Crítica
Ouvimos: Master Peace, “How to make a Master Peace”
- How to make a Master Peace é o álbum de estreia do Master Peace, projeto de rock dançante, eletrônico e misturado com vários outros estilos, comandado pelo londrino Peace Okezie. Ele vem lançando singles com esse nome desde 2019.
- O NME classificou Master Peace como “punk rapper”. O músico definiu seu trabalho dessa forma num papo com a revista em 2020. “Em um minuto, eu posso cantar uma canção de amor indie ou algum surf rock. E então isso pode fazer a transição para punk caótico e raps populares. Você nunca será capaz de prever o que está por vir e você vai adorar ou odiar. Mas contanto que você sinta algo, eu fiz meu trabalho!”.
Não adianta só ficar recordando o synth pop dos anos 1980, o grunge dos 1990 e por aí. A turma indie que misturava rock e dance music nos anos 2000 volta e meia tem sido recordada, e um dos exemplos recentes mais fortes é o Master Peace. Peace Okezie, o criador do projeto, une rock, dance, hip hop e estilos afins, mas vale citar que não faz isso como se o tempo não houvesse passado. Muita coisa ali vai fazer você se recordar de coisas mais recentes como Tyler The Creator, Paris Texas e outros nomes que ganharam força de dez anos para cá.
As referências de Master Peace combinam quase sempre uma onda do rock, e uma onda do pop. Como as batidas dançantes e os vocais a la The Hives na faixa de abertura, Los narcos. Ou o tom quase emo de Panic101, imediatamente antes de uma pérola indie-dance-hip hop com fortes linhas de baixo, Start you up. Já I might be fake é o tipo de som dance que une roqueiros, fãs de pop, fãs de synth pop e de tons eletrônicos dos anos 1990 e 2000, com refrão fantástico: “sou apenas um pobre garoto, vão com calma meus amigos/cabeça cheia de sonhos, bolsos feitos de fingimento (…)/posso ser falso, mas sempre amarei você”.
Na segunda metade de How to make a Master Peace, fica mais claro que a estreia de Master Peace é uma grande festa, com pedradas como Loo song e Get naughty! – essa última, com vocais “de torcida” e bastante peso dançante, numa onda que lembra formações antigas como o Pop Will Eat Itself. Sick in the bathroom é indie rock inorgânico, influenciado tanto por Strokes quanto por Depeche Mode. Shangaladang é o mais próximo que alguém já chegou de unir Pixies e Buju Banton. Fechando com o dance rock celestial de Heaven e a disco-rave de Happiness is love.
Nota: 8
Gravadora: PMR Records
Crítica
Ouvimos: Bad Bunny, “Debí tirar más fotos”
Benito Antonio Martinez Ocasio, o popular Bad Bunny, não veio ao mundo pop a passeio. Debí tirar más fotos, seu novo disco, é um passeio pela musicalidade e pela identidade portorriquenhas – e esfrega na cara do mercado fonográfico que ele não tem nenhuma vontade de soar mais “americano” (estadunidense, enfim) para bombar nas paradas.
Já era uma prerrogativa de Bad Bunny desde os primeiros tempos, até porque ele é um dos nomes mais conhecidos do rap de idioma hispânico, mas Debí, mergulhado no reggaeton e em sons caribenhos, é um disco de memórias e sensações. Nuevayol, uma referência à pronúncia hispânica de “Nova York”, traz BB requerendo sua posição de rei do pop, e homenageando a comunidade latina que vive na megalópole. Baile inolvidable, que parece uma trilha sonora, cita as diversões calientes de Porto Rico e traz alunos da Escuela Libre de Música Ernesto Ramos Antonini, de San Juan, tocando salsa. Weltita tem cara de samba-rap e narra uma proposta de date praiano, com as falas do homem (Bunny) e da mulher (Lóren, da banda portorriquenha Chuwi) na história.
Com duração de mais de uma hora, Debí soa irregular em alguns momentos, mas compensa no storytelling (cabendo momentos em que o discurso de Bad Bunny é interrompido para uma mudança rítmica ou a entrada de uma gravação) e na variedade. E em especial no lado mobilizado, definido pelo próprio Bad Bunny como sendo “uma carta a Porto Rico”. A bebaça e doidaralhaça Cafe com ron é pura variação rítmica, cabendo pelo menos três estilos caribenhos, e no fim, um house cubano.
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La mudanza é orgulho portorriquenho purinho (“fala pra ele que essa é a minha casa, onde nasceu minha avó/daqui ninguém me tira, eu não saio daqui”), com letra falada no início e destaque para a percussão (que ganha alguns segundos só dela no final). Lo que le paso a Hawaii é som marolado e cigano, com vocal grave, e letra pregando que não quer que Porto Rico torne-se mais dominada ainda pelos Estados Unidos. A romântica e praguejadora Bokete (que traz encartado na letra um protesto bizarríssimo contra os buracos nas ruas de Porto Rico) abre em clima meio psicodélico, graças a uma gravação de guitarra ao contrário, como num sampling invertido. Não falta diversão em Debi tirar más fotos, e não falta raiz musical.
No lado mais descontraído e menos mobilizado das letras, Debí é um disco que aponta para dois lados, er, complementares. Ou Bad Bunny encarna o fodão que apronta todas nas boates e ganha as gatas, ou ele está chorando pelos cantos – geralmente de arrependimento por alguma merda que fez. El club abre em clima de trap, falando de boates, mulherada, drogas, bebedeira, até que… “mas o que minha ex está fazendo?’. “Os caras acham que estou feliz/mas não, estou morto por dentro/a discoteca está cheia e ao mesmo tempo, vazia/porque meu bebê não está lá”, choraminga.
