Crítica
Ouvimos: Tame Impala – “Deadbeat”

RESENHA: Em Deadbeat, Kevin Parker tenta entrar na onda do charme do desleixo, mas entrega um Tame Impala irregular, entre boas ideias e faixas que precisavam de uma boa guaribada.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 6
Gravadora: Columbia
Lançamento: 17 de outubro de 2025.
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A sempre implicante Pitchfork não quis nem saber e tascou logo um risível 4.8 no novo disco do Tame Impala, Deadbeat. Quem escreveu a resenha, aparentemente, não curte a ideia do ex-revisionista da psicodelia Kevin Parker, criador do grupo, ter se transformado num coach de música dançante, num músico com cara de “diretor criativo”, num cara que pôs sua assinatura em discos de música pop bem diferentes das expectativas roquistas dos seus fãs de primeira hora.
Mas vá lá: os erros apontados por Sam Goldner (autor do texto) em Deadbeat não são exatamente coisa de quem agarrou um ódio em Kevin apenas por causa da mudança de direcionamento de carreira. Na real, com outras palavras, apontam algo que já era perceptível em Currents (2015) e The slow rush (2020), marcados por um achegamento maior do músico em relação aos sons eletrônicos: o mais legal do Tame Impala era que Kevin até parecia ter dado uma olhada no manual da cópula rock + música eletrônica, mas não se entusiasmou muito e jogou o livrinho no lixo.
Traduzindo mais ou menos: músicas como Let it happen, Lost in yesterday e One more hour tinham sua dose enorme de coolzice, como aliás o próprio repertório inicial do grupo já tinha. Mas eram o som de alguém que estava experimentando, criando coisas e misturando referências. Por isso deu tão certo, e por isso Kevin ficou com uma baita fama de “grande criador do rock e da música eletrônica”. Ainda que, na prática, ele só estivesse dando uma cara dançante para seu som psicodélico e manipulando uma nuvem de referências que ia dos anos 1960 aos 2000, parando com folga nos anos 1980 para curtir a onda acid house, os desdobramentos do pós-punk e as invencionices do synthpop.
- Ouvimos: AFI – Silver bleeds the black sun…
Só essa combinação de três estilos aí já responde pelo clima hipnótico de Let it happen, pelo baixo estalado de The less I know the better (herdado igualmente de Love is a drug, do Roxy Music) e por mais duas faixas de Currents: a declaração de princípios Yes I’m changing e a climática The moment, duas músicas nas quais parecia que Kevin tinha desistindo de fuçar nas fontes em que todo mundo procura e decidiu mexer em discos empoeirados. Na primeira, parecia que ele tinha descoberto Angra dos Reis, da Legião Urbana – já a segunda parecia ter sido inspirada em alguma MPB synth dos anos 1980 (Gonzaguinha, Fagner, Vinicius Cantuária, Djavan, etc) só que combinada com mumunhas trance.
Corta pra Deadbeat, disco lançado sob bem mais do que expectativas cool: é o primeiro disco do Tame Impala em cinco anos, e foi lançado um mês após Kevin brotar no estúdio da rádio online de música eletrônica The Lot, e atuar como DJ convidado. Não é de jeito nenhum o disco horroroso que fez o resenhista da Pitchfork perder a paciência. Até porque discos ruins não abrem com uma pérola house como My old ways, com ótimo riff de piano e infusão dance-psicodélica, muito menos têm faixas como Dracula, dance music de terror na qual Kevin se torna o Bee Gees de uma pessoa só.
OK, são apenas duas faixas num universo de doze músicas e 56 minutos – você pode argumentar. Se tem um problema meio grave aqui é o fato de que, ao contrário de discos que são lo-fi e crus por opção e por estética, muita coisa em Deadbeat parece tosca e descuidada de propósito, como se Kevin tivesse resolvido por conta própria que os ensaios e as demos são melhores que o material finalizado, sem nem pensar direito. Ouvir o beat de chão de Ethereal connection equivale a escutar a gravação malfeita de um set de DJ de Kevin, e o mesmo se aplica aos sete minutos do single End of summer.
