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Cultura Pop

Relembrando: MC5, “Kick out the jams” (1969)

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Imagens raras do MC5 tocando na Inglaterra em 1972

A importância do recém “ido” Wayne Kramer e de sua banda, o MC5, é enorme. O imaginário evocado pelo grupo é um baú que parece não ter fundo: conflitos raciais em Detroit (terra da banda), antirracismo, rock de garagem, marxismo, guerrilhas, Motown, fábricas de automóveis, poluição, sexo, orgias, jazz, blues e soul. Tudo isso no cenário quase desmoronado de uma das mais conhecidas cidades industriais do mundo.

Além disso, o grupo de Wayne (guitarra), Rob Tyner (voz), Fred “Sonic” Smith (guitarra), Michael Davis (baixo) e Dennis Thompson (bateria), organizou alguns importantes movimentos musicais que viriam na sequência. Punk, heavy metal, hard rock, glam rock, tudo isso partiu dos três álbuns lançados por eles entre 1969 e 1971.

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Assim como Stooges e Velvet Underground, o MC5 não vendeu muitos discos e enfrentou mais portas fechadas do que braços abertos. Mas virou notícia rapidamente, e surgiu sob as bênçãos de um marketeiro político daqueles: o ativista político John Sinclair. Envolvido com a política de esquerda radical e com o Partido dos Panteras Brancas (uma adesão de jovens brancos dos EUA à agenda dos Panteras Negras), ele se tornou a partir de 1968 um empresário não-convencional do grupo. O anti-capitalista Sinclair preferia definir-se como um “orientador” do quinteto e nada mais do que isso.

Não custa lembrar que o superlativo John Sinclair não foi responsável por fazer a cabeça do MC5. O grupo já existia desde 1963, observava o mundo do ponto de vista apertadíssimo da classe trabalhadora dos EUA, e seu som pesado e berrado já havia chamado a atenção de grupos revolucionários e radicais norte-americanos (como os encrenqueiros de plantão do Up Against The Wall Motherfuckers). Sinclair levou um pouco mais de ideologia explosiva à banda, e também produziu e organizou o trabalho do grupo, que vinha de várias tentativas e já havia lançado singles por selos pequenos. “John Sinclair era a única pessoa que respeitávamos e cuja orientação aceitaríamos. Tínhamos uma longa série de traficantes de segunda categoria no mundo da música e empreendedores de negócios musicais que tentaram administrar o MC5. Não éramos gerenciáveis”, divertiu-se Kramer aqui.

O barulho que o MC5 fazia era enorme, no palco e na mídia – revistas como a Rolling Stone já haviam acordado para o quinteto. Tanto que a Elektra não deixou por menos e contratou a banda, aproveitando para gravar o primeiro álbum, Kick out the jams (fevereiro de 1969), ao vivo. O disco foi registrado em duas noites no Grande Ballroom, um histórico salão de danças de Detroit que em 1966 havia sido adquirido pelo DJ Russ Gibb, cujo objetivo era fazer do local uma casa análoga ao Fillmore, de São Francisco. O repertório do álbum era bem mais louco e variado do que o normal para uma banda que desejava fazer sucesso – mas era, no geral, tudo filtrado pelo pré-punk.

A ousadia do MC5 era tanta que Kick out the jams abria com uma pregação (!) de um minuto e meio. JC Crawford, listado como “conselheiro espiritual” do grupo, exortava a plateia como um pastor protestante, dizendo frases como “chegou a hora, irmãos e irmãs, de vocês decidirem se querem ser parte da solução ou parte do problema”. O grupo nem sequer fez questão de abrir o disco com uma canção autoral. Preferiu relembrar os tempos de banda de garagem e transformou a safada e sexualmente ativa Ramblin’ rose, popularizada por Nat King Cole, num punk legítimo, cantado por Tyner com um falsete gozador.

Em seguida, a faixa-título, que causou discussões na gravadora por causa do “kick out the jams motherfuckers” berrado pelo vocalista. Não havia um consenso na Elektra sobre se aquele palavrão era desejável ou não. O disco saiu com ele, foi censurado pela gravadora a posteriori, e versões com e sem o “motherfuckers” (substituído por “brothers and sisters”) circularam quase ao mesmo tempo. Fato é que o álbum prosseguia unindo sexo (e sexismo, vá lá), psicodelia, distorções, microfonias e letras malcriadas em doses iguais, nas autorais Come together, Rocket reducer  nº 62 (Rama lama fa fa fa) e Borderline.