Se você acha que parou por aí, tem mais. Pitorro de coco, repleta de violões ciganos (e cujo título faz referência a um drinque popular em Porto Rico), é dor de corno etílica das boas. Turista, cheia de cordas e sons acústicos, é… Bom, haja sofrimento: “na minha vida você era turista/você só viu o melhor de mim e não o que eu sofri/você foi embora sem saber o motivo das minhas feridas” – embora o rapper esclareça que a letra fala também dos turistas que vão à Porto Rico e saem de lá sem conhecer os problemas locais. E tem a quase faixa-título, DTMF, um reggaeton que vira algo parecido com funk carioca logo depois, e que traz Bad Bunny chorando pitangas pelo leite derramado (é a do verso-meme “devia ter tirado mais fotos quando tinha você/devia ter te dado mais beijos e abraços quando pude”).
Nota: 8,5
Gravadora: Rimas.|
Lançamento: 5 de janeiro de 2025.
Crítica
Ouvimos: Astrid Sonne, “Great doubt”
- Great doubt é o terceiro LP da cantora dinamarquesa Astrid Sonne. Todas as músicas foram compostas e produzidas por ela. Astrid tem formação clássica e toca viola, mas migrou para o reino da composição pop.
- “As letras do álbum são esparsas, apenas destacando diferentes cenas ou estados emocionais do ser, deixando a música preencher as lacunas. No entanto, elas também formam um padrão de ambiguidade, consolidado pelo título do álbum, buscando respostas por meio da observação de como e o que você está perguntando, perguntas para o mundo, perguntas de amor”, diz o release do disco.
Great doubt é um disco de art pop, ponto. Se a gente for pensar num som experimental, e próximo do rock, Astrid Sonne segue a linha de grandes nomes como Brian Eno e Robert Fripp — artistas que misturavam música clássica, ambient, pop experimental, psicodelia e uma boa dose de experimentação sonora. É essa vibe que Astrid traz para o disco, conduzindo o ouvinte por diferentes atmosferas a cada música. Logo na abertura, com Light and heavy, ela combina flauta e cordas de forma hipnotizante.
O título da faixa não é por acaso: Astrid busca criar uma sensação de peso em sons que, à primeira vista, parecem flutuar. É o que acontece em Do you wanna, que começa com uma vibe eletrônica de rock e logo se transforma em um progressivo de piano e cordas. A mesma energia aparece em Give my all, com suas batidas r&b e o piano suave, e em Almost, que abre com sons de koto japonês e segue para um lugar espacial e romântico. Como cantora, Astrid tem um tom quase jazzístico, sempre introspectivo e sempre intenso, especialmente em faixas como Almost e na letra de Do you wanna?, que toca num tema bastante delicado de forma bem direta (“Você quer ter um bebê?/realmente não sei”, ela questiona e ela responde).
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Alguns momentos do álbum têm aquele toque “eletrônico” de décadas passadas. Staying here, por exemplo, tem um clima progressivo, quase como uma releitura do pop dos anos 70, e termina com uma pegada psicodélica. Everything is unreal lembra o Kraftwerk, mas com um toque mais orgânico — começa com uma batida sombria e segue com uma letra falada, até se transformar numa mistura de cordas e ritmos quase orientais. Boost, por sua vez, começa com uma onda de synths, bem misteriosa, e depois mergulha num r&b experimental, com um interlúdio ambient no meio.
No final, duas surpresas: Overture começa com um riff de violão bem acústico, e quando as cordas entram, lembra uma orquestra se aquecendo antes do show começar. E para fechar o disco, Say you love me traz uma mistura de jazz, bossa nova e dub, em tom levemente psicodélico.
Nota: 8
Gravadora: Escho
Lançamento: 26 de janeiro de 2024.
Crítica
Ouvimos: Meat In Space, “Tangerine” (EP)
O garage rock espacial dessa banda norte-americana deixa qualquer um feliz. Na verdade o Meat In Space é um projeto musical de um cara só – e o cara em questão é Shawn Stedman, um músico da Bay Area de San Francisco, que toca de tudo, e cujo leque de influências vai de Nirvana a Ty Segall, passando por grupos neo psicodélicos. “O EP de estreia, Tangerine, é um marco significativo para o Meat in Space, com todas as faixas gravadas em fita analógica, culminando em uma experiência sonora nostálgica e autêntica”, conta ele.
Tangerine começa logo com a faixa título – uma sujeira de garagem com vocais quase falados, lembrando realmente Kurt Cobain, ou Iggy Pop. A letra tem versos como “não importa de verdade/não importa de verdade em que planeta você está/adivinhe com limão/libere o veneno” (?). Chromium dioxide começa tão distorcida quanto uma canção do The Jesus and Mary Chain, e prossegue como um power pop aterrador e espacial, com letra fazendo referência à crueza da gravação em fita K7. Ruby tourmaline é uma canção folk sessentista, com balanço funkeado e quase cigano, lembrando bandas como Pretty Things ou até mesmo o Pink Floyd do final dos anos 1960 (a fase imediatamente pós-saída de Syd Barrett).
No final do disco, a viagem folk e distorcida, simultaneamente, da vinheta Hyperion harm. E o peso punk, quase em clima de interferência sonora, de Call the coroner. Vale adotar essa banda.
Nota: 8,5
Gravadora: Psychic Tooth Records
Lançamento: 7 de dezembro de 2024
- E esse foi um som que chegou até o Pop Fantasma pelo nosso perfil no Groover – mande o seu som por lá!
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