Provavelmente muita gente ouviu essas duas faixas achando que havia um certo desnível na equação da qualidade: ideias legais sustentadas por beats perdidos e mal arquitetados, e acabamento ruim. Mas a maionese desanda de verdade quando a música não funciona – o ritmo troncho de No reply, por exemplo, segue sem graça, até iniciar uma vinheta de piano que parece chupada da Gymnopédie, de Erik Satie. Piece of heaven é outra faixa na qual nada faz sentido e tudo parece colado à moda caralha: pop oitentista e outra vinhetinha de piano. See you on monday (You’re lost) soa como uma volta ao passado – tem algo de progressivo no som, mas tudo na base do já-ouvi-isso-antes.
O que é bom no disco acaba sofrendo com a opção pelo rascunho: a boazinha Loser traz Kevin aderindo à mania atual de yacht rock, Oblivion é um estranho raggamuffin psicodélico – o tipo da música que você vai pensar bastante se gostou ou não –, a desolada e hipnótica Not my world leva a dança ambient pro disco. Já a boa Obsolete é dance music gelada, refletindo o clima da letra (“me diga por que estou sem dormir / você quer meu amor ou sou obsoleto?”).
Falando nas letras, Kevin volta preferindo falar com os sofredores e desencantados da vida. Deadbeat fala de gente que pode até levar uma vida normal, mas segue agendas meio estranhas – como o rapaz apaixonado de Oblivion, que avisa à amada que “se eu não tiver você, meu amor / escolho o esquecimento”. Fala também de quem dá muita cabeçada na vida por causa das demandas tóxicas do mundo (Not my world) e das almas perdedoras (Loser). Se o Tame Impala volta buscando o charme do desleixo (e erra a mão para mais), o dia a dia dos personagens de Deadbeat não é nada cool.
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Crítica
Ouvimos: Luvcat – “Vicious delicious”

RESENHA: Luvcat estreia com Vicious delicious, disco de pop nostálgico e lânguido, entre Hollywood vintage, art-pop e sombras pós-punk, com poucos tropeços.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: AWAL
Lançamento: 31 de outubro de 2025
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Luvcat é a segunda encarnação – e o segundo ato de carreira – da britânica Sophie Morgan Howarth, nascida em Liverpool em 1996, e que tem três EPs de folk alternativo lançados como Sophie Morgan. Rola um subtexto pós-punk/britpop na história dela: ainda com seu nome anterior, ela abriu uma turnê dos Waterboys e foi ajudada pelo baixista do The Verve, Simon Jones. Luvcat, seu novo nome artístico, é uma referência ao sucesso do The Cure, The lovecats.
Vale citar que folk e pós-punk são estilos que até aparecem em Vicious delicious, estreia de Luvcat, mas são secundários ou terciários num manifesto pop que, basicamente, é tão nostálgico da velha Hollywood quanto os discos de Lana Del Rey, e tão “lânguido” quanto Lana e Billie Eilish – e cuja estética mexe com as mesmas estranhices pop de vários lançamentos de hoje.
- Ouvimos: Angélica Duarte – Toska
É um álbum pop, feito com um alvo à frente, mas com princípios básicos que o tornam às vezes mais próximo do art-pop, como na sexy e latina Lipstick, no soft rock Alien (música sobre inadequação, drogas e introspecção, com versos como “sempre fui uma de nós / garotinha verde em seu próprio mundo”), a experimentação reggae-pós-punk-gore de Matador (“eu queria amor / mas você quis sangue”). E na onda sofisticada de Dinner @ Brasserie Zedel, com heranças da música francesa, e He’s my man, alt-folk com recordações de Jacques Brel, Scott Walker e David Bowie do começo.
Tem um lado sombrio no disco, como no folk mórbido de Laurie, música de amor tristonho com metais, violão e cordas. Ou na vertigem de The Kazimier Garden, e ono clima meio Siouxsie + David Bowie de Emma Dilemma. Faz parte da lista de sensações visitadas por Luvcat, no disco, embora haja também uma canção que poderia concorrer ao Eurovision (a faixa-título) e algo que faz lembrar o lado praiano e desértico do Roxy Music (Love & money).
Lá pelas tantas, dá para se perguntar até o que o dispensável hard rock country Blushing, que lembra Bon Jovi, está fazendo no disco, já que Vicious delicious, mesmo com uma certa confusão conceitual e musical, tem lados melhores para apresentar.