Até aí, ecos das letras do grupo poderiam ser achados posteriormente em discos como Ziggy Stardust, de David Bowie (o “wham bam thank you ma’am” de Suffragette city, de Bowie, estava também em Rocket reducer). Mas o restante do lado B aumenta o tom, em música e letra. O grupo resgatou um blues de protesto gravado por John Lee Hooker em 1967, Motor city is burning, avisando que a revolta e a destruição viriam. Trouxe de volta em versão quase heavy metal I want you right now, uma canção do repertório de uma banda quase tão proto-punk quanto eles, os Troggs.

Os nove últimos minutos do disco são ocupados com o terror espacial de Starship, uma parceria entre a banda e o jazzista afrofuturista Sun Ra. Era mais violento que o Black Sabbath, era quase stoner rock, era o mesmo progressivo punk que o Hawkwind estaria fazendo mais ou menos naquela período, só que sob um viés bem mais destruidor.

Kick out the jams soou como a explosão de um carro-bomba: estacionou nas vendas, foi recusado por uma cadeia importante de lojas (a Hudson’s), foi marcado por shows caóticos, e representou o fim da linha da banda na Elektra. John Sinclair caiu no ardil de um policial e foi preso por tráfico de maconha. Passou dois anos na cadeia, foi homenageado por John Lennon com a música John Sinclair, virou herói da esquerda no rock, mas acabou destituído do cargo de “orientador” da banda – anos depois reclamou que nenhum dos integrantes do MC5 foi visitá-lo na prisão e que “nem os mafiosos abandonam seus presos dessa forma”.

Sem Sinclair, restou o peso e uma certa postura de heróis do rock, que levou a um novo contrato com a Atlantic e à gravação de mais dois álbuns com a formação clássica, o fraco Back in the USA (1970) e o pesado e redefinidor High times (1971). Drogas, baixas vendagens e mudanças na formação abreviaram o fim. Mas um pulo no tempo encontrou Wayne em 2023, confiante, anunciando um disco novo do MC5 com Bob Ezrin na produção. O guitarrista, que largou as drogas e iniciou carreira solo nos anos 1990, infelizmente se foi. O que vem por aí fica como documento e legado de tempos bastante explosivos na música.

Cultura Pop

Urgente!: E não é que o Radiohead voltou mesmo?

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O Radiohead (Foto: Tom Sheehan/Divulgação).

Viralizações de Tik Tok são bem misteriosas e duvidosas. Diria, inclusive, que bem mais misteriosas do que as festas regadas a cocaína, prostitutas de Los Angeles e malas de dólares que embalavam os nada dourados tempos da payola (jabá) nos Estados Unidos. Mas o fato é que o Radiohead – que, você deve saber, acaba de anunciar a primeira turnê em sete anos – conseguiu há alguns dias seu primeiro sucesso no Billboard Hot 100 em mais de uma década por causa da plataforma de vídeos. Let down, faixa do mitológico disco Ok computer (1997), viralizou por lá, e chegou ao 91º lugar da parada

A canção, de uma tristeza abissal, já tinha “voltado” em 2022 ao aparecer no episódio final da primeira temporada da série The bear – mas como o Tik Tok é “a” plataforma hoje para um número bem grande de pessoas, esse foi o estouro definitivo. Como turnês de grandes proporções nunca são marcadas de uma hora pra outra, nada deve ter acontecido por acaso. E tá aí o grupo de Thom Yorke anunciando a nova tour, que até o momento só incluirá vinte shows em cinco cidades europeias (Madri, Bolonha, Londres, Copenhague e Berlim) em novembro e dezembro.

O batera Phillip Selway reforçou que, por enquanto, são esses aí os shows marcados e pronto. “Mas quem sabe aonde tudo isso vai dar?”, diz o músico. Phillip revela também que a vontade de rever os fãs veio dos ensaios que a banda fez no ano passado – e que já haviam sido revelados em uma entrevista pelo baixista Colin Greenwood.

“Depois de uma pausa de sete anos, foi muito bom tocar as músicas novamente e nos reconectar com uma identidade musical que se arraigou profundamente em nós cinco. Também nos deu vontade de fazer alguns shows juntos, então esperamos que vocês possam comparecer a um dos próximos shows”, disse candidamente (esperamos é a palavra certa – a briga de faca pelos ingressos, que serão vendidos a partir do dia 12 para os fãs que se inscreverem no site radiohead.com entre sexta, dia 5, e domingo, dia 7, promete derramar litros de sangue).

