaram a turnê norte-americana inteira, romperam com seus empresários, tentaram consertar a cagada substituindo os shows de arena por apresentações em lugares menores (“decidimos fazer algumas mudanças na parte norte-americana da International Players Tour que nos permitirão oferecer uma experiência igualmente emocionante e íntima para os fãs e a banda”, disseram na época). E assim 2024 seguiu como um ano nada risonho para a dupla.
Pelas perdas, daria até para imaginar que o próximo disco seria um lançamento “meta-Black Keys” – uma volta ao blues-rock de garagem hipster que marcou os primeiros álbuns da dupla. O nome do disco, No rain, no flowers (“sem chuva, nada de flores” em tradução livre), mostra outra coisa: a vida nasce do risco, estamos aqui pra isso, mar calmo não faz bom marinheiro, etc. Louvável, claro. Mas na real, a diferença entre No rain, no flowers e álbuns como Brothers (2010) e El camino (2011) é que os Black Keys hoje estão mais próximos do rock para não-roqueiros – algo que nem mesmo os Rolling Stones tentaram fazer em seus trocentos anos de carreira.
Daí que músicas como a faixa-título e Down to nothing têm lá uma atmosfera de “pelo amor de deus, me ponham numa trilha de novela!” – atmosfera essa que, em vez de soar pop, soa apelativa. E vai daí que boa parte das músicas de No rain, no flowers têm mais origem numa espécie de fórmula bubblegum do que na pesquisa de sonoridades entre o blues, o soul e o rock de garagem, que sempre marcou a dupla.
Essa onda consegue engatar em alguns momentos, como na nostalgia de The night before e nas vibes psicodélicas e “de boas” de On repeat – nada de muito memorável, vale dizer. Só que – e isso levando em conta a ordem das músicas no álbum, que evidentemente não segue a ordem da gravação – parece que lá pela metade do trabalho brotou alguém no estúdio, gritou ACORDA, RAPAZIADA!, e as coisas entraram nos eixos.
Tanto que o “lado B” de No rain, no flowers é bem mais instigante. Tem a balada disco Make you mine (em que graves e instrumentos vão procurando – e achando – espaços), o tema de espionagem Man on a mission (que consegue unir evocações de Black Sabbath e Red Hot Chili Peppers em poucos segundos) e lembranças do disco anterior, como o soul rock de Kiss it e All my life. Na reta final, No rain, no flowers ganha uma vibração meio soul, meio Lynyrd Skynyrd em A little too high, e une referências de Led Zeppelin (Your time is gonna come) e Neil Young em Neon moon.
A cordilheira de convidados que os Black Keys chamaram para o disco dá um belo susto em quem olha a ficha técnica: tem gente do rap, do country, um punhado de compositores de aluguel (até Desmond Child, rei do metal pop e parceiro de Jon Bon Jovi, comparece na honorável Make you mine). Em algum momento, isso deve ter dado uma baita confusão na cabeça de Dan e Patrick, seguido de uma sensação enorme de desespero – supomos.
Acaba que a imagem que fica de No rain, no flowers é a de um lado A “vai que cola” e de um lado B que mira e quase sempre acerta. Vá lá: que 2025/2026 seja um período melhor para a dupla, graças ao disco ou apesar dele.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 6,5
Gravadora: Easy Eye Sound/Warner
Lançamento: 8 de agosto de 2025.
Crítica
Ouvimos: Black Honey – “Soak”

RESENHA: Soak mostra o Black Honey em fase bastante criativa, misturando gótico, pós-punk e cinema, com ecos de Garbage, Suede, Placebo e David Bowie.
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Há resenhas por aí que comparam Izzy B. Phillips, a loura vocalista do Black Honey, a Gwen Stefani – evidentemente, na época em que Gwen eletrizava plateias à frente do No Doubt ou no começo da carreira solo, e não na atual fase carola e conservadora. A comparação faz até sentido, mas nem tanto. O Black Honey está mais para um desdobramento menos cáustico do Garbage, e Izzy soa como uma cantora que domina uma linguagem entre o gótico e o pós-punk – investindo em climas tristonhos e fantasmagóricos em vários momentos.
Soak já é o quarto álbum do Black Honey, e é mais um disco em que o grupo explora uma linguagem musical e cinematográfica – como se tudo ali fosse feito para filmes que existem apenas na cabeça da banda. Há uma inspiração grande em Laranja mecânica, de Stanley Kubrick (note a capa). A faixa-título é uma das faixas que mais abertamente lembram o Garbage, embora o design musical do Black Honey seja bem mais sonhador. Mesmo em faixas como Insulin, um som deprê e pós-punk com herança tanto de Joy Division quanto de Nirvana – ou na sombria Dead, que vem na sequência.
Essa mescla de tristeza, peso e vibe imagética rende ótimos momentos em Soak. O disco tem Psycho, faixa inspirada em Psicose, filme de Alfred Hitchcock, e com clima deprê-glam-rock. A fantasmagórica Carroll Avenue consegue unir som de caixinha de música e emanações de Black Sabbath. Bandas como Suede e Placebo são devidamente citadas em faixas como Sadsun, To the grave e Drag. Mais sombras são evocadas em músicas como Shallow e Vampire in the kitchen, e algo entre Pixies, The Cars e David Bowie surge na ótima Slow dance, uma das melhores do disco.
Soak mostra o Black Honey numa fase bem variada e criativa. E as evocações sonoras do novo disco são as melhores possíveis.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Foxfive
Lançamento: 15 de agosto de 2025.
Crítica
Ouvimos: Lambada da Serpente, “Lambada da Serpente” (EP)