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Crítica
Ouvimos: Ira Glass – “Joy is no knocking nation” (EP)

RESENHA: EP maníaco do Ira Glass, Joy is no knocking nation mistura pós-hardcore, math rock, fanfarra sombria e ataques free-jazz, criando uma avalanche ruidosa, tensa e coesa.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Fire Talk
Lançamento: 14 de novembro de 2025.
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Vindo de Chicago, o Ira Glass vive de causar estranhamento: é um quarteto escoladíssimo no pós-hardcore e no math rock, mas que às vezes, parece estar querendo repetir eternamente o final de 21 century schizoid man, do King Crimson, com aquele ataque free-jazz de guitarra, baixo, bateria e metais.
Joy is no knocking nation, segundo EP da banda, é basicamente um disco de rock experimental maníaco, soando como uma fanfarra sombria em faixas como It’s a whole “Who shot John” story – faixa, que curiosamente tem vocal em clima grunge e destruidor, chegando a lembrar Alice In Chains. Essa onda de fanfarra do mal chega no seu ápice em fd&c red 40, repleta de vocais guturais e gritos mais chegados do screamo, e no stoner tenso e quebradiço de New guy (Big softie). Nem precisa falar que nomes como James Chance, Wire e Swans pairam sobre todo o repertório do disco, e que o próprio Fugazi, com suas quebras rítmicas, também é citado aqui e ali.
Jill Roth, saxofonista da banda, é um dos responsáveis pela tal cara free-jazz que o Ira Glass tem – e que, felizmente, não surge forçada nem mesmo quando é inserida em momentos mais pesados do disco. Fritz all over you é o mais progressivo e suave que o grupo parece querer soar, mas sempre numa onda sombria. No fim, That’s it/That? That’s all you can say?, entre gritos e vocais demoníacos, soa como uma música tocada ao contrário, uma roda de ruídos presa numa corrente igualmente ruidosa. Uma porrada bem elaborada, mesmo quando parece que tudo saiu do controle.
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Crítica
Ouvimos: Jerk – “As night falls”

RESENHA: Jerk mistura soul, smooth jazz, city pop e MPB instrumental em um álbum curto e hipnótico, cheio de fusão psicodélica, clima noturno e achados sonoros.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: DeepMatter Records
Lançamento: 14 de novembro de 2025
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Com um nome artístico bem autodepreciativo, Jerk (ou Joshua Kinney, seu nome verdadeiro) pode soar como um daqueles sujeitos que falam da alegria e da tristeza do perdedor – pelo menos quando a gente lê o nome dele por aí. Nada a ver: As night falls, seu novo álbum, é basicamente uma mescla de soul, smooth jazz, jazz fusion, drum’n bossa, city pop, sons psicodélicos e MPB instrumental transante na onda de Lincoln Olivetti e Robson Jorge. Nas oito curtas faixas do disco (que dura 20 minutos), ele toca de tudo: guitarra, baixo, flautas, saxofone, sintetizador, piano Rhodes – a bateria fica com a amiga e colaboradora Martina Wade.
As night falls é a primeira parte de um projeto dividido em dois discos (ele fala que são dois EPs, mas o disco figura como álbum nas plataformas). Aliás, ele também diz aqui que cada lançamento representa “dia” e “noite”, e que se lançasse as 16 faixas de uma só vez, o disco poderia nem ser tão ouvido, já que é “difícil captar a atenção das pessoas hoje em dia”.
Seja como for, As night falls captura a atenção imediatamente, especialmente de caçadores de raridades nos sebos. A faixa-título abre com violão e flauta, chegando a lembrar Dori Caymmi – até que ganha programação eletrõnica e som comandado pelo piano elétrico e pelos beats enérgicos. Dance beneath the dripping moon e o soul latino Stealthy, she moves! soam como sobras jazzísticas de Robson e Lincoln. Incoming, A divine wrath e Set adrift são jazz fusion psicodélico e vaporoso.
Wading, com percussão relaxante e clima quase espacial, tem tom musical de mergulho – segundo o próprio Jerk, que quase pôs na faixa o nome de “underwater” (subaquático), e decidiu dar à faixa uma cara diferente e experimental, usando pedais de guitarra em todos os instrumentos. Emergence and reckoning tem beat brasileiro, som derretido (com guitarra parecendo que vem de uma fita antiga) e metais. Uma viagem sonora daquelas.
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