Enfim, o que não falta por trás desse retorno aí são meandros, reentrâncias e cavidades. O Radiohead, por sua vez, investiu no lado “quando eu voltar não direi nada, mas haverá sinais”. Em 13 de março, dia do trigésimo aniversário do segundo disco da banda, The bends, o site Pitchfork noticiou que a banda havia montado uma empresa de responsabilidade limitada, chamada RHEUK25 LLP. – sinal de que provavelmente alguma novidade estava a caminho. Poucos dias depois, um leilão beneficente em Los Angeles sorteou quatro tíquetes para “um show do Radiohead a sua escolha”. Muita gente levou na brincadeira, mas algumas fontes confirmaram que o grupo tinha reservado datas em casa de shows da Europa.

Depois disso – você provavelmente viu – surgiram panfletos anunciando supostos shows do grupo em Londres, Copenhague, Berlim e Madri, ainda sem nada oficialmente confirmado, até que tudo virou “oficial”. Pouco antes disso, dia 13 de agosto, saiu um disco ao vivo do Radiohead, Hail to the thief – Live recordings 2003-2009 (resenhado pela gente aqui). Com isso, possivelmente, os fãs até esqueceram a antipatia que Thom Yorke causou em 2024, ao abandonar o palco na Austrália, quando foi perguntado por um fã sobre a guerra entre Israel e Palestina.

O site Stereogum não se fez de rogado e, quando a turnê ainda não estava oficialmente anunciada (mas havia sinais) chegou a perguntar num texto: “E aí, será que eles vão tocar Let down?”. No último show da banda, em 1º de agosto de 2018 (dado no Wells Fargo Center, Filadélfia), ela era a nona música, logo antes da hipnotizante Everything in its right place. Seja como for, já que bandas como Talking Heads e R.E.M. não parecem interessadas em retornos, a volta do Radiohead era o quentinho no coração que o mercado de shows, sempre interessado em turnês nostálgicas, andava precisando. Que vão ser vários showzaços e que muitas caixas de lenços serão usadas, ninguém duvida.

Texto: Ricardo Schott – Foto: Tom Sheehan/Divulgação

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Cultura Pop

Urgente!: E agora sem o Ozzy?

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Todo mundo que um dia se sentiu meio estranho e ouviu Ozzy Osbourne na hora certa, foi levado para um universo bem melhor, e para sempre.

Todo mundo que um dia se sentiu meio estranho e ouviu Ozzy Osbourne na hora certa, foi levado para um universo bem melhor, e para sempre. Tudo começou com uma banda, o Black Sabbath, que já era um verdadeiro errado que deu certo – um ET musical que fazia som pesado quando mal havia o termo “heavy metal” e que falava de terror na ressaca do sonho hippie. E prosseguiu com a lenda de um sujeito que gravou álbuns clássicos como Blizzard of Ozz (1980), Diary of a madman (1981) e No more tears (1991) – eram quase como filmes.

Ozzy pode ser definido como um cara de sorte – e também como um cara que abusou MUITO da sorte, mas pula essa parte. A depender daqueles progressivos anos 1970, não havia muito o que explicasse o futuro de Ozzy Osbourne na música. Em várias entrevistas, Ozzy já disse que não sabia tocar nenhum instrumento quando começou – na verdade nunca nem chegou a aprender a tocar nada. Tinha a seu favor uma baita voz (mesmo não ganhando reconhecimento algum da crítica por isso, Ozzy sempre foi um grande cantor), um baita carisma, ouvido musical e a disposição para encarnar o estranho e o inesperado no palco em todos os shows que fazia.

Imortalizada em livros como a autobiografia Eu sou Ozzy, a história de Ozzy Osbourne é um daqueles momentos em que a realidade pode ser mais desafiadora que a ficção. Afinal, quem poderia imaginar que um garoto da classe trabalhadora britânica se tornaria o que se tornou? Talvez tenha sido até por causa das dificuldades, que também moveram vários futuros rockstars ingleses da época – ou pelo fato de que o rock e a música pop do fim dos anos 1960 ainda eram quase mato, universos a serem desbravados, com poucos parâmetros. Seja como for, se hoje há artistas de rock que se dedicam a discos e a projetos que parecem ter saído da cabeça de algum roteirista bastante criativo, Ozzy teve muita culpa nisso.