RESENHA: EP do Lambada da Serpente mistura música latina, brega, dub, krautrock e sintetizadores em quatro faixas viajantes.
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Son Andrade e Ramiro Galas, os dois integrantes do Lambada da Serpente, têm currículos pessoais bizarramente enormes, e envolvimentos variados com música brasileira, sons latinos e experimentações musicais. O EP do Lambada, curtinho (quatro faixas), praticamente cobre uma espécie de mapa imaginário onde sons da América Latina, balanço brega, vapores dub, climas ligados ao krautrock e vibes tecladeiras que lembram Mort Garson e Jean-Jacques Perrey se cruzam numa esquina de Manaus.
Salve!, faixa de abertura, consegue unir todos esses elementos de maneira fluida, sem exagerar – enquanto Cumbia do Médio Oriente, na sequência, põe sintetizadores, percussões e vibes levemente psicodélicas no ritmo colombiano. Brega sintetizado tem até mais cara de reggae tecnobrega, com um pandeiro de samba que aparece lá pelas tantas. No final, Melozinha faz um convite a uma viagem sonora e dançante.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Independente
Lançamento: 28 de agosto de 2025.
Crítica
Ouvimos: Anti-Spectacular – “I don’t want to be angry anymore”

RESENHA: Anti-Spectacular mistura punk, krautrock, blues e funk psicodélico em I don’t want to be angry anymore, disco raivoso, espiritual e cheio de referências.
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“Se você gosta de rock’n roll, este é o lugar para você”, avisa o músico canadense Alex Hood no Bandcamp de seu projeto musical, o Anti-Spectacular. Na apresentação de seu primeiro álbum, Psychogeography (2024), mais pistas de até onde vai a zoeira de uma banda chamada “anti-espetacular”: ele define seu disco como “Guy Debord rock’n roll”, pegando carona no livro A sociedade do espetáculo, leitura crítica e marxista feita por Debord a respeito de temas como consumismo e capitalismo. E era o disco de faixas cruas como Brutalize my body, There won’t be an answer e Fear of pleasure.
I don’t want to be angry anymore, o segundo disco do Anti-Spectacular… Bom, “não quero mais estar com raiva novamente”? Quem não conhece Hood que o compre. Tocando todos os instrumentos, fazendo vocais que vão do grito ao falsete, e se responsabilizando por um som que consegue unir emanações de Gong, Oh Sees, Jimi Hendrix, Black Sabbath e Prince, ele faz um punk-gospel-krautrock dos mais desafiadores. No disco, tem blues-punk (Is it OK to kill?, Wrists like a bird, I want to live), indie rock lembrando Velvet Underground e Pixies (Samsara, The gift of the real), uma cópula entre Mutantes e Jon Spencer Blues Explosion (o funk psicodélico Slaughterhouse) e estranhice drum’n bass- jazz (Ichiro).
O final é com o blues estradeiro e psicodélico de The man at the end of the hall, a meio caminho de Syd Barrett e Prince. Voltando no começo, vale dar atenção detalhada às letras, unindo observações existenciais e espirituais em formato gonzo. Algumas delas: “Eu quero viver / nenhuma decisão tomada / se há destino, então ele é indulgente com a forma como realmente é jogado” (I want to live). “Tudo bem matar se eu puder provar que é legítima defesa? / tudo bem matar se eu puder saber as consequências? / carregue uma cruz de plástico / aí está seu espírito produzido em massa” (Is it OK to kill?). “Eles nos matam de qualquer jeito / porque têm cotas devidas à sua elite / a única coisa que você pode fazer antes das facas é estragar a carne” (Slaughterhouse). Só raiva, e bem descrita e escrita.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Independente
Lançamento: 25 de junho de 2025.
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