Fora as vezes que o vi no palco, estive frente a frente com Ozzy apenas uma vez, numa coletiva de imprensa do Black Sabbath – da qual Tony Iommi não participou, por estar se recuperando de uma cirurgia (havia tido um câncer). Seja lá o que Ozzy pensasse da vida ou de si próprio, me chamou a atenção o clima de quase aconchego da sala de entrevistas (acho que era no hotel Fasano): um lugar pequeno, com ele e Geezer Butler (baixista) bem próximos dos repórteres. Que por sinal não eram inúmeros.

Já havia feito entrevistas internacionais antes mas nunca imaginei estar tão perto de uma lenda do rock que eu ouvia desde os doze anos. Fiz uma pergunta, ele respondeu, e eu, que sempre fiquei nervoso em entrevistas (imagina numa coletiva com o Black Sabbath!) voltei pra casa como se tivesse ido cobrir um buraco que apareceu numa rua no Centro. Não que não tenha me dedicado à pauta, mas era o Ozzy e eu estava… numa tranquilidade inimaginável.

Ozzy também já me deu uma entrevista por e-mail, em 2008, em que reafirmou sua adoração por Max Cavalera, disse que não tinha ideia se a série The Osbournes havia levado seu nome a um novo público, e reclamou da MTV, “que virou uma versão adulta da Nickelodeon”. Também disse que nunca diria nunca a seus então ex-companheiros do Black Sabbath (“nos falamos por telefone e quando as agendas permitem, nos encontramos”).

Nesse papo, Ozzy só se irritou quando fiz uma pergunta que envolvia o Iron Maiden, que tinha passado recentemente pelo Brasil, ou estaria vindo – não lembro mais. “Bom, não sei te responder, pergunta pro Iron Maiden!”, disse, em letras garrafais (todas as respostas foram em caixa alta). Lembro que ri sozinho e fui bater a matéria.

Até hoje só acredito que isso tudo aí aconteceu (e não é nada perto do que uns colegas viveram com Ozzy e o Black Sabbath) porque vi as matérias impressas. Mas acho que antes de tudo, consegui humanizar na minha mente um cara que eu ouvia desde criança. Ozzy era de carne e osso, respondia perguntas, tinha lá seus momentos de irritação e, enfim, mesmo tendo o fim que todo mundo vai ter, viveu bem mais do que muita gente. E mudou vidas.

Texto: Ricardo Schott – Foto: Divulgação

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Crítica

Ouvimos: Justin Bieber – “Swag”

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Swag, novo disco-surpresa de Justin Bieber, mistura lo-fi, trap e synth pop com vibe indie e desleixo calculado. Musicalmente rico, mas com letras rasas.

RESENHA: Swag, novo disco-surpresa de Justin Bieber, mistura lo-fi, trap e synth pop com vibe indie e desleixo calculado. Musicalmente rico, mas com letras rasas.

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Justin Bieber opera hoje num universo de, vamos dizer assim, venda fácil e compreensão difícil. Ser um cantor branco de r&b significa basicamente que você vai ter que fazer shows, gravar discos e existir no show business, de modo geral, no limite da polêmica. Afinal, tanto r&b quanto rap são áreas de artistas negros, ligadas a um histórico que se estende ao soul, e a vivências pessoais – e o mundo mudou o suficiente para que o mercado quase entenda o peso de certas coisas.

Por quase entenda, leia-se que, na maioria dos casos, tudo pode ser resolvido por uns posts nas redes sociais e uma tour pelos lugares certos, com as pessoas corretas. Mas pra piorar um pouco, nos últimos tempos, Justin andava brotando mais no noticiário de fofoca do que nos cadernos de cultura. As notícias eram sobre cancelamentos de shows, brigas com a mulher Hailey, relacionamentos supostamente mais do que íntimos com o rapper P. Diddy e supostos abusos de substâncias.

E, bom, o que faz um astro como Justin Bieber numa hora dessas? Para calar a boca de uma renca de gente durante um bom tempo, ele simplesmente lança um disco novo do mais absoluto nada – e este disco é Swag, uma epopéia de quase uma hora, com 21 faixas. E antes de mais nada, Swag consegue colocar de vez Justin numa espécie de “espírito do tempo” pop no qual artistas como Taylor Swift, Rihanna, Beyoncé e Miley Cyrus já se encontram há um bom tempo.

Esse tal (hum) zeitgeist significa que tais artistas – seguindo uma linhagem que inclui de Beatles a Marvin Gaye – decidiram se libertar de amarras para fazerem o que bem entendem. Ou seja: discos de protesto, álbuns com design musical troncho, feats que os fãs vão estranhar, projetos com produtores pino-solto, singles com referências que o fã-clube vai ter que buscar no Google, lançamentos com fotos de divulgação distorcidas – ou capas no estilo meu-sobrinho-fez.

De modo geral, são artistas que podem se dar ao luxo de perder alguns fãs, em nome de verem seus álbuns se tornarem (vá lá) pretensos barômetros do nosso tempo, ou pelo menos crônicas pessoais-autoficcionais. Alguns exemplos: Brat, de Charli XCX, trouxe a zoeira da noite de volta. Hit me hard and soft, de Billie Eilish, foi importante na onda de música sáfica. GNX, de Kendick Lamar, explora misérias existenciais e brigas no showbusiness. Vai por aí. Fazer disco com “desencucação” virou, mais do que nunca, coisa de roqueiro – aposto que você se divertiu muito com Cartoon darkness, de Amyl and The Sniffers, e ficou assustado/assustada com as teorias geradas por Brat.

Se a essa altura do meu texto você já está prestes a desistir de ler, por eu ainda não ter dito se Swag vale seu tempo precioso, aqui vai: vale, e muito. Justin já vinha de uma tradição de álbuns ligadíssimos na atualidade – o melhor deles é Purpose, de 2015. Swag tem um subtexto de “libertação”, já que Bieber acaba de dar adeus a seu empresário de vários anos, Scooter Braun (um adeus que vai lhe custar mais de 30 milhões de dólares, por sinal). E traz o cantor investindo em climas lo-fi, sons texturizados, vibes derretidas e muita coisa que virou moda de uma hora para a outra.

O G1 disse que Swag é um disco chato. Eu discordo bastante, mas o The Guardian chegou perto da realidade ao dizer que as letras prejudicam o novo álbum – de fato, a poética de Swag tem a profundidade de um pires. Já musicalmente, a diversão é garantida até para quem nunca ouviu nada do cantor. Bieber e sua turma de produtores e parceiros transformam trap e sons lo-fi em pop adulto, em faixas muito bem feitas e bem acabadas, como All I can take, a estilingada Daisies, o bedroom pop Yukon e a viajante Go baby.

O design musical de Swag é minimalista, e boa parte das músicas têm aquele clima de desleixo estudado do indie pop atual. Things you do tem guitarras decalcadas do The Police e silêncios entre vozes e sons, Butterflies é uma gravação quase caseira que vai crescendo, e faixas como First place, Way it is, Sweet spot e Walking away unem synth pop, modernidades, sons derretidos e tentativas de emular Michael Jackson.

Dadz love, com o rapper Lil B, evoca Prince, com tecladeira dos anos 1980 e texturas de 2025. A vibe dos Rolling Stones, e das voltas do grupo britânico em torno do soul e do r&b, dáo as caras em Devotion e na vinheta Glory voice memo. Uma curiosidade é o trap da faixa-título, com participações de Cash Cobain e Eddie Benjamin, e um verso proscrito sobre cocaína (“seu corpo não precisa / de nenhuma linha prateada”) que aparentemente só o Spotify transcreveu.

Vale dizer que, tentando tomar de volta o controle da própria narrativa, Justin derrapa feíssimo ao decidir colocar em Swag três diálogos com o comediante negro norte-americano Druski. Num deles, o humorista diz a ele que “sua pele é branca, mas sua alma é negra, Justin” (o cantor só responde um “obrigado” desajeitado) – em outro, o assunto inclui paparazzi e redes sociais. No final, quem ouve o disco inteiro é “premiado” com a estranhíssima presença do cantor gospel Mavin Winans ocupando sozinho a última música – o cântico religioso Forgiveness.

Enfim, é Bieber buscando legitimidade para o autoperdão e para a própria carreira de cantor branco de r&b – e mandando recados de maneira tão desajeitada que Swag, um excelente disco, quase rola escada abaixo. Swag não resolve todas as questões em torno de Justin Bieber – mas quando acerta, lembra que, às vezes, é melhor fazer do que explicar.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Def Jam
Lançamento: 11 de julho de 2025

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